O programa "Médicos Pelo Brasil", lançado há dois anos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, até hoje não cumpriu sua meta de substituir a iniciativa correlata "Mais Médicos", implementada em 2013.
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Estados e municípios brasileiros agora convivem com a menor oferta para o atendimento primário da população, especialmente nas regiões mais remotas e vulneráveis, o que não está sendo totalmente suprido pelos novos editais de contratação abertos ainda pelo programa Mais Médicos.
Administradores públicos têm desenvolvido soluções para suprir a carência em regiões que antes contavam com a cobertura dos médicos cubanos e brasileiros, cujos contratos não foram renovados pelo Ministério da Saúde. É o caso do Espírito Santo, que criou no início deste ano o programa Qualifica-APS justamente para cumprir o papel de recrutar, formar e remunerar profissionais egressos das universidades, e que já conta com 421 médicos no estado.
Um novo cenário que Fabiano Ribeiro dos Santos, diretor do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi), considera extremamente desafiador para os orçamentos das cidades pequenas. “A redução do percentual de equipes de Saúde no Brasil caiu muito. Os municípios não tinham, e ainda não têm, condições de fazer uma contratação rápida de novos médicos”, avalia Santos.
Já Leandro Bertoldi, médico e professor da Universidade Federal do Sudoeste da Bahia (Uesb), destaca o retorno da disputa municipal por médicos, pautada por um verdadeiro leilão de ofertas salariais.
“O município de Mansidão, no oeste da Bahia, onde já trabalhei, tem um dos menores PIB per capita do país (Produto Interno Bruto (PIB) per capita, ou seja, a riqueza produzida em uma unidade administrativa dividida pelo número de habitantes que ela possui), atualmente paga R$ 30 mil a cada médico. Além de desproporcional à renda média da cidade, esse recurso poderia pagar quantos profissionais da saúde?”, questiona.
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Consequências na ponta da linha
A mais recente Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), feita em parceria pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde e divulgada ano passado, aponta uma redução considerável no número de visitas domiciliares mensais, feitas por agentes de saúde. Em 2019, 38,4% dos domicílios cadastrados receberam ao menos uma visita, enquanto, em 2013, esse percentual era de 47,2%.
De acordo com o ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), o Brasil andou na contramão com relação ao resto do mundo ao reduzir o alcance de seus programas sanitários. “Até os Estados Unidos, que têm forte apelo do mercado privado, reforçaram regras para ampliar a duração dos contratos de médicos durante a pandemia”, compara.
Para Padilha, este quadro sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada, deixando sem atendimento parte considerável da população. “Quando a pandemia chegou, a atenção primária já estava desmontada, assim como a atenção aos bairros mais pobres, comunidades e áreas remotas (…) então, quem tinha comorbidades e não recebeu assistência chegou na pandemia em estado mais grave, com um fator de risco adicional”, afirma.
Vazio deixado pelos médicos cubanos
Cartas fora do baralho desde a eleição de Jair Bolsonaro à presidência, os médicos de Cuba contratados em acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) começaram a deixar o país no final de 2018. Uma ausência extremamente sentida “na ponta da linha”, utilizando um termo bastante recorrente no vocabulário de Bolsonaro, especialmente durante a pandemia.
Defasado de mais de 8.000 profissionais, que atuavam sobretudo nas áreas mais vulneráveis e remotas do Brasil, o Ministério da Saúde não fez os esforços necessários para repor esse quadro. “Isso mostra que o governo Bolsonaro abandonou a ideia de levar médicos para a população que mais sofre, tudo graças a um discurso xenófobo e preconceituoso com as pessoas que estavam cuidando do nosso povo”, critica Padilha.
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A postura combativa do Conselho Federal de Medicina (CFM), desde a chegada ao país dos médicos cubanos, contribuiu para a cruzada feita por Bolsonaro desde a época em que era deputado federal. De acordo com Leandro Bertoldi, a principal entidade médica do país foi corporativista contra os cubanos, que deixou de valorizar as qualidades no atendimento médico humanizado que era realizado pelos cubanos.
“O respeito com a gestão e a empatia (dos médicos cubanos) com os usuários foi surpreendente. Eles gostavam de fazer a Saúde da Família, ao contrário da maioria dos médicos brasileiros. Isso já vinha com eles, assim como um amplo conhecimento em diferentes áreas da medicina”, opina Santos.
Para contribuir negativamente ao desmonte do Mais Médicos, o Ministério da Saúde também tem feito movimentos para atrair os planos de saúde para a atenção primária. Em março, o governo lançou o programa de Certificação em Atenção Primária à Saúde (APS), que visa autorizar a rede privada a realizar esse tipo de atendimento, o que Bertoldi considera “um desserviço, já que esses profissionais teriam uma visão bastante limitada da vida dos usuários”. Até o momento, apenas um plano de saúde – o Unimed Litoral – foi certificado.
Edição: Vinícius Segalla