Ao lado de onde o Canal do Jardim de Alá deságua no mar do Leblon, na zona Sul do Rio de Janeiro, são montadas todas as terças e quintas-feiras as duas redes coloridas do Instituto Levante. O projeto, organizado pela atleta Carol Solberg, promove aulas gratuitas de vôlei de praia para crianças e adolescentes, entre 6 e 16 anos, de comunidades cariocas.
Nas areias, sem cerimônia, as crianças e os pais são recebidos pela atleta e por profissionais voluntários que se revezam entre suas atividades para garantir presença nas aulas. No final do treino, depois dos exercícios e das brincadeiras, as crianças fazem fila para receber o lanchinho: um suco doado por uma empresa de alimentos naturais e um sanduíche feito em casa pela própria equipe.
Iniciado há três semanas, o projeto vem sendo gestado desde antes da pandemia como um sonho antigo de Carol. Ela é a responsável por procurar e reunir todos os que hoje formam a equipe do instituto ao deixá-los empolgados com a ideia do projeto. Ao todo, o Levante é integrado por 11 profissionais, entre professores, administradores e uma psicóloga. Todos com experiência de outros projetos sociais.
“Eu trabalhava com o marido da Carol e depois que saí da empresa, em 2019, ela me ligou falando que estava com a ideia do projeto, gestando ainda, com todo o gás e toda a força, ela disse: ‘vamo?’. Não tinha como recusar. Fico até arrepiada de dizer, todos aqui estão com muito sangue nos olhos para ajudar essas crianças”, conta Marcela Pessoa, responsável pela administração do instituto.
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As conversas começaram a ser feitas em 2019 para estruturar os objetivos do projeto, as estratégias de como alcançar as crianças e que comunidades seriam atendidas. Ao mesmo tempo, foram sendo resolvidas as burocracia para formalizar o Levante como uma ONG. Com a pandemia, o projeto foi adiado e só retomado neste mês, a partir da queda dos números de casos e óbitos em todo o país.
“Eu tenho dois filhos e vibro tanto quando eles têm um dia legal, fazem esporte, tem um lanche gostoso. Pensei que não precisava ter um grande projeto, o principal é a criançada estar aqui se divertindo. Estamos fazendo no amor, todo mundo é voluntário. No dia anterior a gente vê quem pode fazer os sanduíches, vamos revezando, conseguindo uma coisa aqui e outra ali. Eu virei a maior cara de pau. A pessoa quando vê meu nome no telefone pensa: ‘socorro é a Carol pedindo alguma coisa para o Levante’. Espero que um dia estejamos mais organizados nesse sentido, mas agora está tudo sendo feito assim: na vontade”, explica a atleta.
A jogadora de vôlei de praia acredita no esporte como um motor de transformação e no projeto como uma forma de compartilhar um pouco de tudo o que conquistou na carreira nos últimos anos.
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“O esporte me deu tanto na infância e adolescência. Eu fui uma menina privilegiada que teve acesso a tantas coisas, mas mesmo assim, o esporte foi divisor de águas na minha vida. Eu acredito muito nesse poder do esporte de abrir portas para tantas outras oportunidades. Também de ensinar a respeitar o limite do outro, de ajudar o companheiro. Que eles possam aprender que isso aqui é de todos, que o projeto é deles também”, complementa.
Foi pensando na disciplina que o esporte ensina que a moradora do Vidigal, na zona Sul do Rio, Márcia Venâncio inscreveu a filha Marina, de 11 anos, e a neta Maria, de 6 anos, no projeto. A professora primária também pensou nas aulas como um caminho para ressocializar as meninas, depois de muito tempo em casa por conta do período de isolamento social.
“Não [as inscrevi] porque quero que as meninas sejam jogadoras de vôlei, mas porque sei da importância do esporte para formar seres humanos melhores, para estimular as crianças a buscarem um futuro melhor. A pandemia deixou o pobre mais pobre e o rico se manteve com a vida boa, mas não quer ajudar, a desigualdade piorou. Nós perdemos muita gente próxima nesse período, as crianças ficaram prejudicadas, com medo. Foi muito triste. Agora estamos tentando retomar aos poucos as atividades para elas poderem voltar a ser crianças de novo”, conta.
Vizinha de Márcia, Andrea Pereira também inscreveu a filha Ana Carolina, de 13 anos, no projeto com o objetivo de tirar a adolescente do sofá e das telas do computador e celular. As duas caminham por cerca de uma hora de casa até a praia para as aulas todas as terças e quintas.
“Eu adoro o vôlei, acompanho sempre. Tô achando muito bom para ela socializar. O esporte é bom para tudo, ela fica mais atenta, menos dispersa. Gosto que ela saia do sofá, levante, tenha disciplina. Eu também trabalho em projeto social, eu acho super válido, apoio. Tudo o que minha filha conseguiu fazer até hoje foi fruto de projeto social. É muito importante para a gente”, conta.
Ana Carolina já convidou os primos para se inscreverem, assim como outras crianças que chamaram os amigos e os vizinhos. Em menos de um mês, as aulas têm 59 inscritos, quase 20 crianças a mais do que as 40 vagas planejadas inicialmente. A ideia é que as turmas sigam crescendo, assim como a estrutura do projeto.
Para isso, o instituto está buscando apoios de todas as formas, que podem ser feitos por meio de trabalho voluntário, contribuições em dinheiro ou mesmo por doações de equipamento e alimentos para o lanche. O contato para mais informações é pelo e-mail: [email protected].
“Tem uma frase do Milton Santos que diz que 'a cidade é o espaço do acontecer solidário' e eu realmente acredito nisso. As pessoas pensam: ‘o que vai adiantar eu fazer uma coisa pequena?’. Faz muita diferença sim. Eu olho para isso aqui e penso que o dia deles vai ser mais legal depois da aula e isso me faz tão feliz. Claro que é obrigação do governo pensar em políticas públicas que ajudem as pessoas de várias maneiras, mas a gente como ser humano, precisa exercitar esse nosso lado também”, conclui a atleta.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Jaqueline Deister