O governo de Guillermo Lasso, no Equador, completou cem dias no último dia 31 de agosto. O que pode ser ver neste início é a continuidade ao saque neoliberal iniciado por Lenín Moreno.
No plano interno, há cortes nos gastos sociais, reformas fiscais regressivas, planos de privatização e, com exceção da vacinação, não há nenhuma outra medida para aliviar a crise econômica. No âmbito internacional, uma política exterior que é totalmente submissa e subordinada aos interesses estadunidenses e que prejudica o povo equatoriano.
Economia
Sete em cada dez equatorianos não têm carteira assinada e estão em trabalhos precários que caracterizam subemprego. Antes da pandemia, no final de 2019, a porcentagem de população pobre tinha aumentado até 25% (era 21% em 2017) por conta da redução do gasto público e das medidas neoliberais de Lenín Moreno. Desde o começo da pandemia, ainda que os dados não possam ser comparados porque a metodologia de medição mudou, a pobreza aumentou no país.
O Equador recebeu, no final de agosto, 950 milhões de dólares do FMI em Direitos especiais de Saque (recursos livres): apenas 2% do montante total que o FMI destinará gratuitamente à região, que corresponde a 48,97 bilhões de dólares.
Em contrapartida, o Equador seguirá com uma política de restrição fiscal iniciada no governo anterior de Moreno, que assinou uma carta de intenções com o FMI em 2020.
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Por este motivo, continuam também os planos de privatizar o Banco del Pacífico, a Refinaria de Esmeraldas, vender ativos do Estado e reduzir ainda mais impostos, além do imposto sobre a saída de capital que já foi reduzido em julho. Essas medidas diminuirão ainda mais o investimento público e a capacidade do Estado de garantir os direitos da população, sobretudo os dos mais pobres.
Sobre extrativismo, o Decreto Presidencial 151, emitido em 5 de agosto de 2021, constitui o roteiro para a implementação do Plano de Ação para o setor de mineração.
Financiado com um empréstimo do BID no valor de 78,4 milhões de dólares, seu objetivo seria fortalecer as capacidades da política pública de mineração para gerar um ambiente de negócios propício ao investimento.
O Plano diz respeito aos direitos de mineração existentes, apoiados por Tratados de Investimento e Acordos de Livre Comércio, que preveem reclamações contra o Estado em tribunais de arbitragem internacionais e o emprego de força repressiva contra a população em nome da proteção dos interesses de mineração.
Assim, o plano servirá para proteger o capital transnacional e nacional, subordinando os direitos humanos reconhecidos constitucionalmente aos direitos dos investidores em mineração.
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Em relação à pandemia, o Plano Fênix, iniciado 31 de maio, tem como objetivo vacinar gratuitamente 9 milhões de equatorianos nos primeiros 100 dias de governo. Até 31 de agosto, a meta foi cumprida e 9.987.247 pessoas já tinham sido vacinadas com a primeira dose e 8.208.617 com as duas, o que representa 47,5% da população. No país, estão sendo utilizadas as vacinas Pfizer, AstraZeneca, Sinovac e CanSino.
Devido à fragilidade do sistema público de saúde e ausência de recursos, as vacinas estão sendo administradas gratuitamente em universidades públicas e privadas e em empresas, além dos centros de saúde e hospitais públicos e privados. Também foram criadas brigadas e unidades móveis nas zonas rurais, e os militares estão indo para as áreas mais remotas.
Além da vacinação, não há nenhuma outra medida para aliviar os efeitos da pandemia. A CEPAL apontou que a recuperação econômica do país neste ano será uma das mais baixas da região, superando apenas Nicarágua, Cuba, Haiti e Venezuela.
Política
Mesmo tendo o maior número de parlamentares na Assembleia Nacional, a bancada do movimento União pela Esperança (UNES), os "correístas", não tem maioria.
Eles fizeram um pacto duvidoso com o Partido Social Cristão (PSC), um partido tradicional de direita que, por sua vez, está aliado ao CREO, o partido de Lasso (disputaram juntos as eleições).
Neste acordo, os parlamentares da UNES esperavam, em troca da entrega da presidência da Câmara ao PSC – CREO, conquistar uma das vice-presidências (são duas) e criar uma espécie de "comissão da verdade" para combater o lawfare, obtendo informações para defender nos tribunais internacionais o ex-presidente Rafael Correa, o ex-vice-presidente Glas e outros líderes correístas perseguidos durante a administração de Moreno.
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O pacto não prosperou porque Lasso retirou seu apoio no último minuto e a presidência da Assembleia Nacional ficou nas mãos de Pachakutik, a segunda maior força eleitoral, que já mantinha uma aliança com a Izquierda Democrática (ID), terceira maior força eleitoral desde o segundo turno, que se aliou ao CREO.
Essa maioria formada por CREO, Pachakutik e ID, junto com parlamentares de outros partidos pequenos de direita, elegeu Guadalupe Llori, uma mulher indígena amazônica, como presidenta da Assembleia.
Com essa maioria, Lasso apontou que as leis prioritárias para a Assembleia trabalhar no próximo período serão as seguintes: reformas na Lei de Comunicação e na Lei de Educação Superior, esta última já apresentada, e que visa desregulamentar o setor e reduzir a verba pública da área, negligenciando a qualidade do ensino; além das reformas trabalhista, tributária e penitenciária.
Em relação aos movimentos populares, em 2 de julho, o dirigente Leonidas Iza tomou posse como novo presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas (CONAIE), maior articulação indígena do país. A eleição de Iza representa uma guinada à esquerda dentro da maior organização do campo popular equatoriano, já que ele foi uma das principais lideranças dos intensos protestos ocorridos no país em outubro de 2019.
Nesses primeiros meses de governo, começam a se organizar mobilizações contra o presidente e suas políticas neoliberais. A primeira manifestação contra o governo de Lasso aconteceu em junho, quando os agricultores produtores de arroz exigiram um preço mínimo de apoio à produção.
Depois disso, durante um mês – entre 12 de julho e 13 de agosto –, 89 professores de escolas e colégios filiados à UNE (União Nacional de Educadores) fizeram greve de fome contra a tentativa de mudar a Lei Orgânica de Educação Intercultural (LOEI). E a greve venceu. Ou seja, a LOEI, que existe desde 2011, permanece, já que o Tribunal Constitucional disse não à mudança proposta por Lasso.
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A primeira manifestação conjunta contra o governo Lasso aconteceu no dia 11 de agosto, diante da alta nos preços dos combustíveis, atrelados aos preços internacionais desde maio de 2020, sofrendo aumentos periódicos.
O protesto, com focos em todo o país, foi organizado pelo movimento indígena e pelas centrais sindicais ligadas à Frente Unitária de Trabalhadores (FUT). Lasso manteve à medida que tem significado um aumento de preço de 30 a 60%.
Na educação, com mais um corte anunciado no final do agosto, o orçamento público contará com 500 milhões de dólares a menos no próximo ano. Também foi assinado um decreto presidencial que abre as portas para o financiamento privado da educação e saúde públicas.
O Conselho de Educação Superior reduziu em 12 milhões de dólares o orçamento das universidades privadas que recebem verba pública.
Estas universidades, de acordo com a Lei de Educação Superior, devem usar os fundos públicos que recebem para oferecer bolsas de estudo a pessoas com recursos econômicos limitados, levando em conta os critérios da política de cotas para a inclusão de indígenas, negros e pessoas com deficiência. Diante da medida, as universidades privadas anunciaram, em 22 de agosto, que oferecerão menos bolsas.
“Vira-latismo”
A política de entrega da soberania nacional implementada por Moreno não apenas persiste, mas está sendo aprofundada.
Lasso retomou o processo de negociação de um Acordo de Livre Comércio (ACL) com os Estados Unidos. O primeiro passo deste processo foi dado por Moreno, que assinou em 8 de de dezembro de 2020 um Protocolo ao Acordo do Conselho de Comércio e Investimento EUA-Equador sobre Regras Comerciais e Transparência.
Este protocolo foi denominado "Acordo Preliminar" ou "Acordo da Fase 1" do ALC com os Estados Unidos, e entrou em vigor em 12 de agosto deste ano.
Na mesma direção, o governo Lasso fez o Equador voltar aos tribunais de arbitragem internacionais, como o Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), algo que resultou prejudicial aos interesses do país, já que essas entidades defendem apenas os negócios das corporações transnacionais e dos países do Norte Global.
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Isso já aconteceu no Caso Chevron, quando a companhia petroleira foi processada por danos na Amazônia equatoriana.
O plenário da Assembleia Nacional, com maioria formada por UNES e Pachakutik, aprovou uma resolução condenando a assinatura do acordo com o ICSID. Além disso, um grupo de parlamentares deu entrada em uma Ação Pública de Inconstitucionalidade no Tribunal Constitucional porque a aceitação deste tipo de arbitragem internacional fere os artigos 419.7 e 422 da Constituição do Equador.
Edição: Arturo Hartmann