Sem transparência

Planalto muda padrão do Diário Oficial e oculta nome de empresa suspeita de matar Jovenel Moise

Após reportagem do Brasil de Fato, governo "maquia" portaria que estende prazo de apuração em contrato por mais 180 dias

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Os ministros Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) em entrevista no Palácio do Planalto - Divulgação/Presidência da República

O Palácio do Planalto ocultou o nome da CTU Security, empresa que é investigada por envolvimento no assassinato do presidente do Haiti, em uma portaria publicada no Diário Oficial da União no último dia 30 de julho. Na ocasião, a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou que a apuração interna em contrato feito com a companhia foi estendida por mais 180 dias. O governo federal, contudo, alterou o padrão das publicações anteriores sobre o mesmo caso e não inseriu o nome da empresa na portaria.

Foi a primeira vez que uma comunicação no Diário Oficial sobre o contrato com a CTU Security não apresentou o nome da empresa. O caso foi identificado apenas com o número do processo administrativo que tramita na Presidência da República.

Pouco mais de uma semana antes, em 22 de julho, o Brasil de Fato revelou que o contrato com a empresa é alvo de investigação interna no Executivo desde 2020. A reportagem também mostrou que o empresário Antonio Emmanuel Intriago Valera, conhecido como Tony Intriago, é investigado na Flórida, nos Estados Unidos, por participação no assassinato do presidente haitiano, Jovenel Moïse, dentro do palácio do governo, em 7 de julho.

O ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, foi responsável pela assinatura do contrato de mais de R$ 40 milhões que é investigado no processo administrativo que corre no Executivo. O acordo foi firmado sem licitação em 2018, pelo Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, comandado pelo militar.

O Brasil de Fato enviou questionamento sobre a "maquiagem" da portaria à Secretaria-Geral da Presidência, responsável pela apuração, à Casa Civil, onde está alocado o Gabinete de Intervenção (que segue em funcionamento), e ao Ministério da Defesa, pasta chefiada por Braga Netto.

ATUALIZAÇÃO (24/8, às 10h05): Após a publicação da reportagem, a Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que o "entendimento de que o nome da empresa foi ocultado está incorreto, uma vez que a portaria segue o modelo utilizado pela Controladoria-Geral da União - órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal - para prorrogação de prazos definidos em portarias anteriores". A pasta, porém, não explicou por quais razões a portaria anterior, também destinada à ampliação do prazo, continha o nome da CTU Security. O Brasil de Fato encaminhou o questionamento à CGU. Assim que houver reposta, será adicionada à reportagem.

Veja a diferença entre as portarias já publicadas sobre o caso:

Portaria sem nome da empresa:


Portaria que aumenta prazo de investigação por mais 180 dias / Diário Oficial da União

Portarias com nome da empresa:


Extrato de dispensa de licitação publicado em 2018 para contratação da empresa CTU Security para fornecimento de coletes à prova de bala / Diário Oficial da União


Suspensão da execução do contrato, publicada em 2019, já no governo Bolsonaro; acordo foi descumprido e encaminhado para investigação / Diário Oficial da União


Portaria que designa auditores internos para investigar responsabilidades; prazo para apuração expira na primeira semana de agosto / Diário Oficial da União

Entenda o caso

O contrato com o governo brasileiro previa a entrega de 9.360 coletes à prova de bala para a Polícia Civil do Rio de Janeiro. O custo médio de cada colete seria de R$ 4,3 mil. No primeiro mês do governo Bolsonaro, o Executivo chegou a pagar R$ 35.944.456,10 à empresa. Três meses depois, no entanto, o pagamento foi cancelado e o contrato suspenso.

Desde 2020, o Executivo apura as responsabilidades pelo descumprimento do contrato. O prazo da investigação já foi estendido em 180 dias por três vezes. O novo prazo acaba apenas no final de janeiro de 2022.

Brasil de Fato solicitou, via Lei de Acesso à Informação, a íntegra do processo administrativo que apura irregularidades no caso. O Governo Federal, no entanto, afirmou que o caso corre em sigilo até que as investigações sejam finalizadas.

A dispensa de licitação para as compras do Gabinete de Intervenção foi um pedido de Braga Netto, feito em maio de 2018, ao Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão deu autorização, em junho daquele ano, para compras sem licitação.

Segundo relatos de autoridades da Flórida, em entrevista ao site Politico, o dono da CTU Security teria contratado mais de 20 ex-soldados da Colômbia para executar a morte do chefe de Estado haitiano. Na semana passado, chefe da Polícia Nacional do Haiti acusou Intriago de visitar o país várias vezes e de ser um dos integrantes de uma conspiração para matar Moïse, mas não forneceu mais informações.

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Durante 13 anos, de 2004 a 2017, cerca de 37 mil oficiais das Forças Armadas do Brasil foram deslocados para o Haiti. O Brasil de Fato mostrou, em julho, que pelo menos oito militares que tiveram papel de liderança na missão ocupam ou ocuparam cargos no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Braga Netto não atuou no país caribenho, mas tem longa relação com militares norte-americanos.

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Há 10 anos, em 2011, o atual ministro da Defesa foi designado adido militar do Comando do Exército junto à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Braga Netto permaneceu em território norte-americano por aproximadamente três anos. Deixou o posto em 2013, quando retornou ao Brasil para atuar no esquema de segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

Menos de dois anos depois da Olimpíada, em fevereiro 2018, Braga Netto foi nomeado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) como interventor federal no Rio de Janeiro. A intervenção seguiu até dezembro do mesmo ano.

Em 2019, a Agência Pública de Jornalismo Investigativo mostrou que onze empresas privadas de segurança e tecnologia nacionais e internacionais assinaram cerca de R$ 140 milhões em contratos sem licitação com o governo brasileiro, todos destinados à intervenção no Rio de Janeiro.

Edição: Vivian Virissimo