Com o fim do recesso parlamentar e a volta aos trabalhos legislativos esta semana, a Câmara dos Deputados deverá seguir como arena principal de disputa envolvendo as reformas tributária, política e administrativa.
É o que sinalizam os acenos feitos pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), segundo o qual essas três agendas deverão constar entre as prioridades da pauta de votações. Setores da oposição no Legislativo e na sociedade civil questionam a escolha.
Expressa no Projeto de Lei (PL) 2.337/21, a reforma tributária, por exemplo, deverá ser avaliada por meio do relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), que apresentou uma segunda versão do parecer na última segunda (2).
O PL modifica a tributação relacionada ao Imposto de Renda (IR) e, na visão de Lira, já tem debate “amadurecido” entre as bancadas, motivo pelo qual o pepista sustenta que a proposta poderia ser votada “com muita tranquilidade”.
O texto, no entanto, enfrenta resistências. O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), por exemplo, publicou nota na terça-feira (3) rejeitando o novo parecer de Celso Sabino.
A entidade aponta que a medida subtrai receitas de estados e municípios, “criando um horizonte de manifesta insolvência fiscal”, e tem potencial para causar perdas de mais de R$ 26 bilhões a esses entes federados a partir de 2023.
Por conta disso, o Comsefaz indica que, caso não seja rejeitado pelo Legislativo, o PL tende a comprometer os serviços públicos.
A deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS), vice-líder da oposição, destaca que não há consenso para se votar o texto do PL, como sugere o presidente da Câmara.
“Não está amadurecido. Longe disso. Inclusive, um dos poucos projetos que seriam urgentes, como taxar dividendos, acaba sendo retaliado pelo relator. Esse amadurecimento certamente não é conosco e nós não temos dúvida de que a agenda número um da Câmara deveria ser o impeachment do Bolsonaro. Isso, sim, está bastante amadurecido.”
Reforma política
Outro tema que deve ajudar a concentrar as atenções, a reforma política tramita como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 125/11 e é debatida atualmente por uma comissão especial na Câmara. Nesta quarta (4), por exemplo, a medida é alvo de duas reuniões que devem discutir pontos do texto que irá à votação, formulado pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP).
A versão inicial da PEC prevê somente o adiamento do pleito para datas próximas a feriados, mas a proposta foi incrementada com outros pontos que trazem regras a serem adotadas a partir de 2022.
Entre outras coisas, a PEC introduz o “distritão puro”, sistema eleitoral por meio do qual são eleitos os candidatos a deputado federal e estadual mais votados e sem se considerar os apoios direcionados a legendas. Por conta disso, a proposta enterra o sistema proporcional, adotado atualmente, e conta com a rejeição especialmente do campo da oposição.
“A reforma política que está em jogo, na verdade, é um empenho pessoal do Lira e do PP pra tentar colocar o distritão, que, junto com outras medidas, dificulta o processo de escolha ideológica dos candidatos, dos partidos e favorece as celebridades e o poder econômico”, critica Fernanda Melchiona, apontando que as resistências em torno do texto devem continuar marcando a tramitação da PEC.
Reforma administrativa
A PEC 32/20, que traz os artigos da reforma administrativa do governo Bolsonaro, espelha outro ponto de faísca entre a gestão e os opositores. Liderança do centrão, base de apoio do chefe do Executivo no Congresso, Arthur Lira tem feito coro pela aprovação da medida até o final deste mês de agosto. A defesa do presidente da Câmara é de que o texto estaria sendo discutido de forma transparente.
A projeção e a afirmação contrariam os discursos e pedidos feitos por parlamentares de oposição e por setores civis, especialmente o movimento sindical vinculado ao funcionalismo público. Esses segmentos reclamam maior participação nos debates que envolvem a PEC e apontam que não foram ouvidos pela gestão Bolsonaro na confecção do texto.
Tais grupos questionam ainda a necessidade da reforma, que cria mecanismos de redução de direitos para atuais e futuros servidores, como é o caso da relativização da estabilidade, além de poupar atores das Forças Armadas e da cúpula dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Diante das dissidências, a tendência é que a rejeição popular siga dando o tom dos debates que circundam a PEC 32/20. A disputa em torno da pauta pode seguir até o final do ano, caso se confirmem as previsões sinalizadas por Lira de que a proposta pode ser votada nas duas casas legislativas até novembro.
“Nossa luta nestes próximos 60, 90 dias será triplicada. Nós vamos fazer todos os esforços pra que essa PEC não seja aprovada nem na comissão especial, muito menos no plenário”, afirma Sérgio Ronaldo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), uma das frentes de luta contra a reforma.
Correios
Os serviços postais também estão na mira de Lira e aliados governistas neste começo de semestre legislativo. A privatização dos Correios, estampada no Projeto de Lei (PL) 591/21, tramita em caráter de urgência na Câmara e pode ser votada até esta sexta-feira (6), segundo projeção de Arthur Lira.
O texto chegou à Casa em fevereiro e abre a exploração dos serviços postais para iniciativa privada, por isso é mais um ponto das divergências que envolvem governo e oposição. A proposta também conta com ampla antipatia entre os setores sindicais e populares e pode motivar uma greve dos trabalhadores da estatal a curto prazo, segundo vem sendo indicado pela categoria.
Edição: Leandro Melito