O Distritão inviabilizaria a participação das mulheres na política, sobretudo negras e indígenas
Tudo na vida é política. E quando se se faz essa afirmação, é para dizer que, essencialmente, todos os meandros das nossas vidas são decididos a partir de escolhas políticas, desde o preço do gás até a liberação escandalosa de agrotóxicos.
Ou ainda a quantidade de creches em uma cidade, a participação política e o controle social na implantação e monitoramento de políticas públicas, por exemplo.
E é por isso que falar sobre política e participar dos espaços de decisão é tão importante e fundamental em nossa sociedade, em que esses lugares foram quase que exclusivamente ocupados por muito tempo por uma pequena parcela da população, homens, brancos, empresários e ricos.
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Enquanto isso, a outra grande parcela não representada nesses espaços foi convencida de que política não era coisa para pobre, não era coisa para preto e principalmente, não era coisa para as mulheres – há apenas 89 anos conquistamos o direito ao voto.
Em uma sociedade capitalista como a nossa e tão engrenada no racismo e no machismo, é ainda desafiador garantir que as mulheres disputem e ocupem os seus lugares nos espaços de decisão.
E são muitas as barreiras estruturais que fazem com que as mulheres se afastem dos espaços de luta institucional - o trabalho doméstico, a violência, o cuidado com os filhos, as jornadas de trabalho remunerado e tantas outras questões que as afastam desses espaços da vida pública e política.
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Hoje, no Brasil, a Câmara Federal possui apenas 15% de mulheres e o Senado Federal 12%. Em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita nas eleições de 2020, o que indica que o caminho para a igualdade de participação das mulheres na política ainda será longo.
Na última semana, a movimentação no Congresso reaqueceu o debate sobre essa participação. Nos dias 12 e 13 de julho, a Câmara discutiu a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/11, que prevê novas alterações no sistema eleitoral do país.
Uma das propostas apresentadas pela relatora Renata Abreu (Podemos/SP) inseria o sistema de eleição por voto majoritário, o chamado Distritão. Nesse sistema eleitoral, os mais votados são eleitos, acabando portanto com o sistema de proporcionalidade, que garante a inserção de outros grupos sociais nos espaços legislativos.
O Distritão inviabilizaria a participação das mulheres, principalmente das mulheres negras e indígenas na política. Mas não só, inviabiliza a eleição de representantes de comunidades e outras minorias.
Se o sistema eleitoral por si já empreende dificuldades para o acesso a cargos eletivos para grupos considerados minoritários, com o Distritão a possibilidade de representação, renovação e diversidade na política cairá por terra. O que representa um risco para a democracia. Neste formato aquelas pessoas com mais dinheiro, mais visibilidade seriam mais facilmente lembradas no momento da votação.
Não vamos aceitar retrocessos que impeçam que as mulheres sejam eleitas. Nós acreditamos em um sistema eleitoral que as minorias estejam representadas e com oportunidades. Este debate entrou em modo de espera por umas sessões na Câmara, em razão de um pedido conjunto de vistas no relatório, e deve retornar no próximo semestre, após o fim do recesso.
Como a vida das brasileiras não tem sido fácil, o Senado Federal aprovou no dia 14 de julho, o Projeto de Lei 1.951/2021 que altera a legislação eleitoral para “determinar que, nas eleições proporcionais, cada partido deverá reservar percentual mínimo para candidaturas de cada sexo, bem como para estabelecer reserva de cadeiras para mulheres na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais”.
De acordo com esse projeto, o Brasil teria metas escalonadas a cada pleito para alcançar um mínimo de ocupação das cadeiras por mulheres.
Até 2040 seriam 30% das vagas legislativas estariam ocupadas por mulheres. À primeira vista o projeto ganha simpatia, afinal de contas, nós queremos mesmo aumentar a participação das mulheres na política, mesmo que em um espaço de tempo tão elevado para uma proporcionalidade mínima tão baixa.
No entanto, além destas metas, o Projeto de Lei também apresenta outras alterações importantes, que necessitam ser compreendidas e discutidas mais a fundo com o conjunto da sociedade.
Ao mesmo tempo em que reserva assentos para as mulheres, o PL isenta os partidos políticos de aplicarem ordinariamente recursos públicos na difusão da participação feminina na política. Controverso. Além disso, o PL 1.951/2021 também ignora as cotas raciais já aplicadas nas Eleições de 2020.
Precisamos ficar atentas às mudanças no sistema eleitoral que estão sendo decididas no Congresso Nacional, porque isso impacta na participação das mulheres na política.
Muitos caminhos foram trilhados, muitos avanços conquistados até aqui e não vamos abrir mão dos direitos que já conquistamos, ao contrário, queremos avançar.
Em 2020, o PT foi o partido que mais elegeu mulheres, e nós vamos continuar formando e estimulando as mulheres para que ocupem cada vez os espaços políticos que, historicamente, lhes foram negados, para que possamos superar essa crise instaurada no país desde o Golpe de 2016 e aprofundada por esse governo genocida.
Silenciadas nunca mais!
*Anne Moura é feminista, indígena, manauara e petista. Secretária Nacional de Mulheres do PT. Criadora do Projeto Elas Por Elas. Participa do grupo de mulheres do Foro de São Paulo e da Copppal (Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito