A Argentina irá às urnas neste ano para as eleições legislativas. Com as votações marcadas para setembro, as peças se movem no tabuleiro político, com fortes tensões internas nos partidos de oposição e entre a coalizão governista, a Frente de Todos (FdT).
O maior desafio do bloco do presidente Alberto Fernández será conseguir a maioria que busca na Câmara Baixa e vencer as dificuldades de impulsionar projetos que acompanharam esses dois anos de mandato. Na outra ponta, está a coalizão Juntos pela Mudança (Juntos por el Cambio - JxC, em espanhol), liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri e que investido em um forte discurso contrário às medidas do governo nacional diante da pandemia de covid-19.
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Os embates internos para a decisão sobre os candidatos se intensifica conforme se aproxima o prazo de fechamento de listas. Na Argentina, os eleitores votam por listas de candidatos, e cada partido pode apresentar mais de uma.
Serão 24 cadeiras renovadas na Câmara dos Deputados e metade dos cargos em conselhos deliberativos de 26 municípios e de 31 comissões municipais. As províncias de Misiones, Jujuy e Salta adiantaram o pleito para junho e julho. Para além desses casos, as datas da eleição foram postergadas, em acordo entre governo e oposição.
As eleições prévias serão realizadas no dia 12 de setembro, chamadas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), e são um importante termômetro eleitoral que antecede as eleições, que acontecerão no dia 14 de novembro.
Segundo a Direção Nacional Eleitoral da Argentina (Dine), 23,2% dos países optaram por alterar as datas de eleições previstas para 2020 e 2021 devido à pandemia.
“O mapa político atualmente está bastante polarizado", destaca a socióloga Victora Freire, do Frente Pátria Grande. “As novidades nos movimentos dessas prévias se relacionam com a lista que o JxC irá construir, após a derrota significativa há dois anos e após quatro anos de mandato sem renovação", diz, referindo-se ao período em que Macri presidiu o país, de 2016 a 2019.
“Houve uma mensagem contundente nas urnas de rejeição ao modelo que veio mudar o rumo que nosso país traçava com os governos kirchneristas, cujas forças políticas e principais figuras são parte, hoje, do FdT”, continua. “O FdT tem o objetivo de reafirmar o resultado de 2019 e consolidar-se como uma força política que seja capaz de estabelecer e atuar com sua própria agenda.”
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Disputa de narrativas
Como seria possível prever, a pandemia tem sido o contexto principal das mensagens dirigidas aos eleitores. A oposição critica as medidas do governo diante da crise e agita um setor muito particular, ora contrário às vacinas, seguindo a linha negacionista, ora exigente de mais vacinas, após o avanço significativo da imunização. Uma narrativa que se move por contrastes.
Por sua vez, o governo nacional tem apostado no avanço da campanha de vacinação e, com êxito, pôde acelerar em poucos meses o alcance de imunizados no país. O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof (FdT), reforçou a pauta e, ao mesmo tempo, respondeu às investidas da oposição, que buscam apontar a gestão da pandemia como ineficaz. “Alguns estão em campanha eleitoral; nós estamos em campanha de vacinação.”
Apesar de não falarem sobre o assunto, as aparições públicas de Kicillof ganham especial tom eleitoral com a participação surpresa da vice-presidenta Cristina Kirchner.
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Foi o caso em um evento na tarde desta quinta-feira (1), na cidade de Lomas de Zamora, em uma entrega de tablets a escolas de ensino fundamental. Cristina Kirchner acompanhou Kicillof e o prefeito da cidade, Martín Insaurralde, também cotado para estar nas listas do FdT. “Temos que enfrentar uma dívida criminosa que não contraímos”, ressaltou Kirchner, destacando pautas que vêm sendo utilizadas pela oposição. “Todos queremos que as crianças estejam nas escolas."
A educação tem sido uma pauta eleitoral constantemente impulsionada na cidade de Buenos Aires, governada por Horacio Rodríguez Larreta (JxC). O chefe de governo apostou pela antecipação do retorno das aulas presenciais, em fevereiro, fazendo uma contraposição – que ainda permanece – com o governo nacional. “A educação é uma prioridade para nós", reforçou Larreta, em diversas coletivas de imprensa.
Se por um lado a oposição conta com a força da capital federal em impulsionar narrativas antigoverno, por outro, o FdT tem concentrado esforços na província de Buenos Aires, considerada decisiva, já que compreende 40% do eleitorado nacional.
“É um distrito difícil para a oposição", pontua o cientista político Leandro Querido. “As últimas eleições foram muito boas para o FdT, mas as pesquisas não apontam para mais de 55% dos votos, como foi em 2019.”
“É uma província com duas realidades muito marcadas. Por um lado, o interior está mais ligado à produção agropecuária, um setor importante da economia, que hoje está contrariado com o governo devido às retenções e aos impostos sobre as riquezas. Por outro, está a realidade suburbana, onde estão os setores populares que padecem o custo da inflação", afirma.
Extremismos
A pouco mais de um mês do fechamento das listas, a tensão no interior dos partidos e a acidez das aparições públicas só cresce. Na semana passada, Macri pôs o sistema eleitoral da Argentina em dúvida, em entrevista ao canal TN. Arriscou uma comparação com a Venezuela e com o anarquismo.
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Uma das possibilidades discutidas para seu bloco é a aproximação com figuras mais extremistas, como José Luis Espert, simpático ao modelo bolsonarista. A aproximação a Espert - crítico do governo macrista - e a outras figuras da ultradireita seria uma aposta em uma frente conservadora “para derrotar o kirchnerismo de vez", como já afirmou o próprio Espert.
Entre as internas, ainda sem defecho claro, desponta também o nome da presidente do Partido Republicano, Patricia Bullrich. Ela foi minsitra de Segurança de Macri, e deseja entrar na disputa eleitoral como deputada pela capital federal, enfrentando a também possível candidata Maria Eugenia Vidal.
O ex-presidente, por sua vez, evita se comprometer com este ou aquele nome. Antes de viajar à Europa nessa semana, Macri publicou em seu Facebook: "Não me meto em disputas internas".
O fechamento das listas será no próximo dia 24 de julho, segundo o cronograma da Câmara Nacional Eleitoral. Até lá, ainda há muitos movimentos e acordos possíveis para determinar o cenário dos dois principais blocos que a Argentina irá encontrar nas urnas em setembro.
Edição: Vinícius Segalla