A construção de um muro como questão de vida ou morte volta a ser pauta nos Estados Unidos. Dessa vez, porém, a barreira visa impedir a chegada não de imigrantes, mas das consequências ambientais resultantes de anos de descaso e abuso.
Até 2005, os Estados Unidos ocupavam o primeiro lugar do ranking dos maiores emissores de gases poluentes e cedeu a pole position à China, que mantém a vexaminosa liderança até hoje.
Segundo a plataforma The World Counts, o mundo emitiu 43,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono e, neste ano, a contagem já passa dos 20 bilhões de toneladas. O dióxido de carbono é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa, que provoca um aumento nas temperaturas.
Como um efeito dominó, qualquer variação de temperatura tende a ter sérios impactos – desde mudanças drásticas na frequência e intensidade das chuvas até o aumento dos níveis dos mares.
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"Temos dados concretos que comprovam que os oceanos estão subindo. Por enquanto o ritmo é lento, mas acreditamos que isso deve acelerar em breve", disse à reportagem do Brasil de Fato o professor Michael Sukop, que lidera o Departamento de Terra e Meio Ambiente na Florida International University.
Caso as previsões se concretizem, cidades costeiras em todo o mundo podem estar ameaçadas – e isso vale tanto para o Brasil, quanto para os Estados Unidos.
Moradores da região sul da Flórida já sentem na pele o que pode ser esse pesadelo, uma vez que grandes alagamentos são cada vez mais recorrentes e destrutivos na região.
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A situação é tão grave que o Corpo de Engenharia do Exército se pôs a encontrar soluções e, por enquanto, a única apresentada é bastante radical: a construção de um muro de mais de 6 metros em algumas regiões de Miami.
O projeto avaliada em US$ 4,6 bilhões tem provocado polêmica de todos os lados. Moradores que hoje contam com imóveis luxuosos com vista para o mar desaprovam a iniciativa, enquanto seguradoras e construtoras também têm suas restrições.
"Muita gente diz que, se levantarmos o muro, vamos proteger todas as pessoas e as residências do lado de cá, mas e as que ficam do lado de lá?", questiona Sukop, "ao mesmo tempo é preciso ponderar que qualquer iniciativa que promova uma solução é digna de debate, inclusive essa".
Aberto para consulta pública, o projeto, se levado adiante, tem ainda de ser sabatinado em Congresso. A construção da barreira não começaria, portanto, em menos de cinco anos, mas as polêmicas já estão de pé. "Acho que isso é como uma pandemia em si, sabe?
Porque algumas pessoas vão concordar e outras não", comenta Sukop, "então assim como aconteceu com o uso das máscaras, há aqueles que vão defender em nome da ciência e outros que vão relutar alegando liberdades individuais e outras coisas. O caminho para o futuro não é, definitivamente, uma linha reta".
O que tem sido uma linha reta, infelizmente, é o gráfico das secas na Califórnia. As mesmas mudanças climáticas que castigam a Flórida, na costa leste dos Estados Unidos, com águas torrenciais, pune a Califórnia, na outra costa do país.
"Esse é o terceiro ano mais seco em mais de 100 anos de registros. As temperaturas estão subindo, o que faz com que tenhamos mais evaporação do que precipitações", explica Jay R. Lund, professor de Engenharia Civil e Ambiental na University of California - Davis. "Se 2022 for mais ou menos parecido, então aí podemos falar com segurança de que teremos a pior seca da história", completou.
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Ainda de acordo com o docente, por ser um problema recorrente na região, diversas medidas já foram testadas e aprovadas, como por exemplo a redução da vazão de água nos chuveiros residenciais. Desde julho de 2018, o estado mais rico dos Estados Unidos impõe uma regulamentação que obriga os chuveiros residenciais a ter uma vazão de apenas 8 litros por minuto, a menor do país. Em outros estados que adotam medidas semelhantes, a vazão é de, em média, 11 litros por minuto.
Lung relembra, porém, que o grande vilão da crise hídrica é o agronegócio: "A agricultura responde por 3 ou 4% da economia da Califórnia, mas consome 80% dos recursos hídricos disponíveis".
Para amortizar esse problema, algumas prefeituras compram águas de outros estados e remanejam o uso de água dedicado ao agronegócio, que também adota suas medidas para se adaptar às circunstâncias.
"Fazemos muito, mas ainda há muito a ser feito – e há muito a se fazer agora. Não acho que é o caso de entrar em pânico, porque não tomamos boas decisões assim, mas é fato que temos que levar essa crise a sério para que possamos nos organizar social, cultural e financeiramente", defende o professor.
Também Lung defende que a sociedade civil participe com maior afinco das soluções apresentadas por organismos públicos e privados, mas que fique claro que, no final das contas, o sucesso ou fracasso das medidas contra as crises ambientais nos EUA e no mundo é responsabilidade do governo: "O governo é o órgão ao qual recorremos em tempos de crise, é para isso que ele existe. Há problemas em que as ações individuais não são suficientes".
Edição: Rebeca Cavalcante