CONSEQUÊNCIAS

Guedes "sonha" vender o Banco do Brasil: como isso afetaria a população brasileira?

Paulo Guedes quer "vender essa porra". Privatização põe em risco o acesso ao crédito e a inclusão financeira no país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Pequenos agricultores podem ser afetados com altas taxas de juros impostos pela iniciativa privada em busca de lucro - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para Paulo Guedes, ministro da Economia, o Banco do Brasil “é um caso pronto de privatização”. A declaração feita em reunião ministerial do dia 22 de abril, se tornou pública nesta sexta (22), após gravações em vídeo do encontro serem liberadas na íntegra por determinação do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

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"É um caso pronto e a gente não tá dando esse passo. Senhor já notou que o BNDES e a Caixa que são nossos, públicos, a gente faz o que a gente quer. Banco do Brasil a gente não consegue fazer nada e tem um liberal lá. Então tem que vender essa porra logo", disse Guedes a Jair Bolsonaro (sem partido), na ocasião.

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Em seguida, o ministro solicitou a Rubem Novaes, presidente do BB, que confessasse “seu sonho”. Ele, prontamente, comentou a proposta de privatização. Bolsonaro, por sua vez, respondeu aos risos que “isso só se fala em 2023”, referindo-se a um eventual segundo mandato. 

Apesar de defendida fervorosamente pelo ministro, a venda do banco público à iniciativa privada parece não ser um bom negócio para grande parte dos brasileiros que depende de linhas de créditos acessíveis para garantir melhores condições de vida.

Conforme explica Gustavo Cavarzan, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o crédito rural e imobiliário, por exemplo, possui taxas de juros limitadas que beneficiam a população, e que justamente por serem controladas, afastam os bancos privados das ofertas. Por esse motivo, explica o especialista, essas linhas são oferecidas massivamente pelos bancos públicos

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“O sistema financeiro privado torce para que os bancos públicos sejam privatizados porque a partir daí eles passariam a ganhar mercado. Hoje, basicamente, metade do crédito no Brasil é fornecido por bancos públicos. Na medida em que se tira esses agentes de cena, os bancos privados ganham esse mercado e perdem os concorrentes com taxas de juros menores”, detalha Cavarzan.

O sistema financeiro privado torce para que os bancos públicos sejam privatizados.

Dessa forma, com a privatização do Banco do Brasil, a população ficaria refém dos valores determinados pelo oligopólio dos bancos privados para acessar os diferentes programas de crédito, com taxas muito mais altas do que as cobradas pelas instituições públicas.

O especialista ressalta que o BB é responsável por 55% do crédito agrícola no país atualmente - percentual que já foi bem maior antes do governo Temer. No tocante à habitação, a Caixa Econômica Federal responde por quase 70% da oferta de crédito para a casa própria. Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) é o grande responsável pelo financiamento de projetos para indústria e infraestrutura em todo o país. 

"Onde os bancos privados não querem entrar"

Bárbara Vallejos, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), argumenta que os bancos públicos são instrumentos essenciais para a inclusão financeira da população, sobretudo do Norte, Nordeste e interiores dos estados brasileiros, "regiões onde os bancos privados não querem entrar". 

No Nordeste, os bancos públicos são responsáveis 87,3% do crédito concedido. Na região Norte, 94,5%.

Segundo ela, sem a presença de agências e distribuição de crédito, a dinamização das economias locais será comprometida, impactando o desenvolvimento nacional como um todo e aprofundando a desigualdade socioeconômica. 

“No Nordeste, os bancos públicos são responsáveis 87,3% do crédito concedido. Na região Norte, 94,5%. Ou seja: os bancos privados não têm grandes interesses [nessas regiões]. Estão nas capitais de alguns estados, mas não têm interesse, de fato, em interiorizar o atendimento”, critica Vallejos, citando dados disponibilizados pelo Banco Central (BC).  

De acordo com a entidade estatal, que gere a política econômica brasileira, 82% do crédito imobiliário vem das instituições financeiras públicas, assim como 75% do crédito rural. 

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“Os dados mostram que sem Banco do Brasil, e sem bancos públicos, de uma forma geral, a população vai ficar muito alijada de atendimento bancário e de acesso ao crédito. Sabemos que o setor privado fornece créditos muito mais caros e tem uma clientela constituída nas classes médias e altas, nas regiões mais urbanizadas do país”, reforça a pesquisadora do Cesit.  

A gestão por parte da iniciativa privada pode ainda trazer empecilhos ao acesso a outras  políticas sociais executadas pelo BB. Como por exemplo, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que favorece 12 milhões de famílias do campo. 

“[O Pronaf] É uma política super importante para, por exemplo, possamos garantir que chegue ao supermercado alimentos não tão caros. Se o agricultor consegue pegar um crédito pra sua produção com uma taxa de juros limitada, pode produzir em condições melhores e portanto a comida chega na mesa do trabalhador brasileiro a um preço razoável”, comenta Cavarzan. 

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Papel essencial

A atuação dos bancos públicos pode ser ainda mais determinante em momentos de crise e retração econômica. 

O economista do Dieese aponta os bancos privados possuem uma atuação pró-ciclica. Isso significa que, se vivemos um ciclo econômico de alta e de expansão, os empréstimos financeiros tendem a ser amplificados. 

Por outro lado, em meio à recessão econômica como a que o Brasil enfrenta neste momento, o risco aumenta para os bancos privados. Em resposta, as instituições passam a cobrar juros ainda mais caros, reduzem empréstimos ou aumentam os requisitos necessários para obtê-los, aprofundando o ciclo recessivo.

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Mas, em momentos de crise, os bancos públicos podem atuar de forma diferenciada - a depender, claro, da escolha política do governo em questão. 

“O Brasil fez isso na crise financeira de 2008. Os bancos públicos foram largamente utilizados para reverter a recessão. E então funcionou. Em 2009, há uma pequena queda no PIB, já em 2010 tem uma alta de 10%, muito em função da atuação do crédito dos bancos públicos”, exemplifica Cavarzan. 

Falácia

Um dos argumentos utilizados pela forças neoliberais a favor da privatização das empresas públicas, inclusive por Paulo Guedes, é o da ineficiência e da não lucratividade. Entretanto, Bárbara Vallejos, que também é docente da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), esclarece que esse argumento não pode ser aplicado aos bancos públicos. 

A economista destaca que por ser uma empresa mista, o Banco do Brasil paga a maior parte de seus lucros para o governo federal, maior acionista da instituição, em forma de dividendos. 

“Os bancos públicos, geraram, entre 2002 e 2016, R$ 203 bilhões para o caixa do tesouro. Se juntarmos todas as estatais, elas somaram quase R$ 286 bilhões. Ou seja, os bancos são muito lucrativos, são bem geridos e rendem dinheiro pro Estado”, endossa Vallejos, acrescentando que os resultados positivos evidenciam uma gestão eficiente. 

Desmonte

Os economistas consultados pela reportagem do Brasil de Fato registram que, mesmo com a pressão a favor da privatização se intensificar no governo Bolsonaro, já há uma mudança claríssima na atuação do bancos, fruto de precarização iniciada pela gestão de Michel Temer (MDB). 

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Gustavo Carvazan, também assessor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, afirma que desde 2016 o Banco do Brasil fechou 16 mil postos de trabalho e mais de mil agências bancárias. 

“Mesmo com o sucateamento todo, os programas sociais estão de pé. Privatizá-los significaria, de fato, fazer um corte brutal em todas essas políticas. Se já há esse impacto com a mudança de atuação desde 2016, a privatização significaria uma tragédia para os trabalhadores brasileiros”, finaliza o economista. 

Edição: Rodrigo Chagas