A semana começou com grandes marcos para o enfrentamento da pandemia da covid-19 na Argentina. Além do primeiro fim de semana com recorde de imunizados – foram mais de 350 mil aplicações nos dois dias –, foi consolidada a promessa da coprodução da AstraZeneca latino-americana.
Na segunda-feira (31), um voo levou do México à Argentina 2.148.600 doses da vacina AstraZeneca, versão produzida em um convênio por ambos os países.
Foi a maior entrega a aterrissar em território argentino desde o início da campanha de vacinação, inaugurada com a Sputnik V, em dezembro do ano passado.
Além disso, o Instituto Gamaleya aprovou nesta quarta-feira (2) as amostras de lotes da Sputnik Vida, versão argentina da Sputnik V, enviadas no final de abril à Rússia para controle de qualidade.
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As produções nacionais se somam em um momento de aceleração da campanha de vacinação na Argentina, que sofre o impacto da segunda onda da covid-19.
Com uma média de 32 mil novos casos diários confirmados da doença, o país alcançou um aumento de 35% no ritmo da vacinação em relação à última semana: são, em média, 179 mil doses aplicadas diariamente.
"Estamos na etapa de colapso que queríamos evitar. Porém, somos um dos vinte países que têm vacinas disponíveis", destaca a infectologista Gabriela Piovano, pioneira no tratamento de HIV no Hospital Muñiz, especializado em doenças infecciosas.
"É o que vai acabar com a situação de confinamento, mas, para isso, temos que vacinar 75% da população."
Na terça-feira (1), o país bateu o recorde diário, com 304.037 doses aplicadas. Segundo o Monitoramento Público de Vacinação, a Argentina soma 12.994.623 doses totais aplicadas (21,3% da população total do país), das quais 2.907.084 de pessoas (6,3%) foram totalmente imunizadas com as duas doses das vacinas ministradas no país: Sputnik V, AstraZeneca, Covishield e Sinopharm.
Convênio com o México e vacinas para a região
A notícia sobre o avanço do convênio com o México para a produção da AstraZeneca representou um destravamento que perdurava pelo menos cinco meses.
Em janeiro, a Argentina entregou o primeiro lote de sua parte do acordo, que consiste em produzir o princípio ativo da vacina.
O México ficaria, então, responsável por formular, fracionar e envasar, concluindo o processo da vacina.
Os milhões de doses entregues pela Argentina ficaram parados no México por falta de insumos, como filtros específicos no processo de fabricação e frascos.
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A produção da AstraZeneca em um convênio entre a Argentina e o México só foi possível através do financiamento de dois bilionários em ambos os países.
Do lado argentino, a produção é realizada pelo laboratório mAbxience, de Hugo Sigman; já no México, o projeto encontrou financiamento na Fundação Carlos Slim, cujo nome se refere a um dos homens mais ricos do mundo – e o mais rico do México, segundo a Revista Forbes.
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A distribuição da vacina é um passo importante no plano que prevê entre 150 e 200 milhões de doses para países da América Latina.
Em uma conferência de imprensa realizada entre os presidentes argentino, Alberto Fernández, e mexicano, Andrés Manuel López Obrador, destacou-se a importância da cooperação internacional para toda a região.
"Sinto, Manuel, que, com esse anúncio que estamos fazendo, estamos sendo mais independentes: o México, a Argentina e a América Latina", disse Fernández, na ocasião.
A infectologista Gabriela Piovano avalia que, no momento de segunda onda encarada pela Argentina, o horizonte se amplia com cooperações bilaterais como esta.
"Hoje, a soberania depende de ter vacinas e da possibilidade de fazer acordos viáveis", destaca Piovano.
"Mesmo que as patentes sejam liberadas, nem todos os países podem fabricar vacinas, por não possuir tecnologia suficiente. Nesse ponto, o fato de que Argentina e México façam uma aliança, sem dúvida, é um passo."
"Obviamente, há um interesse também geopolítico, por conferir outra vez à região sua potestade soberana, de possuir seus próprios recursos para fornecer saúde à população de maneira que não implique perder a soberania do país", pontua.
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Os interesses envolvidos no acordo entre Argentina e México, que fizeram possível a coprodução da vacina da AstraZeneca, não representariam a independência destacada pelo presidente argentino, segundo o epidemiologista da Universidade de Córdoba e ativista climático Carlos Ferreyra, em entrevista ao Resumen Latinoamericano.
“A Argentina é um exemplo de um ministério que, historicamente – e eu o conheço há 40 anos –, está submetido a lobbies empresariais. Este é o caso: produz a tecnologia, que dá lugar à vacina com patente, e logo a enviam a outro país para ser diluída e envasada. Mas este é um processo que poderia ser feito aqui e distribuída mais facilmente na América Latina, em vez de enviá-la ao México", aponta Ferreyra, quem, há mais de 30 anos, trabalha com a gestão pública institucional para controlar epidemias em zonas rurais e urbanas.
“Em linhas gerais, acho que o governo fez o que pôde, porque não teve os recursos humanos para construir uma estratégia. Quando há pandemia, há emergência nacional", disse.
As autoridades da Argentina e do México ainda não divulgaram o plano de distribuição da AstraZeneca latino-americana para outros países, mas já confirmaram que pretendem atender os que já firmaram contrato com o laboratório inglês.
Edição: Vivian Virissimo