Na mira

CPI da Covid: Dimas Covas se junta à Pfizer e encurrala gestão de Jair Bolsonaro

Governo federal rejeitou três ofertas de CoronaVac do Instituto Butantan. Negativas se juntam a sete recusas da Pfizer

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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No dia 7 de outubro, o Butantan ofertou 100 milhões de doses, sendo 45 produzidas até dezembro de 2020, 15 milhões até fevereiro de 2021 e 40 milhões até maio - Jefferson Rudy/Agência Senado

O depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, avançou em relação ao testemunho do ex-presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, nesta quinta-feira (27). 

Da mesma maneira que o governo federal recusou sete ofertas de imunizantes da farmacêutica estadunidense Pfizer produzida em parceria com o laboratório alemão BioNtech, o governo paralisou as negociações estabelecidas pelo Ministério da Saúde com o Instituto Butantan, a partir da terceira oferta da vacina CoronaVac, fabricada junto com o laboratório chinês Sinovac.

::O que o representante da Pfizer, Carlos Murillo, trouxe de novo para a CPI da Covid?::

No dia 7 de outubro, o Butantan ofertou 100 milhões de doses, sendo 45 produzidas até dezembro de 2020, 15 milhões até fevereiro de 2021 e 40 milhões até maio. “De fato, tiveram intensas tratativas. Aparentemente tudo estava indo muito bem”, afirmou Covas à CPI, tanto que, no dia 20 de outubro, ocorreu um anúncio do protocolo de intenções da contratação de 46 milhões de doses, como estabelecido pelo contrato. 

No entanto, já “a partir do dia 20 de outubro, essas tratativas não progrediram”. Segundo Covas, “houve uma inflexão diante de uma manifestação do presidente da República dizendo que a vacina não seria de fato incorporada. Isso causou uma frustração da nossa parte”, afirmou Covas.

O curso das negociações mudou devido a uma fala do presidente Jair Bolsonaro feita no dia 21 de abril durante uma visita a um centro militar da Marinha em Iperó (SP). "Houve uma distorção por parte do João Doria no tocante ao que ele falou. Ele tem um protocolo de intenções, já mandei cancelar se ele [Pazuello] assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós", afirmou Bolsonaro. Em seguida, o então ministro Eduardo Pazuello afirmou que “quando um manda, o outro obedece”


Pazuello não recebeu gerente da Pfizer em sua única visita ao Ministério da Saúde / Marcelo Camargo/Agência Brasil

O depoimento de Covas ainda contradiz o testemunho dado por Pazuello à CPI. Aos senadores, o general afirmou que Bolsonaro nunca “mandou eu desfazer qualquer contrato, qualquer acordo com o Butantan, em nenhuma vez”. “Eu não cancelei a intenção de compra em momento algum”, afirmou Pazuello.

::Sete vezes em que Bolsonaro e seus aliados contribuíram para a falta de vacinas::

Após o embate, foi somente no dia 7 de janeiro de 2021, três meses depois da interrupção, que as negociações foram retomadas após uma quarta oferta, em condições diferentes da proposta de outubro. No entanto, se o contrato tivesse progredido a partir de outubro, o Brasil já poderia ter hoje cerca de 50 milhões de brasileiros imunizados somente com a CoronaVac. A vacina é a mais aplicada no Brasil, cerca de 65,6% do total, na frente dos imunizantes da AstraZeneca e da Pfizer.

Segundo a assessoria da senadora Leila Barros (PSB-DF), que participa da CPI, teria sido possível imunizar todos os idosos até metade de janeiro de 2021, se o governo tivesse aceito a primeira proposta do Instituto Butantan, feita ainda em julho, que previa a entrega de 60 milhões de doses até dezembro de 2020.

“O mundo começou a vacinar no dia 8 de dezembro. No final de dezembro, o mundo tinha aplicado mais de 4 milhões de doses, e tínhamos no Butantan 5,5 milhões, e mais 4 milhões em processamento. Sem contrato com o Ministério. Nós podíamos ter começado antes? O Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação”, afirmou Covas. “Poderíamos ter sido o exemplo global.”

Ofertas anteriores

Antes da oferta realizada em outubro, o Instituto Butantan já havia realizado duas ofertas. Uma no dia 30 de julho de 2020, ofertando 60 milhões de doses que poderiam ser entregues já no último trimestre de 2020. Como não houve uma resposta efetiva, em agosto, foi realizada uma outra oferta, além de uma solicitação para apoio financeiro de R$ 80 milhões para desenvolver a vacina e reformar uma fábrica do Instituto Butantan para a produção do imunizante. “Mas todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva”, afirmou Covas.

Diante das negativas apresentadas por Dimas Covas, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou os motivos que levaram o governo a recusar ofertas e interromper as negociações, ao que Covas respondeu: “É uma boa pergunta. Nós nos esforçamos ao máximo para dar todas as informações técnicas. Tínhamos absoluta certeza da importância da vacina, mas não tenho certeza se o governo tinha”.

Além de recusar as ofertas e suspender as tratativas, o governo não transferiu nenhum aporte para o desenvolvimento da CoronaVac, apesar de ter sido efetivamente solicitado pelo Instituto. Da mesma maneira, o governo federal abortou a criação de uma Medida Provisória para sustentar o orçamento do Butantan. 

Relação com o governo chinês

O diretor do Instituto Butantan ainda relacionou o atraso no recebimento de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China às declarações feitas por autoridades brasileiras, como o presidente Bolsonaro, de tom pejorativo ao país asiático.

 Dimas Covas deixou claro que os motivos que levaram aos atrasos na entrega de doses ao Ministério da Saúde não se deve à capacidade produtiva do Instituto Butantan, mas aos atrasos no recebimento de insumos. “Nós reservamos uma linha de 1 milhão por dia. O que limita isso é o quantitativo de matéria-prima. Se recebêssemos mais quantitativo de insumo, não teríamos problema.” 

No começo de maio, Covas já havia afirmado que os atrasos não estão relacionados à produção de insumo, mas à demora na autorização de exportação pelo governo chinês, o que pode envolver, portanto, fatores geopolíticos. Naquele momento, Covas afirmou que os entraves com a China surgiram "por sucessivas declarações desastrosas do presidente da república, Jair Bolsonaro".

Em abril, o presidente relacionou o novo coronavírus, que surgiu primeiramente em Wuhan, na China, a uma possível “guerra bacteriológica”. "É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês", declarou o presidente.

Até então, o Instituto Butantan nunca havia tido problemas no recebimento de insumos da China para outras vacinas. Os primeiros entraves foram registrados apenas a partir deste ano acerca do insumo para a produção da CoronaVac.

Desenvolvimento da ButanVac

Covas ainda declarou que não há qualquer apoio, financeiro ou operacional, do governo federal para o desenvolvimento da ButanVac, que está em elaboração pelo Instituto Butantan, em parceria com a Escola de Medicina do Hospital Mount Sinai, de Nova York, nos Estados Unidos. 

Atualmente, uma fábrica do Instituto está em reforma para conseguir produzir 100 milhões de doses da ButanVac por ano. “A ButanVac tem um potencial muito grande, primeiro pela tecnologia que utiliza, que é a mesma vacina da gripe. O que estamos fazendo aqui é uma vacina para o mundo. Até os países pobres poderão utilizar essa tecnologia, com apenas uma fábrica. Esse estudo clínico é curto, porque é comparativo, a partir da vacina da gripe, que tem décadas de uso”, explicou o diretor.

De acordo com o Butantan, o imunizante utilizará a técnica do vetor viral. O vírus que causa a Doença de Newcastle, que não tem sintomas em humanos, carrega a proteína Spike utilizada pelo Sars-CoV-2 para dentro das células humanas, estimulando-as a produzir anticorpos. 

Diferente da CoronaVac e da vacina da AstraZeneca, o imunizante será produzido “sem dependência de insumo importado”. “Todos os processos produtivos, desde a qualificação dos ovos embrionados, inoculação, crescimento viral, processamento e purificação viral, inativação, formulação, qualificação, controle de qualidade, produção em escala, envase, rotulagem, registro sanitário, serão realizados pelo Butantan", informa o Instituto. 

No fim de abril, Bolsonaro disse que a Butanvac, é uma “mandrake de São Paulo”. Sobre a desqualificação do Instituto Butantan, Dimas Covas afirmou que “questionar o Butantan é questionar a qualidade da saúde pública brasileira”. 

Para ele, "vacinas mudaram a história da humanidade. Mudaram a expectativa de vida do ser humano. É uma conquista que permitiu que a gente chegasse a esse estágio da civilização. A vacina não é uma questão de uso individual. É uma questão coletiva. Se uma pessoa não se vacina e o vírus atinge aquela pessoa, a gente não consegue tirar o vírus de circulação. Não tem substituto para isso”.

Edição: Vinicius Segalla