Pressão popular pode mudar o tabuleiro da política; graças à ação do povo derrotamos uma ditadura
Por Magnus Henry da Silva Marques*
Desde a instalação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigará a condução do combate à pandemia pelo governo federal, o país tem se perguntado: essa CPI vai dar em alguma coisa?
Logo de início, é preciso frustrar as expectativas de quem lê este artigo: este texto não tem a menor pretensão de responder a essa pergunta. Ela não será respondida porque, sendo bastante honesto, é impossível fazê-lo.
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Contudo, tentarei explicar as razões de tanta gente de esquerda se fazer essa pergunta e indicar elementos que podem ajudar a apaziguar ansiedade sobre o fim dos trabalhos da CPI.
Primeiro, o que faz tanto militante de esquerda esperar que uma CPI aja para solucionar a grave situação política que vivemos hoje é o que faz, parafraseando Gil do Vigor, o Brasil estar lascado.
Ora, o presidente da República, por acaso, tem cometido crimes de responsabilidade no sigilo? O presidente da República escondeu suas participações em atos golpistas? O presidente da República escondeu ter agido a favor da proliferação do vírus?
A todas a essas perguntas só há uma resposta possível: um maiúsculo NÃO!
Afinal, no último domingo (23), no exato instante em que escrevia este artigo, o presidente e seus cúmplices promoviam mais uma aglomeração, em plena pandemia, contra a democracia e contra as medidas de isolamento social.
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Então, não é por falta de provas que os responsáveis por essa política de morte não foram punidos pelas instituições que têm o poder-dever para tal.
Então, apenas as enormes desmobilização e desorganização das ferramentas de luta do povo brasileiro explicam que estejamos esperando que uma CPI, de maioria do centrão, traga as soluções para pôr fim a essa política de morte.
Além disso, a CPI não tem poder de punir ninguém, apenas de coletar provas sobre fatos, afinal, ela investiga.
Quem tem o poder para punir esse assassinato em massa em curso pela política do governo Bolsonaro são: a) o Congresso Nacional, para punir os crimes de responsabilidade, e, nesse caso, é preciso que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), aceite os pedidos de impeachment trancados em sua gaveta desde a presidência anterior (de Rodrigo Maia); b) o Procurador-Geral da República, para punição dos crimes comuns praticados pelos participantes do governo Bolsonaro, e para aplicar pena contra os ilícitos administrativos cometidos pelos demais membros do governo.
Sempre que se fala em CPIs, os parlamentares costumam usar um ditado: “sabe-se como e quando começa uma CPI, mas nunca como ela termina”. Contudo, fazendo justiça aos fatos, não me parece o caso dessa CPI.
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A composição com maioria oposicionista (ainda que de direita) e o objeto da CPI não deixam dúvidas de que, no mínimo, ela desgastará o governo Bolsonaro. Até porque até as pedras sabem que Bolsonaro boicotou as medidas necessárias para combate à pandemia.
O governo não esconde que tentou de tudo para impedir que os governadores e prefeitos agissem para garantir o isolamento social. Todo mundo já viu vídeos de Bolsonaro dizendo que não compraria vacinas. Mas, é possível ir além disso nessa CPI?
O Procurador-geral da República, Augusto Aras, um dos que tem poder para interromper essa política de morte, passou por um processo de bolsonarização tão intenso que até tem usado os mesmos artifícios desse governo com inspiração autoritária: utilizado investigações para perseguir seus opositores políticos, como está fazendo contra o professor Conrado Hübner.
Além disso, ele chegou ao cúmulo de, por meio de seu braço direito, atuar para legitimar a tese de defesa do governo federal: de que os responsáveis pelo alto número de mortes que temos hoje são os governos estaduais e municipais.
Por sua vez, a presidência da Câmara está completamente associada ao bolsonarismo, seja por conta do poder de barganha do governo com o tal o orçamento secreto ou por conta dos interesses eleitorais regionais de Arthur Lira.
Sendo assim, se as coisas continuarem tal como estão, provavelmente a CPI não servirá para punir nenhum dos responsáveis por estarmos perdendo tanto companheiro e companheira, tanta gente querida, tanta gente que amamos, tanta gente que admiramos, por conta de uma doença contra a qual já existe vacina.
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Porém, nunca contamos que as instituições, por conta própria, agissem em defesa da vida e da democracia. Foi graças à ação do povo que derrotamos uma ditadura, foi graças à luta do povo que derrotamos as políticas neoliberais da década de 1990.
Sendo assim, a pressão popular pode mudar o tabuleiro da política. Então, as perguntas que devem realmente ser feitas são as seguintes: teremos força para garantir que a CPI sirva para punir os responsáveis pela execução dessa política de morte?
O que precisamos fazer para que a CPI não se transforme em mera ferramenta de barganha para a direita? E as respostas a essas perguntas podem começar a ser formuladas no dia 29 de maio se começarmos a entender que a permanência desse governo até janeiro de 2023 é mais perigosa do que o vírus!
*Magnus Henry da Silva Marques é Doutorando em direito pela UnB, militante da Consulta Popular e assessor parlamentar.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
*** Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
Edição: Vivian Virissimo