Praça Baquedano, Praça Itália ou Praça da Dignidade? No Chile, a forma de se referir a um dos espaços públicos mais frequentados da capital Santiago demarca uma posição política.
O espaço, conhecido por reunir multidões em celebrações de eventos esportivos e em protestos de estudantes, trabalhadores e indígenas mapuche, foi batizado originalmente com o nome do general Manuel Baquedano González.
O militar homenageado liderou assassinatos de milhares de mapuches entre janeiro e maio de 1869, em disputas por território na região da Araucanía. Mais tarde, se tornou comandante do Exército chileno durante a Guerra do Pacífico (1879-1883), contra Bolívia e Peru.
A ficha suja do general fez com que muitos santiaguinos, ao longo do século 20, preferissem chamar o local por outro nome: Itália, em referência a outra praça a poucos metros dali.
A vizinha e menos frequentada Praça Itália foi inaugurada em 1910, como parte das comemorações do centenário da imigração do país europeu ao Chile.
Desde outubro de 2018, porém, com o avanço dos protestos contra o neoliberalismo e contra o legado da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), manifestantes começaram a usar o apelido Praça da Dignidade.
Passando pano
O uso de apelidos, para evitar uma homenagem a Baquedano, não resolvia o problema por completo. Afinal, o nome oficial continua o mesmo e, no meio da praça, estava instalado desde 1928 um monumento de bronze de 10,4 metros do militar a cavalo.
Em repúdio à memória do militar, ativistas passaram a pichar a estátua de várias cores, durante os protestos de 2018 e 2019. À noite, durante o toque de recolher, a Prefeitura de Santiago restaurava o monumento e repintava, general e cavalo, de preto.
As intervenções, então, se tornaram mais drásticas. Em março deste ano, o monumento foi incendiado e atacado com martelos e serra elétrica. Foi a gota d’água.
Depois de “passar pano” para Baquedano inúmeras vezes, autoridades locais retiraram a estátua em março, para restauração.
A remoção ocorreu cerca de 500 dias após uma foto histórica, que virou símbolo dos protestos de 2019.
O clique
No dia 25 de outubro daquele ano, 1,2 milhão de chilenos tomaram a praça contra as medidas repressivas e o agravamento do neoliberalismo sob o governo Sebastián Piñera.
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Em meio ao protesto, o clique do celular de uma das manifestantes, a atriz Susana Hidalgo, rodou o mundo.
O contraste entre a fumaça dos incêndios provocados por ativistas, a luz do fim da tarde, as cores das bandeiras do Chile e do povo mapuche, no topo do monumento de Baquedano, deu contornos épicos ao registro.
Os grandes protestos de rua, interrompidos pela pandemia, devem ser retomados em breve.
O Chile está em pleno processo de substituição da Constituição de 1980, outorgada por Pinochet, que restringiu os direitos a greve e à livre manifestação e é considerada um dos pilares do neoliberalismo no país.
A mudança constitucional é a principal bandeira dos movimentos estudantis, indígenas e de trabalhadores chilenos há pelo menos 15 anos.
A eleição da nova Assembleia Constituinte, prevista para o último domingo (11), foi adiada por tempo indeterminado em decorrência da covid-19.
Edição: Vivian Fernandes