Enquanto tenta abocanhar fundos com a retomada da agenda da Economia Verde em negociações a portas fechadas com o governo dos EUA, o governo Bolsonaro avança a passos largos na devastação dos bens comuns e de qualquer possibilidade de garantir o direito à terra e aos territórios aos que melhor os defendem e protegem: camponeses/as, comunidades quilombolas e povos indígenas.
O desmonte das políticas de reforma agrária e de demarcação de terras indígenas e quilombolas foi prometido e vem sendo cumprido por Jair Bolsonaro.
::“A Reforma Agrária é para produzir alimentos ao povo brasileiro”, afirma Stedile::
Além do corte de verbas (ou baixa execução orçamentária) em órgãos como a Funai (Fundação Nacional do Índio), o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o governo Bolsonaro, junto a sua base no Congresso, vem trabalhando para desfigurar completamente a legislação que tem como objetivo garantir aquelas políticas.
Uma das mudanças recentes promovidas pelo governo federal é o programa Titula Brasil, regulamentado em fevereiro deste ano. Sob a desculpa de desburocratização e “modernização”, o programa permite a transferência de atribuições do Incra para as prefeituras, através da criação de Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF).
Ao ser criado o programa em dezembro do ano passado pela Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf) e pelo Incra, a própria Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi) denunciou que "com essa decisão, toda a grilagem de terras do Brasil vai ser regularizada em pouco tempo”.
A entidade alertou que a política “vai impedir novos projetos de assentamento da reforma agrária, novas regularizações de territórios quilombolas, novas áreas indígenas e novas áreas de preservação ambiental; um decisão inconsequente e desastrosa pra democratização de acesso a terra e pro meio ambiente".
Uma das principais críticas está em que ao fragmentar o poder de decisão sobre a regularização da terra no país, as oligarquias contarão com maior poder para pressionar os governos municipais a regularizarem casos que não contam com os requisitos necessários para esse fim. Segundo o governo, até o momento 605 prefeituras pediram adesão ao programa. A meta, conforme o próprio Incra, é criar Núcleos Municipais de Regularização Fundiária em 2.428 municípios, que representam 83% do território brasileiro.
Ao lançar o Titula Brasil, a ministra Tereza Cristina disse que o programa “vai melhorar a qualidade de vida de muitos brasileiros (...) são cidadãos de baixa renda, que precisam do título fundiário até como garantia para sua sobrevivência”.
Em uma parte do enorme contingente de terras públicas não destinadas no país há pequenos posseiros e comunidades tradicionais que praticam agricultura familiar.
::Dos 1.133 assentamentos no balanço do Incra de 2020, só dois são da gestão Bolsonaro::
Mas, como a assessora da FASE e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental Julianna Malerba alerta, “essas mesmas terras são disputadas por grileiros, madeireiros e estão sob pressão constante do avanço da pecuária, dos monocultivos de grãos, das mineradoras e da própria especulação fundiária, se a gente considerar que o preço da terra vem crescendo exponencialmente no Brasil”.
A pesquisadora também ressalta que se o objetivo fosse beneficiar “cidadãos de baixa renda” como defende a ministra, o governo poderia lançar mão de legislação já existente: “a Lei 11.952, depois foi modificada pela Lei nº 13.465, já prevê mecanismos que facilitam a regularização fundiária, e se houvesse vontade política, ela permitiria uma regularização fundiária das pequenas posses”.
Não só não parece haver vontade política, como é impossível acreditar na suposta priorização do governo da população de renda mais baixa do campo, quando, entre outros motivos, à frente da Seaf do MAPA está Nabhan Garcia, um histórico representante do agronegócio, com o nome ligado, inclusive, a conflitos no campo. Também é preciso destacar que, com o Incra sob o comando de Geraldo Melo Filho, um economista vinculado ao agronegócio, a Reforma Agrária no Brasil ficou completamente paralisada.
Tanto Nabhan Garcia como Melo Filho e a bancada ruralista são defensores do PL 2633/20, que tenta ressuscitar a MP da Grilagem que caducou por falta de apoio na Câmara. Esse é um dos PLs da Grilagem em tramitação na Câmara: os outros são o PL 4348, aprovado pelo Senado na última quinta-feira (15) e o PL 510.
Caso aprovados, Malerba afirma que os projetos “incentivarão o aumento dos conflitos fundiários, na medida que eles permitem que grileiros afirmem que são possuidores de área, que têm uma posse mansa e pacífica, usando apenas as próprias declarações e imagens de satélite”. O PL 4348, que voltou para a Câmara, permite que áreas de assentamentos da reforma agrária adquiridos por terceiros de forma ilegal, sejam simplesmente regularizados.
Ao fragmentar e enfraquecer ainda mais o poder do Incra em relação à regularização fundiária no Brasil, tanto o Titula Brasil quanto os projetos de lei mencionados, facilitam a apropriação das terras públicas por parte dos que exercem maior poder em cada região. Não por acaso todas essas propostas, com o mesmo espírito, são defendidas pela bancada ruralista.
E, como no caso do PL 4348, vêm sendo tratadas em regime de urgência, quando as principais demandas da população neste momento passam, entre outras, pela liberação de auxílios com valor digno (inclusive para a agricultura familiar que foi excluída por Bolsonaro do benefício no ano passado), a aceleração do processo de imunização contra a covid-19 e o combate à fome.
Nenhum desses projetos foi construído em diálogo com a população a quem o governo diz que beneficiarão. Esses projetos são a “boiada” à qual fazia referência o ainda ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles há um ano. Precisamos parar essa boiada, reconhecendo, valorizando e defendendo quem cuida e cultiva a Terra para a garantia do alimento saudável para a maioria da população – a agricultura familiar e camponesa – e quem de fato preserva o equilíbrio ecológico nos biomas do Brasil – os povos originários e tradicionais.
Para isso é preciso, todo o dia e nesse dia, continuar fortalecendo a luta popular pelo #ForaSalles e #ForaBolsonaro!
*Amigos da Terra/Brasil é uma organização da sociedade civil brasileira há mais de 50 anos na construção na luta por Justiça Ambiental
Edição: Vinícius Segalla