A menos de 1km do Palácio do Planalto, em Brasília, 38 famílias foram acordadas nesta segunda-feira (5) com tratores derrubando suas casas.
A resistência das famílias impediu a derrubada da Escola do Cerrado, espaço criado por voluntários durante a pandemia para garantir o acesso à educação das 20 crianças que vivem no local. A construção porém, foi a única que permaneceu de pé.
O socioambientalista Thiago Ávila foi um dos que protegeram a escola contra os tratores, a única construção que permaneceu de pé após o fim da ação.
"Essa escolinha a gente terminou de reconstruir ontem, na páscoa, e eles tentam destruir de novo. E estão despejando as famílias pela terceira vez, as mesmas famílias na pandemia. Nós temos que deter o genocídio e reconstruir nosso país", afirma o militante, que foi preso pela PM por suposto desacato à autoridade no último despejo da comunidade, há cerca de duas semanas.
É o terceiro despejo da ocupação no terreno ao lado do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em meio à crise sanitária da covid-19. Há famílias que vivem no local desde a década de 70, a maioria é composta por catadores de materiais recicláveis.
"Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira. Eles podem derrubar meu barraco trezentas vezes. As trezentas vezes que eles derrubarem, eu construo", afirma a catadora Ivânia Souza que, assim como outros moradores, tentaram impedir as demolições dos barracos desde o início da manhã.
O terceiro despejo na comunidade foi autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na última sexta-feira, após uma solicitação do Governo do Distrito Federal (GDF).
A decisão contraria a liminar da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF que proibiu ordens de reintegração da ocupação do terreno ao lado do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) durante a crise sanitária. A decisão foi publicada em 25 de março e atendeu a um pedido da Defensoria Pública.
Na ação civil pública, a Defensoria alega que a remoção amplia a vulnerabilidade das famílias em meio à crise sanitária. O órgão evoca a Lei Distrital 6657, aprovada em agosto do ano passado, que proibiu ordens de despejo durante a pandemia.
"Aqui o que está acontecendo, independente da decisão judicial, é um crime humanitário, se a gente for olhar o nosso contexto mundial. Só no Brasil, são mais de 300 mil mortos, e aqui no DF nós temos centenas de pessoas a espera de um leito de UTI, e essas pessoas que estão morrendo tem até acesso a moradia, água, saneamento básico", afirma a advogada popular Nádia Nádila, presente no local.
"Essas famílias que estão aqui estão lutando por isso, estão lutando pelo seu direito de ter moradia, pelo direito à saúde, pelo direito à educação, pelo direito de uma vida digna", aponta
A ocupação fica perto do CCBB na Asa Sul da capital, zona alvo de especulação imobiliária. O terreno está abandonado há pelo menos 40 anos e é reivindicado pelo governo distrital.
Segundo o deputado distrital Fabio Felix, as medidas oferecidas pelo governo de Ibaneis Rocha (MDB), como auxílio aluguel ou abrigos, são ineficazes.
"Não é você enfiar as pessoas em uma unidade de acolhimento que fica do outro lado da cidade, a 50km daqui, achando que as famílias vão topar, mas é ter benefícios, é ter alguma condição garantida, é incluir na lista da Codhab, que é uma lista de habitação popular, é o mínimo que pode ser feito nesse momento e que não tá sendo feito", aponta Felix.
Neste domingo (4), com 53 mortes registradas, o DF teve uma alta de 100% da média móvel de mortes pela covid-19 em comparação com os últimos 14 dias de pandemia.
A Secretaria de Saúde contabiliza hoje 6.295 mortes pela doença no distrito, sendo 1.544 novos casos nas últimas 24 horas.
"Estão só derrubando casas de pessoas, sem oferecer nada, no pior contexto da pandemia, onde nós temos 400 pessoas na fala de uma UTI e não conseguem, onde as pessoas não estão vacinadas, nem os colegas policiais que estão aqui foram vacinados ainda, o que é uma desumanidade com todo mundo, inclusive com a polícia", completa o parlamentar.
Outro lado
Em nota enviada ao Brasil de Fato, o Governo do Distrito Federal (GDF) afirma que a retirada das famílias se ampara na suspensão da liminar que proibia as remoções no local.
Afirma também que as 27 famílias da região do CCBB são acompanhadas pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), recebem o Bolsa Família, e já estão incluídas na lista de habitação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab).
O GDF afirma também que deu às famílias a opção de serem realocadas para a unidade de acolhimento do bairro Guará, inaugurada neste domingo (4), mas que os ocupantes recusaram a proposta.
Edição: Leandro Melito