O aniversário de 45 anos do início da ditadura militar na Argentina, que deixou cerca de 30 mil desaparecidos, foi marcado pela volta da população às ruas, na última quinta-feira (24), quando se comemora o Dia da Memória pela Verdade e Justiça. Em 2020, devido à pandemia do novo coronavírus, o ato não aconteceu.
A principal marcha no país ocorreu na Praça de Maio, na capital federal de Buenos Aires. O ato destacou os vestígios da ditadura que se refletem na repressão do Estado argentino, ao estabelecer um sistema econômico que perpertua desigualdades e gera pobreza.
A postura do manifestantes é contrária ao partidarismo, uma vez que, com o retorno do peronismo ao poder, algumas organizações deixam de denunciar violências institucionais que continuam se reproduzindo mesmo sob o governo progressista.
As organizações autônomas, sem ligação com o governo, defendem que o partidarismo tende a separar os horrores da ditadura como um acontecimento histórico e pontual, e que é essencial ampliar a leitura para o terrorismo de Estado que persiste ainda hoje.
"Como todos os anos, o Encontro Memória, Verdade e Justiça não se limita apenas à denúncia dos acontecimentos da ditadura militar", destacou Carlos Sueco Lordkipanidze, sobrevivente da ditadura e integrante da Associação de Ex-Detidos Desaparecidos.
"Nosso lema abarca a repressão ocorrida durante os governos pós-ditatoriais. Pedimos pela aparição com vida do nosso companheiro Julio Lopez, pelo fim do gatilho fácil [autorização do governo argentino para atirar pelas costas] e pelo fim de assassinatos nas prisões."
A ideia de unidade entre as distintas lutas militantes e setores sindicais e a interrupção do pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri e considerada ilegítima pela população, foram outras pautas reivindicadas no ato.
"Para nós, é muito importante ocupar as ruas, e nunca as deixamos, realmente", afirma Martín Zilla, integrante da Correpi. "Após 45 anos do golpe civil-militar-eclesiástico, que trouxe uma das épocas mais obscuras do nosso país, exigimos prisão comum e perpétua para todos os genocidas, não à megamineração, vacina para todes e o não pagamento à dívida ilegítima".
Ainda que com protocolos de segurança sanitária, o evento foi massivo. No entanto, a presença de pessoas e militantes fora de organizações e partidos foi visivelmente menor em relação a marchas anteriores, antes da pandemia.
Pablo Vasco, do Centro de Advogados pelos Direitos Humanos (CADHU), ressalta a necessidade de ocupar as ruas. "Se estão abertos o comércio, o transporte público, as escolas, não podemos deixar de estar nas ruas pelos direitos humanos de ontem e de hoje", afirma.
As mães e avós da Praça de Maio participaram virtualmente da marcha, através de um telão disposto na praça de Maio.
"Devemos estar nas ruas, hoje, para lutar com a fome e a repressão de ontem e de hoje", destacou Nora Cortiñas, uma das fundadoras da associação Mães da Praça de Maio.
Nora é uma das principais referências do movimento de mulheres que buscam familiares desaparecidos pela ditadura. No último dia 22 de março, ela completou 91 anos.
Na noite da última quarta (24), uma projeção na fachada da Casa Rosada, sede do governo argentino, homenageou a luta das mães e avós da Praça de Maio, enfatizando a mensagem "Nunca mais", reforçada a cada 24 de março.
Organizações de direitos humanos também promoveram a campanha "Plantamos Memória", que consiste em plantar 30 mil árvores em todo o território nacional.
O número faz referência aos desaparecidos da ditadura militar do país, em tom de homenagem, memória e reforçando o grito, comum a cada 24 de março: 30 mil companheiros detidos desaparecidos: presentes!
Edição: Poliana Dallabrida