Na tarde do último sábado, dia 13, Jair Bolsonaro foi às redes sociais replicar um velho jargão da meritocracia e dizer que “não é pai do Brasil”, mas que é “pai de cinco crianças”, sendo que três delas construíram fortuna, a ponto de comprar mansão de R$ 6 milhões, fazendo “carreira” na política.
Nesta segunda-feira (15), uma extensa reportagem de Amanda Rossi, Flávio Costa, Gabriela Sá Pessoa e Juliana Dal Piva, no portal Uol, revela que a “meritocracia” do clã Bolsonaro está amparada no mesmo esquema de corrupção – conhecido como “rachadinha” – que Flávio Bolsonaro (Republicanos) montou na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O esquema era replicado pelo pai, Jair (sem partido), na Câmara dos Deputados, e pelo irmão, Carlos Bolsonaro (Republicanos), na Câmara de vereadores do Rio de Janeiro, inclusive com alguns funcionários em comum.
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A reportagem é dividida em quatro casos: dois no gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília, um no gabinete de Carlos, no Rio de Janeiro, e no pagamento do aluguel de um quitinete para Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, pela ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro.
Os jornalistas tiveram acesso às quebras de sigilos do clã em setembro de 2020 e analisaram mais de 607.552 operações bancárias em 100 planilhas – uma de cada um dos suspeitos investigados no grande esquema de corrupção que permitiu que de forma “meritocrática” a família Bolsonaro enriquecesse antes de chegar ao poder.
Jair Bolsonaro
Em um dos casos relacionados a Jair Bolsonaro, a ex-cunhada, Andrea Siqueira Valle – irmã da segunda esposa do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle – trabalhou por oito anos, de 1998 a 2006, no gabinete do então deputado federal em Brasília. No mesmo período, Jair e Ana Cristina foram casados e tiveram o filho 04 do presidente, Jair Renan.
Morando em Resende, no interior do Rio, Andrea teve todo o dinheiro da conta – um saldo de R$ 54 mil – zerado em saque feita pela irmã, Ana Cristina, um ano e dois meses depois de ser exonerada do cargo.
O outro caso revelado pela reportagem mostra que quatro funcionários nomeados no gabinete de Jair Bolsonaro retiraram 72% de seus salários em dinheiro vivo – um total de R$ 551 mil dos R$ 764 mil recebidos líquidos – e entregaram a operadores da rachadinha, sendo Fabrício Queiroz o principal deles.
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Um desses assessores é Fernando Nascimento, que foi lotado no gabinete de Jair entre 2009 e 2014, e atuava divulgando nas redes o mandato de Flávio. Atualmente, ele e a mulher trabalham no gabinete do agora senador, em Brasília. Advogado, ele segue cuidando das redes de Flávio.
O outro assessor é o militar reformado Nelson Rabello, que passou também pelos gabinetes de Flávio e Carlos. Na Câmara Federal, foram quase oito anos com Jair. O militar sacou 70% – R$ 134 mil – dos R$ 192 mil recebidos. Em 2012, entrou na Justiça para negociar uma dívida de R$ 3,2 mil. Em 2018, quando Bolsonaro fez campanha, o volume de saques atingiu 88%.
Secretário parlamentar entre 2014 e 2017, Daniel Medeiros é o terceiro nome da lista. Ele sacou 72% do salário que recebia em Brasília, enquanto fazia bicos como segurança e costumava emprestar um carro para Queiroz. A companheira, Graziella Jorge Robles de Faria, teve cargo no gabinete de Flávio na Alerj entre 2013 e 2019.
O quarto funcionário é também militar: o sargento reformado do Exército, Jaci dos Santos, que acompanhou Bolsonaro na pescaria em que foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em uma reserva ambiental, em 2012. Ele sacou 45% dos salários recebidos na Câmara por oitos meses – entre dezembro de 2011 e julho de 2012.
Além dos quatro, já é conhecido o caso de Nathália Queiroz, filha de Queiroz, que foi nomeada assessora de Bolsonaro entre 2016 e 2018, após constar como funcionária de Flávio na Alerj por 10 anos. Sem crachá e atuando como personal trainer no Rio, Nathalia ficava com R$ 2 mil do salário – que variava entre R$ 7 mil e R$ 10 mil. O restante era transferido para a conta do pai.
Carlos
O esquema de corrupção se repetiu também com pelo menos quatro funcionários no gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara do Rio. Juntos, eles sacaram 87% dos salários, em um total de R$ 570 mil, nos mesmos moldes que funcionava nos outros gabinetes do clã.
Entre os funcionários está o ex-marido de Márcia Aguiar, Márcio Gerbatim, que ficou no cargo por dois anos e devolveu R$ 86 mil dos R$ 89 mil recebidos – um total de 97%.
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Sobrinho de Márcio, Claudionor Gerbatim trabalhou primeiro com Flávio e depois migrou para o gabinete de Carlos, afim de conseguir um empréstimo no banco da Alerj – que não pagou. Ele sacou R$ 54,8 mil dos R$ 58 mil recebidos em salário, um total de 94%.
Nelson Rabello, militar que trabalhou com Jair, também foi lotado no gabinete de Carlos, onde sacou 80% do salário. Ele serviu com Bolsonaro no Exército.
Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina, que também atuou com o pai, foi funcionária de Carlos na Câmara do Rio entre 2006 e 2008 – após ser exonerada do Congresso. À época, ela vivia de faxinas e, mais tarde, começou a participar de concursos de fisiculturismo. Dos R$ 76 mil recebidos, ela sacou R$ 79 mil – mais do que ganhou.
Leo Índio
O quarto caso revelado pelo Uol mostra que Mariana Mota, ex-chefe de gabinete de Flávio na Alerj, pagou com dinheiro do próprio salário o aluguel de um quitinete para Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, no centro do Rio.
Mariana também seria operadora do esquema de corrupção, recebendo em sua conta repasses de funcionários do gabinete.
De acordo com o Uol, desde quarta-feira (10), Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro são procurado por email, telefone e mensagem de WhatsApp para responderam aos questionamentos da reportagem, mas até o fechamento da edição não responderam.
Leia a reportagem do Uol na íntegra