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Artigo | Andrés Arauz será o próximo presidente do Equador?

Os Estados Unidos, a OEA, a direita equatoriana e aparato estatal de Moreno tentam garantir que correísta fique de fora

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Nas eleições presidenciais do Equador, no dia 7 de fevereiro de 2021, Andrés Arauz obteve a maioria dos votos - RODRIGO BUENDIA / AFP

Nas eleições presidenciais do Equador, no dia 7 de fevereiro de 2021, Andrés Arauz obteve a maioria dos votos, mas não pôde se impor no primeiro turno perante os outros quinze candidatos. Obteve 32,71% dos votos, abaixo dos 51% necessários para ganhar a presidência no primeiro turno ou os 40% que teriam permitido uma vantagem de 10 pontos em relação ao segundo candidato, algo que ainda assim conseguiu. Dez dias depois do primeiro turno, os candidatos que ficaram atrás de Arauz continuam sem saber quem irá para o segundo turno em 11 de abril. Dois candidatos – Guillermo Lasso e Yaku Pérez – têm cerca de 19% dos votos e estão à espera do resultado da apuração manual para saber quem enfrentará Arauz.

Um pacto entre Lasso e Pérez, com truques sujos como na Colômbia, pretende eliminar Arauz do segundo turno; algo muito preocupante para a democracia equatoriana. Contrariando todos os prognósticos, Arauz ganhou o primeiro turno de forma expressiva. Até o fim, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) – o órgão eleitoral do país – tentou adiar as eleições,  levantando dúvidas sobre a votação em tempos de pandemia e sobre a transferência de fundos públicos para os candidatos com o objetivo de tornar o processo mais equitativo. O Ministro da Defesa, Oswaldo Jarrín, disse, no final de janeiro, que os as cédulas não seriam impressas, apesar de seu ministério ter chegado a um acordo com o CNE. Até 2020, a CNE e outras instituições governamentais equatorianas tentaram suprimir a democracia, impedindo tanto a candidatura do ex-presidente Rafael Correa quanto a de Arauz.

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O esvaziamento do Estado

Quando Lenín Moreno tomou posse em 2017, ele deu início a um processo que levou ao enfraquecimento das instituições democráticas no Equador. Os chefes de várias instituições do Estado – tais como a Corte Constitucional, a Suprema Corte, a Procuradoria Geral, a Controladoria Geral da República e o CNE – foram eleitos durante o mandato de Correa. Essas pessoas não seguiram a linha traçada por Moreno, que estava ansioso para impulsionar uma política de privatização, de vingança contra Correa e destruição do Estado e das instituições públicas.

Moreno decidiu então consolidar sua autoridade alinhando suas forças políticas com as da direita, como o Creando Oportunidades (CREO), de Lasso, e o Partido Social Cristão (PSC). Uma vez alcançada a maioria de direita, Moreno se voltou para o povo com um duvidoso referendo de sete confusas perguntas. As mais confusas diziam respeito à reforma constitucional, ou seja, ao estabelecimento de limites de mandato para cargos eleitos (dirigido contra Correa) e a substituição dos chefes das instituições do Estado. As outras questões - sobre corrupção, direitos da criança e ecologia - tiveram amplo apoio em todo o país. A maioria votou sim, votando essencialmente a favor das partes boas do referendo, enquanto as partes negativas passaram despercebidas.

Para reconstruir as instituições do Estado de acordo com seus objetivos, Moreno nomeou Julio César Trujillo para encabeçar uma comissão de notáveis (?) (Conselho de Participação Cidadã Transitória) que expulsasse os funcionários escolhidos anteriormente e colocasse em seu lugar pessoas aliadas a Moreno, através de questionáveis concursos; a frágil institucionalidade foi dilacerada lentamente. Trujillo utilizou todo tipo de ficção anticonstitucional – como a “vacância ocupacional” – para basicamente colocar Moreno no comando. Utilizando os novos poderes, Moreno colocou suas pessoas e as de seus aliados (como Lasso e o PSC) para controlar o CNE; a presidência do CNE foi entregue a Diana Altamaint, integrante do Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik, o partido de Yaku Pérez.

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Truques sujos

No dia 30 de janeiro, a revista colombiana Semana publicou uma reportagem na qual acusava Arauz de ter recebido 80 mil dólares do ELN (Exército de Libertação Nacional), guerrilha colombiana de esquerda; a reportagem também foi publicada no jornal argentino El Clarín. A nota estava baseada, supostamente, nos dados de um computador confiscado do comandante do ELN Andrés Felipe Vanegas Londoño (Uriel) e foi publicada três dias depois da visita de Moreno a Washington, onde se reuniu com integrantes do governo estadunidense, representantes do FMI e a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Semana ainda afirmou posteriormente que, em uma cúpula da Internacional Progressista realizada virtualmente em setembro de 2020, o ELN fez contato com Arauz; tanto Arauz quanto a Internacional Progressista negaram a história (aqui cabe um esclarecimento: um dos autores deste artigo, Vijay Prashad, integra o Conselho da Internacional Progressista). O ELN, por sua vez, divulgou um comunicado oficial no qual afirma que a história da revista Semana era uma fantasia.

Foi preciso que um ornitólogo apontasse que o vídeo publicado pela revista Semana não é verdadeiro. O canto dos pássaros no vídeo colocou em Manual Sánchez N., que escutou o som de um tinamou de sobrancelha pálida, um pássaro que pode ser encontrado no Equador e no Peru, mas não na Colômbia.

A associação com a guerrilha colombiana costuma ser utilizada pela direita como uma forma de deslegitimar os candidatos de esquerda. Em 2011, o jornal colombiano El Tiempo publicou uma notícia que vinculava Ricardo Patiño, um dos ministros do governo de Correa, com as FARC; uma instituição de pesquisa com sede em Londres, o International Institute for Strategic Studies (IISS), afirmou em um relatório que a campanha de Correa, em 2006, tinha sido financiada pelas FARC, algo que foi desmentido posteriormente (o relatório já não consta na página do IISS). Em 2017, a revista argentina Perfil publicou uma reportagem  na qual tentava vincular as FARC com uma organização inexistente chamada Resistência Ancestral Mapuche; a então ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, a utilizou para impulsionar o ataque de seu governo contra comunidade mapuche na Patagônia.

Os meios de comunicação equatorianos tomaram a história de Arauz com o ELN como uma verdade absoluta. Sem dúvida, algo que impactou nas eleições de 7 de fevereiro.

Quem é quem na disputa pela presidência do Equador?

Lasso-Pérez

Imediatamente após o primeiro turno, Lasso e Pérez passaram a colaborar um com o outro para minar o resultado das eleições. Pediram a recontagem de votos pelo CNE; suas objeções e exigências estavam fora das normas e das leis, e Lasso disse abertamente que seu pedido estava “para além da lei”. O CNE, controlado por CREO, PSC e Pachakutik, aceitou, abalando a fé nas instituições. No Equador, há rumores de que Lasso e Pérez estão desejando que o CNE suspenda a participação de Arauz no processo e que sejam os dois a disputar o segundo turno.

Não é um mistério que Lasso seja o candidato da direita. Pérez, ao contrário, se fez passar por um ecossocialista que seria o primeiro presidente indígena do Equador. Curiosamente, antes que o resultado das eleições fosse divulgado, Pérez anunciou que a Embaixada dos Estados Unidos em Quito tinha chamado-o para comunicar que estaria em segundo lugar. Pérez tem um longo histórico de desrespeito aos governos progressistas da América Latina, (incluindo a acusação contra Evo Morales, de que seria "biologicamente indígena, mas com uma identidade branca”), de recebimento de dinheiro de fundações do governo dos EUA e de alianças questionáveis com a direita equatoriana. Ele ainda declarou que, caso seja eleito presidente, não teria nenhum problema em assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. A principal federação  indígena do país - a CONAIE- se afastou, através de uma declaração no Twitter, do acordo de Pérez com Lasso por considerar que sua base está “contra a direita neoliberal que saqueou o país”; e que fazer una aliança com esta ala seria “ilegítimo e incoerente” com a política da CONAIE.

Em 12 de fevereiro, o procurador-geral da Colômbia, Francisco Barbosa Delgado, chegou a Quito para se reunir com a procuradora-geral do Equador, Diana Salazar, com o objetivo de debater as informações de que a Colômbia teria recebido os computadores de Andrés Felipe Vanegas Londoño, o comandante Uriel do ELN (assassinado em outubro de 2020). O Equador havia solicitado essa reunião com base na história da revista Semana. Pérez se pronunciou a favor de uma investigação, embora não haja provas.

A OEA, assim como fez durante o golpe de novembro de 2019 na Bolívia, começou a meter o nariz através de sua representante – Isabel de Saint Malo (ex vice-presidenta do Panamá que exerceu um papel através do Grupo de Lima na tentativa de derrubar o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro –, dizendo que estava reunida com Lasso e Pérez para falar da situação política.

Em 13 de fevereiro, um dia depois do pacto com Pérez, Lasso escreveu à presidenta do CNE dizendo que o acordo era ilegal. Disse que o CNE primeiro teria que promulgar oficialmente os resultados da votação do primeiro turno e só então poderia atender aos chamados dos candidatos. O acordo parece cambalear, já que Lasso provavelmente calcula que pode derrotar Arauz em um segundo turno.

E o Equador terá um segundo turno em 11 de abril com Arauz na cédula de votação ou os Estados Unidos, a OEA, os diferentes partidos de direita do Equador e o aparato estatal de Moreno garantirão que fique de fora? Se isto acontecer, será difícil chamar o evento deste dia de eleição.

Edição: Luiza Mançano