A agricultora familiar Marlene Weber Klassmann, de 56 anos, está entre os milhões de camponeses do país que ainda aguardam um socorro estatal para amenizar os prejuízos que vêm se acumulando para o segmento ao longo da pandemia.
Ela conta que esperava a política emergencial dirigida à agricultura familiar para ajudar a administrar a situação financeira e manter a produção de alimentos.
A expectativa, no entanto, frustrou-se em agosto do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou parte do Projeto de Lei (PL) 735/20, que previa um pacote de medidas para o setor.
Entre os vetos, estava o do trecho mais esperado pelos trabalhadores, que previa a concessão de auxílio de cinco parcelas de R$ 600 para agricultores familiares, pescadores, extrativistas, entre outros.
“A gente ficou na esperança de que ia chegar isso, mas nunca veio. E o pior é que já vínhamos de uma seca muito grande aqui desde 2019. Juntou isso com a pandemia, e teve gente aqui que ficou no desespero. Espero que ainda saia esse dinheiro”, diz Marlene, ao destacar a importância do abastecimento das cidades pelos camponeses.
“Os agricultores familiares são aqueles trabalhadores que plantam o básico – feijão, arroz, verdura—, que todo mundo come. Como deixa a gente sem uma ajuda governamental num momento como este?”, questiona.
Agora, a decisão só pode ser revertida pelo Congresso Nacional, em caso de derrubada do veto, que ainda não tem data para avaliação pelo plenário. O coordenador do núcleo agrário da bancada do PT na Câmara, João Daniel (SE), projeta que a pauta possa entrar em votação ainda neste mês de fevereiro.
“Nossa ideia é fazer uma campanha de todos os estados pela derrubada dos vetos através da Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], da Via Campesina, de todos os movimentos, pra gente ver se ganha força e gera preocupação naqueles que votarem a favor dos vetos do Bolsonaro”, afirma.
Para o deputado Nilto Tatto (SP), também do núcleo agrário, que faz frente à bancada ruralista na Câmara, a pauta exige pressão popular e deve contar com ampla articulação da oposição. “O assunto não morreu e será uma das nossas prioridades para este começo de ano parlamentar”.
Agricultura
Trabalhadora da roça “desde o começo da vida”, a camponesa Marlene Klassmann mora no município de Selbach, região central do Rio Grande do Sul, estado onde o desemprego atingiu a marca de 10,3% da população no terceiro trimestre de 2020.
O índice é o pior desde 2012, segundo dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do governo local, e se soma ao cenário de instabilidade nas vendas do comércio por conta da queda na renda da população e das políticas sanitárias implementadas a partir da chegada do novo coronavírus ao país.
Com o novo cenário, o escoamento da produção dos agricultores familiares locais ficou prejudicado por conta da suspensão de aulas escolares, feiras populares, eventos, entre outros efeitos das medidas para evitar a propagação da covid-19.
Com Marlene não foi diferente. No roçado onde cultiva verduras e estufas de morango junto com a família, a camponesa sentiu um impacto de pelo menos 50% nas vendas desde o início da pandemia, ainda no primeiro semestre do ano passado.
“A gente entregava repolho e verdura no mercado, por exemplo. E aqui nós vivemos numa região em que dava muita festa. As comunidades aqui fazem festa, o pessoal vai lá, participa, paga, aí tem janta, almoço. Não tendo mais isso, com a pandemia, as comunidades não compraram mais verduras”, narra.
Pescadores
A preocupação é a mesma que paira sobre a cabeça dos cerca de 400 pescadores artesanais de uma associação comunitária dirigida por Crispim dos Santos na zona rural do município baiano de Cachoeira.
Morador da comunidade quilombola de São Francisco de Paraguaçu, distrito da cidade, ele conta que a situação dos trabalhadores atualmente é de “muita tristeza”.
“Está todo mundo sentindo o impacto da pandemia até hoje. O sentimento por aqui é de lamentação. A gente tem o mesmo direito que os trabalhadores autônomos, então, por que não receber esse apoio?”, questiona, ao mencionar o primeiro auxílio emergencial aprovado pelo Congresso e liberado pelo governo para trabalhadores informais.
O pescador conta que antes da disseminação da covid-19 vendia o quilo do marisco por um preço que variava entre R$ 20 e R$ 25. Com as políticas de isolamento e a queda da circulação de compradores em mercados e restaurantes, teve que reduzir o valor para não perder o estoque do produto, cujo quilo chega a ser vendido hoje por R$ 8.
“É muito prejuízo, por isso eu acho que o governo foi injusto ao negar o auxílio pra gente. Espero que os parlamentares tenham a sensibilidade de corrigir isso”, afirma Crispim, que contribui com o sustento dos três netos.
Legislativo
O PL 735/20 foi aprovado em julho de 2020 pela Câmara e em agosto pelo Senado a partir de uma articulação dos partidos de oposição. Além do benefício de R$ 600, Bolsonaro vetou ainda trechos como o que garantia um programa de fomento para apoiar a atividade da categoria.
A ideia deste último era subsidiar o público-alvo do PL com R$ 2.500 em parcela única para cada unidade familiar de produção durante a vigência do estado de calamidade pública, gerado pela covid.
Para as mulheres do ramo, por exemplo, o valor era mais alto, chegando a R$ 3 mil. Ao vetar os trechos, o presidente alegou falta de estimativa sobre o impacto financeiro do pacote de medidas.
Edição: Leandro Melito