Entrevista

Com aprovação das vacinas, Bolsonaro foi encurralado pela ciência, avalia Temporão

Ex-ministro José Gomes Temporão diz que resta ao governo federal coordenar o processo de vacinação

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Pazuello se vê obrigado a abandonar o calendário bolsonarista e anuncia o início da vacinação a partir desta segunda-feira - Najara Araujo

Com a decisão deste domingo (17) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de autorizar o uso emergencial das vacinas do Instituto Butantan e da Fiocruz, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) foi encurralado pela ciência, frente à sua "postura negacionista". Essa é a avaliação do médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, em entrevista neste domingo ao programa Brasil TVT.

Na manhã desta segunda-feira (18), mais um fato veio comprovar a tese de Temporão de que o governo Bolsonaro está encurralado. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi obrigado a desistir do calendário bolsonarista de vacinação, que iria começar na quarta-feira (20). Após pressão dos governadores, Pazuello anunciou que o processo de imunização irá ocorrer a partir desta segunda em território nacional. 

“Não resta nada ao governo ao não ser coordenar o processo de vacinação”, afirmou Temporão, em entrevista aos jornalistas Cosmo Silva e Maria Teresa Cruz.

O ex-ministro observou que um dos argumentos que a Anvisa usou para aprovar o uso da vacina e deixar o governo encurralado foi o de que não há nenhum tratamento para a covid-19.

Isso, por si só, na avaliação de Temporão, derruba a postura do governo de defender remédios sem eficácia comprovada, como a cloroquina e ivermectina. “O governo está sendo empurrado pela ciência a assumir algum tipo de postura neste momento”, disse.

No início da entrevista, Temporão afirmou que a autorização dada pela Anvisa “significa uma vitória da medicina, da ciência e da saúde pública. “Depois de uma semana dramática, com a tragédia de Manaus, que nos mobilizou a todos, e depois de dias de angústia, sofrimento e perplexidade. Em uma situação limite, em que pessoas perderam a vida por falta de oxigênio, nós vivemos agora uma outra situação que é uma antítese disso”.

O ex-ministro disse que “é uma sensação de alívio, que abre uma possibilidade de esperança e uma perspectiva positiva no enfrentamento dessa doença”.

“São os paradoxos. De um lado, o ministro da saúde vai a Manaus fazer propaganda de tratamentos que não funcionam. Ele é uma espécie de mascate de medicamentos que não funcionam, enganando a população. Ele é um dos responsáveis, pois isso cria uma falsa segurança. As pessoas acham que o medicamento é preventivo e deixam de usar máscaras. Ou não obedecem às medidas de distanciamento.”

“E hoje a Anvisa reitera o fato de que é uma das agências reguladoras mais importantes do mundo, com seu corpo técnico de altíssima qualidade, depois de um trabalho de meses de análises de milhares de documentos, tanto da vacina do Butantan quanto da vacina da Fiocruz. E autoriza o uso das duas vacinas a partir deste momento. Então agora nós abrimos uma nova perspectiva, um novo espaço porque, pela primeira vez, vamos ter nas mãos instrumentos capazes de mudar radicalmente o cenário traumático, depois de 210 mil mortes”, disse Temporão.

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Mas Temporão adverte que também surgem dúvidas no momento. “Para fazer uma campanha de vacinação não basta ter vacinas. Você tem que ter pelo menos duas outras dimensões. Primeiro é preciso ter uma capacidade de organização. E de capilaridade para levar essas vacinas a todos os brasileiros em território nacional. Isso nós temos, todos os anos a gente vacina 80 milhões de idosos.” 

E a outra condição é ter uma grande campanha de mobilização da sociedade, “com mídia, liderança e mobilizar e esclarecer as pessoas com muita transparência. Segurança e resultado, esses são agora o nosso grande desafio. Mobilizar a sociedade brasileira para que todos, obedecendo o plano de prioridade, se vacinem. Daqui a alguns meses, se tudo correr bem, esse quadro vai mudar radicalmente”.

Confira a entrevista: