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Em 2020, institutos de pesquisa apostaram em entrevistas por telefone e erraram

Especialistas questionam os resultados dos levantamentos, inclusive a aprovação de Bolsonaro apontada pelo Datafolha

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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“O Datafolha é muito questionado no nosso meio, de pesquisadores da área social", afirma cientista político - Evaristo Sá / AFP

Em 2020, os institutos de pesquisa erraram nos prognósticos para diversas capitais e chamaram a atenção durante as eleições. A resposta está, para especialistas consultados pelo Brasil de Fato, no método escolhido pelas empresas para fazer os levantamentos durante a pandemia: a entrevista por telefone.

O cientista político Rudá Ricci explica que, neste ano, houve uma profusão de pesquisas por telefone e muitos institutos não tinham como checar os dados.

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"Em cerca de 20% das pesquisas, você volta com outro técnico para checar se o entrevistado foi mesmo questionado e se a sequência de respostas bate. Dependendo do índice de erros, você cancela todo o lote de pesquisas do pesquisador que errou. Com a profusão de pesquisas por telefone e sem a checagem, eu não tenho como confiar mais nas pesquisas”, sentencia.

Em artigo publicado em agosto deste ano, o método já havia sido questionado pelo sociólogo Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi, uma das empresas especializada em pesquisas de opinião no Brasil.

“Encontrar alguém sem interesse por política que aceita conceder uma entrevista e interrompe seus afazeres para ficar falando ao celular por 20 minutos ou meia hora, sem o estímulo da presença física do entrevistador e sem nada que o encoraje a responder, é procurar agulha em palheiro", avalia. 

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Ainda de acordo com Coimbra "as amostras conseguidas precisam ser ‘consertadas’, através de ponderações estatísticas drásticas em algumas faixas do eleitorado, ‘inchando’ umas e ‘desinchando’ outras”.

As eleições surpreenderam muitos candidatos e partidos que estavam com suas expectativas ancoradas nas pesquisas de opinião.

O Datafolha apontava vitória de Marília Arraes (PT) em Recife (PE), mas a vitória foi de João Campos (PSB). Para o Ibope, Manuela D’Ávila (PCdoB) venceria Sebastião Melo (DEM) em Porto Alegre (RS), mas a candidata da esquerda saiu derrotada.

Em Fortaleza (CE), o Ibope cravava uma vitória de Sarto (PDT) contra o Capitão Wagner (PSL), com 20% de vantagem. Porém, quando as urnas foram fechadas, o pedetista venceu apertado, por 51% a 49%.

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O cenário foi oposto em São Paulo, onde o Datafolha previa uma vitória apertada de Bruno Covas (PSDB) sobre Guilherme Boulos (PSOL). O triunfo do tucano, no entanto, foi mais tranquilo, por 59% a 41%.

O analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), comentou a falta de precisão nos levantamentos.

“Houve mais erros nas pesquisas em 2020, em razão de que foram feitas por telefone. Pesquisa eleitoral é um retrato do momento. Não é possível, com crise pandêmica, fazer cobranças exacerbadas dos institutos de pesquisa. Foram bastante discrepantes, mas vou considerar esse aspecto para considerar os erros”, disse.

Bolsonaro aprovado?

Uma pesquisa de opinião divulgada pelo Instituto Datafolha, no último dia 13 de dezembro, mostra que 37% da população avaliam positivamente o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Outros 32% reprovam a gestão do presidente. Novamente, o método utilizado para o levantamento foi a entrevista por telefone. Para Rudá Ricci, o resultado deve ser relativizado.

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Segundo o cientista político, o Datafolha é muito questionado entre os pesquisadores da área social, porque a empresa sempre faz a chamada pesquisa em fluxo ao invés da domiciliar. Ele explica que esse tipo de levantamento, como diz o nome, consiste em colocar os pesquisadores em locais com muito fluxo de gente, como, por exemplo, na entrada de metrô.

"Na pesquisa por telefone, você não tem como checar, então você aumenta o número de amostra. Por exemplo, para ele ter 3% de margem de erro, ele teria que fazer 1.500 pesquisas, então ele joga para 3 mil, o que aumenta o custo da pesquisa, mas diminui a margem de risco. O Datafolha é o único instituto de pesquisa que dá um índice de popularidade do Bolsonaro muito acima da média dos demais institutos. Nunca houve uma queda para menos de 32%, enquanto em outras pesquisas ele teria caído para 26%, um pouco antes da ajuda do auxílio emergencial. Há uma desconfiança muito grande com o Datafolha”, explica o cientista político.

Já Verlaine vê razão para a aprovação do presidente. “Essa pesquisa do Datafolha que dá um relativo percentual positivo de aprovação ao Bolsonaro, tem muito que ver com a questão do auxílio emergencial, que já caiu".

Por outro lado, ele entende que os números devem mudar logo no começo de 2021. "Eu acredito que, em fevereiro, quando as coisas devem estar mais claras, em relação ao debate político e da vacina, esse quadro estará mais definido e a aprovação do Bolsonaro estará bem menor. Sem a renovação do auxílio, Bolsonaro perderá apoio da população”, conclui. 

Edição: Douglas Matos