O Congresso Nacional da Argentina deu início, na tarde desta terça-feira (01), ao debate para tratar duas propostas que dialogam: o novo Projeto de Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE) e o Projeto de Lei Plano dos Mil Dias, para acompanhamento às maternidades, ambos anunciados pelo presidente Alberto Fernández no último dia 17 de novembro.
O plenário que debate os dois projetos nesta terça é composto pelas comissões de Legislação Geral, de Mulheres e Diversidade, de Legislação Penal e de Saúde, e deu lugar a 25 exposições a favor e 25 contra o projeto de legalização do aborto. A jornada seguirá ao longo de toda a semana, sendo a quinta-feira destinada à análise entre os deputados integrantes das comissões, com resolução prevista para a sexta-feira (04).
Não houve convocatórias feministas para concentração na praça do Congresso devido ao isolamento social obrigatório em Buenos Aires, mas algumas integrantes da Campanha Nacional pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito estiveram presentes nas imediações do edifício.
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O ministro da saúde Ginés González García abriu o plenário de forma virtual, realizando sua exposição direto da Casa Rosada: "Se o aborto fosse para homens, já seria lei há muito tempo. Trata-se de justiça social", destacou.
Além de García, estiveram presentes o ministro de Desenvolvimento Social, Daniel Arroyo, e a ministra de Mulheres e Diversidade, Elizabeth Gómez Alcorta, além da secretária Legal e Técnica da Presidência, Vilma Ibarra. Eles expuseram e responderam a perguntas sobre pontos do projeto de lei e algumas provocações que remetem ao extenso debate de 2018, desde posicionamentos sobre a vida ter início na concepção até questionamentos sobre feminismo e objeção de consciência institucional, um conceito inexistente, como ressaltou o próprio ministro da Saúde.
"A consciência é uma ocorrência individual, a instituição não tem consciência", afirmou García. "Sobre o início da vida: a vida começa desde tempos remotos. Não esqueçam que há religiões que proíbem a masturbação masculina por considerar que assim se perde vida. O que o mundo resolveu é partir da ideia de quando se é pessoa, não de quando é vida. Há óvulos e espermatozoides, obviamente sempre há vida, mas isso não é o que estamos tratando aqui. Não há 'duas vidas', como dizem alguns. O termo não é utilizado corretamente", ressaltou.
A advogada e militante pelo aborto legal Nelly Minyersky, de 91 anos, marcou o início da segunda etapa do debate no Congresso reforçando o caráter afirmativo do projeto. “Aqueles milhões que não compartilham essas ideias não são obrigados a praticá-las; por outro lado, se a interrupção voluntária da gravidez é negada, obriga-se a muitos seres humanos a mudarem seus projetos de vida e entrarem no campo da ilegalidade.”
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Vilma Ibarra, secretária Legal e Técnica da Presidência, se emocionou ao enfatizar a realidade das mulheres privadas de seus direitos reprodutivos e sexuais, inclusive em casos onde o aborto já é contemplado pela lei. Ela mencionou o caso de uma menina de 11 anos na província de Tucumán que enfrentou dificuldades para conseguir acessar o aborto legal após um estupro. Os médicos que realizaram o procedimento, autorizado pela legislação atual, foram penalizados. Nesse sentido, a funcionária do governo problematizou a perspectiva religiosa que sustenta a penalização do aborto.
"O que estamos buscando é respeitar a dignidade e a autonomia das pessoas e não praticar violência institucional, não impor a outra pessoa a própria perspectiva, que deve ser respeitada e à qual as pessoas continuarão tendo acesso com a lei, mas sem impor sua opinião a outra pessoa."
Para debater o Projeto de Lei do Plano dos mil dias, será aberta uma sessão especial entre os dias 8 a 10 de dezembro. A proposta prevê um auxílio às mulheres grávidas que abarcará os primeiros anos da infância de seus filhos e passará à votação na próxima semana.
A apresentação do Projeto de Lei pela Interrupção Voluntária da Gravidez pelo Poder Executivo conferiu maior força ao debate na Câmara, em comparação às jornadas de 2018, quando o projeto debatido foi apresentado pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito.
Desta vez, o processo também deve ser muito mais rápido. Segundo informações da Télam, a Frente de Todos, partido do governo atual, tem a intenção de aprovar o projeto na sessão ordinária do Congresso na próxima semana e enviá-lo logo em seguida ao Senado, para obter a sanção antes do final do ano.
Edição: Luiza Mançano