O presidente argentino Alberto Fernández enviou ao Congresso, na última terça-feira (17), o Projeto de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, na sigla em espanhol).
O texto apresentado pelo Poder Executivo, que passará à votação no Congresso e no Senado, tem como objetivo garantir que a gravidez indesejada possa ser interrompida de forma legal no sistema público de saúde.
"O debate não é sobre dizer sim ou não ao aborto. Os abortos ocorrem clandestinamente e põem em risco a saúde e a vida das mulheres. Portanto, o dilema que devemos superar é se os abortos devem continuar sendo realizados clandestinamente ou no sistema de saúde argentino", disse o presidente em coletiva de imprensa realizada na tarde de ontem.
Conheça os principais pontos do projeto.
Aborto legal até a 14ª semana
O projeto apresentado nesta terça tem como base o PL elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Livre, enviado ao Congresso oito vezes nos últimos 15 anos. Esta é a primeira vez que o Poder Executivo envia um projeto de lei próprio.
O projeto de lei apresentado por Fernández prevê que as mulheres possam ter acesso à interrupção voluntária da gravidez até a 14ª semana do processo de gestação. Após esse período, podem ser realizados abortos apenas nos casos de risco à saúde ou à vida da mulher ou nos casos de gravidez resultado de estupro. Neste último caso, será necessário apresentar uma declaração juramentada no caso de maiores de 13 anos.
No entanto, o texto aponta que uma mulher grávida que faça um aborto após a 14ª semana, sem as exceções mencionadas anteriormente sejam punidas, e cumpram pena de 3 meses a um ano de prisão.
Este ponto é criticado pelas integrantes da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, que se declaram contra a penalização das mulheres que realizam o procedimento fora do prazo estabelecido pela possível legislação.
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Prazo corrido de dez dias
O PL prevê que "todas as mulheres grávidas têm o direito de ter sua gravidez interrompida dentro dos serviços do sistema de saúde ou com sua assistência, dentro de um prazo máximo de dez (10) dias do calendário a partir da data do pedido".
O artigo 7 da minuta prevê que, antes de acessar a interrupção voluntária da gravidez, as mulheres devem dar seu consentimento informado por escrito. No caso de menores de 13 anos, elas devem contar "com a assistência de pelo menos um dos pais ou representante legal". Para adolescentes entre 13 e 16 anos de idade, é suficiente que dêem seu consentimento, a menos que "o procedimento apresente um sério risco para sua saúde ou vida”. Nestes casos, será necessário também o consentimento de pelo menos um de seus representantes legais.
O projeto de lei do Executivo estabelece que os profissionais de saúde, antes e depois do procedimento, devem garantir tratamento digno "respeitando as convicções pessoais e morais da paciente, a fim de erradicar práticas que perpetuam o exercício da violência" contra mulheres grávidas; privacidade e confidencialidade; respeito à vontade da paciente e acesso a informações adequadas e oportunas sobre o procedimento, para que a paciente possa "expressar livremente suas necessidades e preferências".
Segundo o documento, as unidades de saúde devem oferecer também “informações sobre os cuidados posteriores necessários e sobre os métodos contraceptivos previstos no Plano Médico Obrigatório”. Além disso, está previsto que a pessoa receberá cuidados de saúde abrangentes "durante todo o processo".
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Objeção de consciência
Um dos pontos mais criticados do projeto é a previsão de objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde (quando o profissional se nega a realizar o procedimento por motivos morais ou religiosos). O texto estabelece que profissionais que se opõem à prática devem "encaminhar a paciente de boa fé para ser tratada por outro profissional de forma oportuna, sem demora" e não podem se recusar a tratar a paciente após o procedimento.
Entretanto, se a vida da mulher grávida estiver em perigo e exigir atenção imediata e urgente, "o profissional de saúde não pode se recusar a realizar a interrupção da gravidez".
"O não cumprimento (...) resultará em sanções disciplinares, administrativas, penais e civis, conforme o caso", acrescenta o texto.
Desta forma, o PL acata a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso LMR (2007), no qual a Argentina foi condenada por não garantir um aborto legal a uma menina com deficiência e sua gravidez forçada foi considerada um caso comparável à tortura.
A incorporação da objeção de consciência no PL apresentado pelo Executivo é criticada por organizadoras da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal. Segundo elas, a objeção de consciência representa a possibilidade de “negar direitos”.
As militantes mencionam o caso do Uruguai, onde o aborto está legalizado desde 2012, mas a objeção de consciência incluída na lei representa um entrave ao direito das mulheres.
“No Uruguai, uma cidade inteira carece do direito [ao aborto legal] porque todos os médicos declararam objeção. A Itália é outro exemplo de como esse suposto "direito" na verdade acoberta os antidireitos”, afirma Celeste Mac Dougall, integrante da Campanha.
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Espera-se que o PL de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE) seja aprovado pela Câmara dos Deputados do país, como em 2018. Já no Senado, onde o projeto anterior foi vetado, a aprovação não está definida e há especulações sobre um possível empate na votação. Nesse caso, o resultado da votação seria definido pela vice-presidenta Cristina Kirchner, que votou a favor em 2018, quando era senadora.
*Com informações de El grito del Sur.
Edição: Luiza Mançano