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Parque Ibirapuera: após concessão, sociedade civil é impedida de fiscalizar gestão

Conselheiros questionam postura da Secretaria Municipal: “Onde já se viu a raposa fiscalizar o galinheiro?”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Membros do Conselho Gestor reclamam que foram afastados da tarefa de fiscalização da gestão do parque - Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas

Mudanças na legislação municipal e problemas de comunicação impedem que o Conselho Gestor, composto por membros da sociedade civil, fiscalize a gestão do Parque Ibirapuera, concedido à iniciativa privada pela Prefeitura de São Paulo (SP). O conselho é formado por membros da sociedade civil eleitos e tem como competência a fiscalização, segundo o artigo 10 da Lei 15.910, de 2013.

O Ibirapuera foi concedido à empresa Construcap que, sob o nome de Urbia, também administrará pelos próximos 35 anos outros cinco parques da capital paulista. O contrato foi assinado no dia 20 de dezembro de 2019, e a empresa assumiu a gestão do Ibirapuera em 20 de outubro de 2020.

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O Conselho Gestor do Parque Ibirapuera (CGPI) ficou de fora da comissão permanente de fiscalização, e integrantes apontam falta de transparência e problemas de comunicação por parte da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA).

Questionamentos

Coordenador do CGPI, Heraldo Guiaro é servidor da SVMA e costuma ser questionado pelos conselheiros sobre as dificuldades de acesso a informações e a documentos que permitiriam fiscalizar o cumprimento do contrato.

Foi o que observou a reportagem do Brasil de Fato na 207ª reunião ordinária do CGPI, no dia 11 de novembro de 2020. Durante cerca de uma hora, o tema da reunião foram os problemas de comunicação e o esvaziamento do papel fiscalizador do conselho.

Guiaro argumentou na reunião que os membros do conselho não poderiam fazer parte da comissão permanente de fiscalização “porque não são servidores do município.”

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Diante dessa afirmação, conselheiros disseram que “é necessário propor uma alternativa, uma participação diferenciada, mesmo que sem direito a voto, para que o conselho ao menos esteja por dentro do que está sendo feito e possa expor sua visão.” Não houve resposta a essa sugestão.

Participaram da reunião 24 pessoas, a maioria conselheiros, trabalhadores e usuários do parque. Ficou evidente a indignação dos membros do CGPI com a falta de respostas e a dificuldade de acesso a documentos.

 “Os atos administrativos [relativos ao parque] não estão sendo devidamente publicizados, violando o artigo 37 da Constituição”, disse uma das participantes da reunião. “Precisamos implorar por informação”, questionou outro. “Somos os últimos a saber do que está acontecendo”, acrescentou um terceiro.

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A Urbia enviou um representante à reunião pela primeira vez desde maio. Samuel Lloyd, diretor comercial da empresa, justificou que a gestão do parque pela empresa só começou oficialmente em 20 de outubro e disse que participará de todas as próximas reuniões do CGPI.

Lloyd reforçou o pedido por “celeridade” na transmissão de informações. Segundo ele, interessa à empresa que os fluxos de comunicação sejam ajustados para que a gestão ocorra em harmonia com o CGPI e que a empresa aproveite as sugestões da sociedade civil.

“Se a concessionária diz que não tem objeção à divulgação dos atos administrativos, fica nítido que é o poder público quem está tentando esconder informação”, constatou uma das participantes da reunião. “E o representante do poder público no Ibirapuera é o Heraldo.”  

O Brasil de Fato tentou fazer contato com Heraldo Guiaro via Whatsapp e telefone, mas não obteve retorno para uma entrevista. Horas depois dessa tentativa, a SVMA entrou em contato com a reportagem para saber quais eram os questionamentos. Estes foram respondidos por meio de nota no dia 12 de novembro [confira ao final da matéria].

Histórico

Os conselhos gestores tinham poder deliberativo até 24 de maio de 2018, quando passou a vigorar em São Paulo a Lei 16.899.

“Foi aprovada na calada da noite, e foi uma das piores coisas que o [então prefeito] Doria poderia ter feito”, lembra a advogada Débora Iacono, 2ª secretária do CGPI.

João Doria (PSDB) foi substituído no cargo em abril de 2018 pelo vice Bruno Covas (PSDB), que hoje é candidato à Prefeitura de São Paulo.

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Representante da Associação de Moradores da Vila Mariana – bairro vizinho ao Ibirapuera – no CGPI, Giuliano Cossolin analisa que o esvaziamento dos conselhos da sociedade civil não é exclusividade da capital paulista.

“Tem sido, nesses últimos quatro anos, um processo paulatino de perda de voz dos conselhos. Isso começou com o Doria [quando prefeito], e isso se reflete no governo federal e também no estado, onde ele [Doria] está agora”, ressalta.


Parque Ibirapuera é o mais visitado da capital paulista / Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas

A licitação para concessão do Ibirapuera foi feita antes mesmo de haver um plano diretor que regesse a atuação da iniciativa privada. O CGPI não se posicionou contra a concessão, mas foi ao Ministério Público para contestar a ausência de um plano diretor.

“O Ministério Público confirmou que precisava ter um plano diretor, mas o processo licitatório foi mantido. E a elaboração do plano diretor, em seguida, foi comandada pela própria Construcap”, completa Cossolin. “Justificou-se, do ponto de vista da lei, mas foi uma maquiagem, uma vergonha.”

Iacono lembra que, durante a elaboração do Plano Diretor, o CGPI participava de até três reuniões por semana. “Aprendemos muito sobre água, meio ambiente, mas falava-se pouco do parque em si”, conta. “A maioria das pessoas que frequentavam as reuniões eram da Construcap, não  da sociedade civil, porque a Prefeitura não fez uma boa divulgação dessas reuniões.”

“O que nos preocupa é a falta de estudos para elaboração do plano diretor”, acrescenta a advogada. “Tem um contrato, que conseguimos acessar, com algumas diretivas. Mas houve aditivos ao contrato que não tivemos acesso.”

Raposa no galinheiro

O conselheiro Giuliano Cossolin explica por que considera grave excluir a sociedade civil da fiscalização do Ibirapuera.

“Se a concessionária se propôs a tomar conta do parque é porque ela visa ao lucro. O Parque Ibirapuera tem várias leis de tombamento, de absorção da água pelo solo, inventário de fauna e flora do parque. Se isso não é fiscalizado, a empresa faz o que quer, como já está fazendo”, resume.

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O CGPI é composto por voluntários e, na visão dele, teria a disposição e a independência necessárias para contribuir nesse processo.

“É esse grupo de pessoas que é indicado para fiscalizar. Fomos eleitos para isso. Então, se você não tem alguém que se interessa [pelo parque] sem um viés econômico, isso fica totalmente prejudicado. Onde já se viu a raposa fiscalizar o galinheiro?”, questiona.

Resposta da Prefeitura

A SVMA afirmou que respeita os limites previstos na Lei 15.910 e considera que “a questão colocada pelo Conselho do Parque Ibirapuera de que eles deveriam ser parte da comissão de fiscalização é um grande equívoco.”

“Conselheiros devem atuar dentro de sua esfera de participação social. Não têm qualquer vínculo com a municipalidade, como servidores públicos, em que possam ser nomeados fiscais de contrato. Essa atribuição é exclusiva do poder público”, diz a nota enviada pela assessoria de comunicação, repetindo o argumento apresentado por Guiaro na reunião.

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“O que os conselheiros podem e devem fazer, conforme as competências previstas no artigo 10 da referida lei, é acompanhar e fiscalizar o que o poder público faz em relação ao parque, mas não fazer parte direta”, completa a secretaria.

A nota reforça que Heraldo Guiaro é servidor da SVMA, atua há cerca de 15 anos no Parque Ibirapuera e “tem total competência para fazer o devido acompanhamento do contrato.” Além de coordenador do CGPI e representante da Comissão Permanente de Fiscalização, Guiaro é  diretor da Divisão Técnica da Coordenação de Gestão de Parques e Biodiversidades (CGPABI).

Sobre o papel da Urbia, a secretaria diz que tem dialogado para que “a partir desse momento [início da gestão, em 20 de outubro], a presença deles seja mais efetiva no Conselho para sanar eventuais dúvidas e prestar contas de suas ações.”

Edição: Leandro Melito