ENTREVISTA

Professor de Direito é ameaçado de processo por críticas ao "lavajatismo" na Paraíba

Professor da Universidade Estadual da Paraíba vem sendo ameaçado juridicamente por emitir opinião sobre operação

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Agassiz Almeida Filho, professor de Direito da Universidade Estadual da Paraíba - Imagem reprodução

No final de outubro, Agassiz Almeida Filho, professor de Direito da Universidade Estadual da Paraíba, foi informado de que poderá ser processado pela Associação Paraibana do Ministério Público por emitir declarações contra a Operação Calvário, considerada o braço da Lava Jato na Paraíba. Os associados convocaram uma assembléia, na última sexta-feira (6), para decidir se a entidade abrirá processo por dano moral coletivo contra ele. Ainda não se sabe o resultado dessa reunião.

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O fato se erigiu a partir dos questionamentos do advogado contra procedimentos realizados pela Operação Lava Jato - e também à Operação Calvário - em vídeo compartilhado no Instagram do candidato a prefeito, Ricardo Coutinho, investigado na Operação Calvário. Em entrevista, Agassiz Almeida se diz coagido enquanto pesquisador do Direito e assombrado com as possíveis consequências disto para a democracia no país. 


Brasil de Fato: Professor, do que se trata essa decisão da Associação do Ministério Público contra o senhor?
Agassiz Almeida: Como professor de Direito faz alguns anos que eu critico o modo como a Operação Lava Jato age em Curitiba, que se tornou muito grave, principalmente depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e após a prisão do Lula. Eu entendo que esses métodos não respeitam a lei, e isso é muito errado. Tanto é assim que alguns desses métodos que eles usam nos processos estão sendo condenados em outros espaços, e a própria opinião pública está vendo que esses métodos não funcionam.

Por exemplo, tem vários processos da Operação Lava Jato que se baseiam na delação premiada de pessoas que estavam presas. Mas aí tem um problema. Para poder valer no processo e ter valor jurídico, a pessoa tem que fazer a delação porque ela quer, tem que ser voluntária. 

E eu entendo que a vida nos presídios brasileiros é muito difícil e todo mundo morre de medo de algum dia ter que conhecer algum. Na minha opinião, quem está preso, no Brasil, tem medo e se sente coagido. Portanto uma delação premiada nessas condições torna-se inválida. 

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Alguns setores dessas operações já assumiram que mantêm algumas pessoas presas para conseguir delação, o que é errado, ilegal e contraria a Constituição. Então esses métodos, por exemplo, da Lava Jato, estão sempre vazando informações para a imprensa e dando entrevistas coletivas. E a imprensa condena os investigados, os acusados, antes mesmo de haver sentença. É uma situação muito difícil esses métodos da Operação Lava Jato, e que se reproduzem em outros lugares do país.

Aqui na Paraíba, o braço da Lava Jato é chamado de Operação Calvário. Essa operação tem várias etapas, várias fases, e já chegou a prender, no final do ano passado, um ex-governador, uma deputada estadual e uma prefeita baseado em delações premiadas que eram ilegais. 

Então eu critico esses métodos em artigos, capítulos de livro, tenho livros que não tratam do assunto, mas analisam o que é o Estado Democrático de Direito, artigos publicados em revistas especializadas, e tudo em nível de Brasil. Então eu sou nacionalmente conhecido como um sujeito que é crítico de alguns métodos da Operação Lava Jato. Porque você defender a ideia de uma força-tarefa de combate à corrupção é excelente, mas tem que ser tudo de acordo com o Direito. 

Então o que aconteceu é que, recentemente, eu fiz uma análise da Operação Calvário e, no entanto, o material foi veiculado no Instagram do ex-governador Ricardo Coutinho, que é candidato a prefeito de João Pessoa. Isso gerou um desconforto entre os membros da Operação Calvário aqui na Paraíba porque eu sou uma voz que não faz parte da política e não tem interesse nisso. 

Sou acadêmico, embora advogado também na área de Consultoria. E eu quebrei uma espécie de caráter sacrossanto que a Operação Calvário tinha. Então algumas pessoas dessa Associação do Ministério Público tomaram a decisão mais inusitada que você possa imaginar: publicou um edital convocando todos os procuradores e promotores de justiça do estado - são mais de 200 pessoas - para uma reunião que iria ocorrer nesta sexta-feira (6), para decidirem se vão me processar por dano coletivo à imagem do Ministério Público. Então, trata-se de uma Associação do Ministério Público processando um professor de Direito, com fala pública, pesquisador sobre a área do Estado Democrático de Direito e crítico das instituições.

Normalmente, no meio jurídico, há prevalência de uma visão conservadora de direita, e há até setores de extrema-direita.

Então o impacto desse fato foi tão grande que, inclusive, virou uma questão suprapartidária; pessoas de todos os partidos, de todas as vinculações e ideologias estão assombradas. 

Que tipo de instituição é a Associação Paraibana do Ministério Público e quais as consequências dessa ação para o senhor e para a democracia?
Esta associação é como outra qualquer, como uma associação de bairro, de moradores e de mães. É uma associação privada, normal. A única diferença entre essa e as outras é porque ela é a Associação Paraibana do Ministério Público.Os membros dela são promotores e procuradores de justiça da Paraíba. O que se pergunta é como uma pessoa processada por todos os membros do Ministério Público pode viver neste Estado? 

Tudo o que você vai fazer é fiscalizado pelo Ministério Público, então, praticamente inviabiliza a vida de uma pessoa em determinado estado, por um lado. E por outro lado, uma ação desse tipo, são 200 e poucos promotores associados. Então, digamos que cada um produza uma multa por danos morais, como é que o professor paga uma coisa dessa? Elimina todo o seu patrimônio.

A gente vive numa paralisia democrática desde que houve o impedimento da presidenta Dilma Rousseff

E para a democracia é ruim porque as críticas que fiz são institucionais, não são dirigidas a ninguém. A crítica não foi dirigida nem mesmo ao Ministério Público, mas sim à força-tarefa. Então a minha profissão de professor de Direito exige que eu difunda conhecimento e estabeleça críticas às instituições. Se eu não posso fazer isso, imagine uma pessoa que não vai se basear argumentos jurídicos, nem está nesse lugar de fala, o que é que pode acontecer com ela?

Então a gente vai ter um ambiente em que ninguém jamais poderá criticar essas instituições, e começa com o Ministério Público. Por exemplo, o que aconteceria se alguém fizesse críticas à Receita Federal, e a Associação dos Auditores Fiscais o processasse por isso? Seria um caos. Esta ação da Associação do Ministério Público da Paraíba seguramente vai levantar um precedente para o Brasil. 

Qual a correlação de forças que se tem lá dentro? 
Normalmente, no meio jurídico, há prevalência de uma visão conservadora de direita, e há até setores de extrema-direita. Eu acredito que, neste caso, haja caráter ideológico. Eu acho que alguns setores se sentiram horrorizados pelo fato de terem sofrido a primeira crítica da sua vida em 30 anos. É uma criança mimada, um adulto mimado de 30 anos. Então não souberam lidar com a crítica. 

Depois que essa Operação Calvário foi deflagrada ninguém nunca disse nada sobre ela. Eu falava sempre por aí, mas numa linguagem muito acadêmica, no juridiquês. E agora isso ganhou visibilidade por conta da campanha eleitoral e virou um problema. 

Eu já recebi apoio de dezenas de promotores, advogados, policiais, pessoas da área jurídica, professores, sindicatos, magistrados de outros estados, apoio internacional de juristas espanhóis, latino-americanos, europeus, do México, Nicarágua, Venezuela, Colômbia, associação, movimentos sociais, e da Comissão da Verdade, em nível nacional.

Então, nesse sentido, várias pessoas do Brasil e do exterior que se prontificaram a participar e ajudar no processo. Embora eu tenha começado sozinho, não estou mais sozinho. 

É um momento importante para a gente refletir. Esses momentos de crises servem para a democracia amadurecer.

O senhor acredita que o seu caso pode virar um painel onde as pessoas poderão visualizar o que, de fato, vem sendo o lavajatismo que vem se espalhando no país?
Estes momentos em que as instituições sociais se perdem visivelmente aos olhos da sociedade são importantes para gerar uma espécie de reflexão democrática. Todos começam a pensar que esse caminho da ilegalidade, da inconstitucionalidade que algumas forças-tarefas mergulharam, esses caminhos não são bons para o Brasil. 

Então as pessoas começam a refletir sobre isso e pensar sobre a própria democracia e assim podem observar que muitas foram enganadas pelos meios tradicionais de imprensa. Muitas pessoas compraram e levaram peixe para sua casa, mas não sabiam que estava estragado. 

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Então acho que é um momento importante para a gente refletir. Esses momentos de crises servem para a democracia amadurecer. E eu tenho certeza que, através da sociedade, da crítica, do diálogo com a imprensa publicando, criticando e expondo os problemas, vamos trilhar um ambiente democrático melhor. Porque a gente vive numa paralisia democrática desde que houve o impedimento da presidenta Dilma Rousseff. 

Eu acho que alguns setores se sentiram horrorizados pelo fato de terem sofrido a primeira crítica da sua vida em 30 anos. É uma criança mimada, um adulto mimado de 30 anos

Quando a sociedade reage, descobre que o rei está nu e como o jogo é jogado, as coisas mudam. Atualmente o jogo é jogado da seguinte forma: de um lado temos essas forças tarefas, uma equipe de futebol formado por 11 jogadores, o juiz e bandeirinhas ao seu lado.

E do outro lado tem apenas um ou dois jogadores e sem goleiro. Então esse é o modo como o jogo é jogado. E as pessoas estão no estádio aplaudindo porque não observaram ainda que aquelas regras são inadequadas para um espetáculo de futebol. 

Mas a partir do momento que as pessoas veem as violências que esses dois jogadores sofrem, a goleada que eles estão sofrendo, mesmo que eles joguem tão bem quanto o outro time, então as pessoas compreendem que é necessário voltar o equilíbrio, que cada time tenha 11 jogadores, que o juiz seja imparcial e que todos os dois lados tenham um bom goleiro.

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Maria Franco