Calamidade pública

Sem luz, sem água, sem internet e na pandemia, Amapá vive dias de caos; leia relatos

Há aglomeração para comprar água engarrafada e sacar dinheiro; calor estraga alimentos e torna dias infernais

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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Fila no estacionamento do shopping, em Macapá, para sacar dinheiro. Não é possível realizar compras com cartão devido à falta de energia - Heluana Quintas/Arquivo Pessoal

Na última terça-feira (3), um incêndio no transformador 1 da Subestação de Macapá, no Amapá causou um apagão que impactou cerca de 778 mil pessoas. Dos 16 municípios do estado, 13 continuam sem energia e o cenário, segundo relatos de moradores ao Brasil de Fato, é caótico: há alvoroço para comprar combustível, para sacar dinheiro e para comprar água engarrafada, já que o abastecimento de água também foi interrompido.

Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não se pronunciou oficialmente sobre a situação do Amapá e, nesta sexta-feira (6), cumpriu agenda no curso de formação policial, da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Florianópolis (SC).

Os municípios afetados são: Macapá (capital), Santana, Mazagão, Porto Grande, Tartugalzinho, Pedra Branca do Amapari, Calçoene, Amapá, Ferreira Gomes, Cutias, Itaubal, Serra do Navio e Pracuuba.

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Na capital, o prefeito Clécio Luís (sem partido) publicou na última quinta-feira (5), o decreto 3.462/2020, que declara estado de calamidade pública por 30 dias.

A falta de luz constante 

Heluana Quintas é servidora pública e mora em Macapá. Ela conta que, quando houve o apagão da última terça-feira (5), todos pensaram que era uma queda de energia comum. "Por aqui, quando chove, a gente fica sem energia e isso é frequente."

"No outro dia começou a ter desespero, porque começou a faltar água e depois que começou a faltar água, as pessoas se deram conta de que não tinha mais celular funcionando. As rádios saíram do ar e como carrega celular? Foi quando começaram as filas para ir ao shopping, em seguida filas para comprar gasolina, porque os postos de gasolina precisam das bombas e sem energia elétrica, elas não funcionam", diz ela. 

Até esta sexta-feira (6), somente alguns postos de gasolina da cidade estavam funcionando. Além das filas para os postos de gasolina há filas para comprar água. Segundo Heluana não é mais possível encontrar garrafas de um litro e meio e só restaram garrafas de 300 ml. 

"Tem gente que põe a cama, o colchão, para fora de casa para dormir, porque fica mais fresco. À noite tem sido bem calorento. Ontem ainda choveu um pouco, mas mesmo assim ainda tem sido muito quente."


Pessoas se aglomeram em farmácias onde há geradores para sacar dinheiro. / Heluana Quintas/Arquivo Pessoal

Heluana diz que o que mais preocupa é que em tempos de pandemia, as pessoas, no desespero por conta da falta de energia estão se aglomerando nas ruas.

"Tem muita gente aglomerada fazendo fila para tirar dinheiro nos caixas eletrônicos. Ontem fui ao aeroporto e não tinha caixa eletrônico funcionando, mas as filas são enormes para abastecer carros, para tirar dinheiro nos caixas eletrônicos, porque as pessoas não podem comprar com o cartão, porque não tem energia elétrica, não tem internet e a maioria dos lugares não têm como vender se não for em dinheiro."

Hospitais com energia oscilando e falta de água 

Kliger Campos, presidente do Conselho Estadual de Saúde do Amapá relata que geradores estão mantendo o funcionamento mínimo dos hospitais.

"O problema é a água na unidade, apesar de ter abastecimento, há falha. A clínica está funcionando, a UTI, a nefrologia está funcionando e foram suspensas todas as cirurgias. Há muitos pacientes esperando na fila para serem operados."

Kliger Campos considera que a população toda corre risco de vida com a situação caótica imposta pelo apagão, especialmente aqueles que já estão internados com covid-19. 

"As coisas estão desfavoráveis para todos os amapaenses que pedem que seja normalizado o mais rápido possível. Isso compromete a vida das pessoas, compromete a vida de muitos pacientes que estão nos hospitais na UTI. A gente está em uma pandemia e aqui no estado teve um aumento no número de casos, as UTIs estão lotadas de pacientes."

Passagem por R$ 3 mil 

Denise Tagliarini é paraense, funcionária pública, tem dois filhos pequenos e mora em Macapá há 10 anos. Com a situação de calamidade pública decretada, ela pensou em retornar para Belém do Pará, mas se deparou com a passagem aérea ao valor de R$ 2.800. "Eu queria ir para Belém, mas com esse preço é complicado."

Diogo Diniz, que também é paraense, cogita o retorno ao Pará por conta do caos que se instalou no estado do Amapá. Ele relata o sofrimento com o calor de até 34º, sem geladeira, ventilador ou ar condicionado. Apesar dos problemas, sua casa tem as janelas e portas teladas, o que evita a invasão dos carapanãs (mosquitos).

Mas seus vizinhos têm sofrido bastante, sobretudo, as crianças. "Meus vizinhos que já estão com as telas rasgadas ou que moram onde o sol bate mais estão sofrendo. Os filhos deles estavam gritando. Eu tenho uma vizinha que tem um bebê, o bebê passou a noite chorando", conta. 

"Realmente, é uma situação muito ruim para quem mora em casas quentes, sem proteção de mosquito. A privação de sono, o excesso de calor vai baixando a imunidade e as pessoas ficam com facilidade para adoecer. E, no dia seguinte, têm que lidar com os alimentos estão estragando."

Edição: Rodrigo Chagas