Quando assumiu a Prefeitura de São Paulo, em 2017, João Doria (PSDB) anunciou que pretendia privatizar os 107 parques do município. Coube ao então vice Bruno Covas (PSDB) concretizar parte do plano: até 2055, o Parque Ibirapuera e outros cinco da capital paulista serão administrados pela empresa Construcap.
Além do Ibirapuera, a Construcap – sob o nome de Urbia Gestão de Parques – administrará por 35 anos os parques Tenente Brigadeiro Faria Lima (Vila Maria), Jacintho Alberto e Jardim Felicidade (Pirituba), Eucaliptos (Campo Limpo) e Lajeado (Lajeado). O contrato foi assinado no dia 20 de dezembro de 2019.
A advogada Débora Iacono, 2ª secretária do Conselho Gestor do Parque Ibirapuera, lembra que sequer havia plano diretor na época da licitação. “É como se a Prefeitura fosse dar um cheque em branco para a empresa tomar conta do parque”, ressalta.
Graças a uma ação do vereador Gilberto Natalini (PV), que apontou falta de clareza sobre os compromissos que a empresa deveria assumir para garantir a preservação da fauna e da flora dos parques, o conselho participou de uma série de reuniões com a Prefeitura e com a Urbia em 2019.
“Aprendemos muito sobre meio ambiente, sobre água, mas se falou muito pouco do parque em si. O que nos preocupou é que não houve estudo nenhum para elaboração do plano diretor, que ainda não foi publicado no Diário Oficial”, acrescenta a advogada. “E, ao contrário do que foi combinado, ninguém do Conselho Gestor foi chamado a integrar a comissão de fiscalização.”
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A fiscalização dos parques é uma das atribuições dos conselhos gestores, segundo a lei 15.910, de 2013.
As concessões à iniciativa privada são um emblema da gestão ambiental de Doria (2017-2018) e Covas (2018-2020). Na avaliação de Natalini, que ocupou o cargo de secretário do Verde e do Meio Ambiente entre janeiro e agosto de 2017, elas refletem a "falta de vergonha na cara" da Prefeitura, que se declara incompetente para administrá-los.
“A gestão dos parques de São Paulo é uma vergonha. É um governo, Doria e Covas, em que o meio ambiente é o último que fala e o primeiro que apanha”, afirma. “O parque não é só lugar de lazer, mas de serviços ambientais. E os parques não são caros. Se a Prefeitura dobrar o recurso, de R$ 180 milhões para R$ 360 milhões, seria ínfimo para o orçamento da cidade”, afirma.
As desestatizações só foram possível devido à uma lei municipal que esvaziou os conselhos gestores dos parques, em maio de 2018. Com a mudança, eles perderam poder deliberativo e deixaram de ser um "entrave", embora não tenham se posicionado em nenhum momento contra a concessão em si. "Foi calada da noite", lembra Débora Iácono. "Uma das piores medidas que o Doria poderia tomar em relação aos parques."
Falta de recursos
A verba destinada à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, que chegou a 1% de todo orçamento municipal em 2012, hoje equivale a 0,35%. Na avaliação de Fernando Bodião, integrante do Fórum Verde Permanente, esse percentual é insuficiente para as tarefas de administração dos parques, licenciamento ambiental e gestão de políticas para a área.
“A gente, que atua na defesa do meio ambiente em São Paulo, reconhece o compromisso dos técnicos e nos trabalhadores da Secretaria do Verde. Mas a secretaria está desempoderada”, lamenta o ativista, que qualifica como estéril o diálogo com a Prefeitura.
“Com a Secretaria, a gente até tem um canal de conversa, mas eles podem fazer pouco, porque não têm estrutura nem verba para desempenhar seu papel de fiscalização, de gestão responsável, nem tem como considerar as colaborações a sociedade civil”, completa.
Destruição
Desde 2015, foram identificadas 160 áreas de desmatamento na capital paulista, totalizando 7,2 milhões de m² e 1,2 milhão de árvores derrubadas. Os números foram obtidos pelo gabinete do vereador Natalini e incluídos na 2ª edição do dossiê “A devastação da Mata Atlântica no município de São Paulo”, de abril deste ano.
Natalini afirma que, entre 2013 e 2014, áreas de mananciais passaram a ser ocupadas pelo crime organizado, “sem nenhuma ação, até hoje, da Prefeitura ou do governo estadual.” Entre agosto de 2019 e abril de 2020, o número de lotes clandestinos cresceu 140%, de 20 mil para 48 mil. No mesmo período, o faturamento com a venda de lotes dobrou e chegou a R$ 2 bilhões.
Na análise do vereador, Doria e Covas “não só não conseguiram reverter o desmonte, como liberaram geral.” Natalini entrou na Justiça para exigir a retomada da operação Defesa das Águas pela atual gestão, mas o processo ainda não foi analisado pela 14ª Vara da Fazenda.
A operação Defesa das Águas foi uma força-tarefa de combate ao desmatamento, em particular nos mananciais, que conseguiu zerar os loteamentos ilegais nessas áreas entre 2011 e 2012.
“Quando fui secretário do Doria, eu e o secretário de segurança urbana, o então coronel Zé Roberto, fizemos 152 ações de fiscalização em sete meses”, relata o vereador. “Mas não era uma política da Prefeitura, era uma iniciativa pessoal. O Doria não estava nem aí. Depois que fui demitido, acabou.”
Um dos casos descritos no dossiê é a destruição das áreas de manancial que abastecem as represas do sistema Guarapiranga-Billings, do qual saem cerca de 20% das águas que alimentam a Região Metropolitana de São Paulo.
O gabinete de Natalini apresentou à Prefeitura e ao governo estadual documentos que provam a devastação da Mata Atlântica e seus impactos, mas não foram tomadas medidas contra a venda de lotes na região.
Outro lado
A reportagem apresentou os questionamentos e críticas à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, que respondeu por meio de nota após a publicação desta matéria. O texto foi atualizado no dia 5 de novembro de 2020. Confira a nota:
"A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) e da Secretaria Municipal das Subprefeituras, informa que até o final dessa gestão serão plantadas 208.799 árvores. Até o mês de setembro/2020 já foram plantadas 172.335 árvores.
Hoje, a cidade conta com 108 parques municipais. O Parque Nair Belo teve sua primeira parte entregue em junho. O Parque Nascentes do Ribeirão Colônia foi entregue no mês de fevereiro. O Parque Jardim Primavera está com obras concluídas e aguarda decisão judicial para sua abertura. Ainda existe a previsão de entrega de mais 7 parques até dezembro/20.
Foram revitalizados até julho de 2020 18 parques e mais 33 parques até dezembro de 2020.
Sobre a fiscalização nas áreas de proteção ambiental, a Guarda Civil Metropolitana informa que desde janeiro de 2017 até setembro de 2020, foram realizadas 79.081 rondas em perímetros ambientais; 18.039 rondas náuticas (área de represa); 4.964 ações envolvendo ocupações irregulares; 507 atividades envolvendo desfazimentos; 1776 ações de combate contra ações que coloquem em risco o meio ambiente afetando a flora, fauna e o solo.
Além disso, as subprefeituras das regiões que envolvem áreas de proteção ambiental fiscalizam locais invadidos para aplicação de sanções administrativas. Em casos de loteamentos irregulares ou invasões de área pública, as administrações regionais atuam no desfazimento das construções, desde que não habitadas. Se habitadas, o procedimento é solicitar a reintegração de posse via judicial.
Ainda nesse sentido, o município ampliou o escopo da Operação Integrada Defesa das Águas (OIDA), programa desenvolvido em parceria com o governo do Estado que tem como objetivo proteger, controlar e recuperar áreas ambientais e de mananciais indevidamente ocupadas, para tornar ainda mais eficiente o combate e o processo de recuperação de apropriações ilegais na cidade de São Paulo. Na reorganização da OIDA foram previstas novas atribuições a Secretarias Estadual de Segurança Pública para permitir a utilização do sistema de inteligência da Polícia Civil, também se assegurou a participação da sociedade por meio de entidades civis organizadas.
Ao mesmo tempo, a administração municipal está implementando várias medidas para estimular a preservação das áreas de interesse ambiental e de mananciais. Uma delas é o Plano de Pagamento por Serviços Ambientais, que prevê uma remuneração para quem detiver e assegurar a conservação dessas áreas, além da aquisição de um sistema de validação e refinamento de alertas de desmatamento de vegetação nativa com imagens de alta resolução em todos os biomas brasileiros.
Para compreender melhor a cobertura vegetal da cidade e atualizar seus dados, a Prefeitura realiza o Mapeamento Digital da Cobertura Vegetal, capitaneado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). O estudo utiliza imagens infravermelho de alta resolução espacial para identificação da vegetação mesmo em áreas sombreadas.
Ele auxiliará na definição de cenários de enfrentamento às Mudanças Climáticas, além de apoiar a elaboração de outros dois planos: Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (PLANPAVEL) e o Plano Municipal de Conservação e Recuperação de Áreas Prestadoras de Serviços Ambientais (PMSA).
Programas e Planos da Municipalidade voltados para atender às questões de sustentabilidade da Prefeitura de São Paulo:
PMMA - Programa Municipal da Mata Atlântica: já concluído, aponta ações prioritárias e áreas para a conservação, manejo, fiscalização e recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade da Mata Atlântica, baseando-se no mapeamento de remanescentes existentes na cidade de São Paulo.
PLANPAVEL - Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres: seu objetivo é definir uma política de gestão e provisão de áreas verdes e de proteção do patrimônio ambiental do Município de São Paulo, conforme determina o Plano Diretor Estratégico.
PMAU - Plano Municipal de Arborização Urbana: Já concluído e disponível no site da SVMA. O PMAU objetiva definir o planejamento, implantação e manejo da arborização urbana no Município. Norteia diretrizes ambientais para a gestão municipal, compatibilizando-se com outros instrumentos de planejamento e gestão do uso e ocupação do solo.
PMVA - Programa Município Verde Azul: de iniciativa do Estado, procura estimular e auxiliar as prefeituras paulistas na elaboração e execução de suas políticas públicas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do estado de São Paulo. A cidade de São Paulo é signatária do programa.
Plano de Ação Climática: é um documento estratégico que demonstra como a cidade de São Paulo alinhará suas ações com os compromissos do Acordo de Paris, combatendo o aquecimento global a partir da mitigação dos gases de efeito estufa. Nosso Plano conta com a parceria do C40."
Edição: Rodrigo Chagas