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Plano de volta às aulas em SP ignora escolas de periferias, alertam educadores

Para lideranças e professores, escolas integradas às comunidades tiveram papel fundamental na contenção da covid-19

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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Caso reabertas, escolas podem disseminar ainda mais o coronavírus nas periferias, apontam especialistas - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Antes da volta às aulas, há que existir um pacto para reformular o modelo de educação guiado por interesses empresariais. Esse é o consenso entre lideranças comunitárias e professores que conversaram com o Brasil de Fato sobre a iminência do retorno às aulas presenciais no Estado de São Paulo. 

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Em comum, atuarem em projetos que integram escola e território nas periferias e que apontam para um novo caminho para a educação no pós-pandemia. 

José Genário Pereira de Araújo é diretor da União de Núcleos e Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS). Ele participou da construção do projeto educacional que transformou internacionalmente Heliópolis em uma referência de bairro educador. 

Durante a pandemia,a liderança comunitária conta que o Centro de Educação Unificado Heliópolis tem sido um equipamento fundamental para a comunidade, especialmente pela distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI´S)  e pelas ações educacionais nas ruas e vielas de Heliópolis, em parceria com as Unidades Básicas de Saúde.

Para o Educador Social, porém, o plano para o retorno das atividades nas escolas não condiz com a realidade da comunidade.

“No protocolo a questão de higiene, do cuidado, de passar álcool, fazer isolamento é primordial. O protocolo faz uma coisa e as ações que a Prefeitura adota vem de outra vertente. Antes de pensar na retomada das escolas, poderia se pensar num pacto pela educação, que envolvesse políticos, religiosos, a sociedade de uma forma geral, para repensar esse modelo de educação que já não servia”, opina Genário. 

Divulgado este mês, um levantamento feito pela Rede Nossa São Paulo e apresentado na segunda semana de setembro, mostrou que 81% dos moradores da cidade são contra a volta às aulas presenciais em 2020.

No Capão Redondo, Lucas Archanjo é professor de história da rede estadual e desenvolve com jovens das escolas da comunidade o projeto de literatura marginal Saraupovo. Ele conta que a Escola Beatriz de Quadros Leme, onde leciona, já era renegada antes mesmo da pandemia.

“As escolas de maior vulnerabilidade social, como a minha no Parque Fernanda, a escola Renata Graziano, escolas que nós conhecemos, que já tinham problemas de goteira, mofo, escolas de lata. Imagina que nós já estávamos denunciando esse sucateamento, e agora em um toque de mágica, elas se tornarão escolas de primeiro mundo e vão seguir os protocolos da OMS? Os pais mesmo estão dizendo, 98% por exemplo dos pais, que não vão mandar seus filhos”, revela Archanjo.

Mas mesmo com problemas estruturais, o professor considera que as instituições de ensino tiveram papel fundamental na contenção ao avanço do vírus. 

“Com as escolas, nós conseguimos fazer a triagem dos alunos, das necessidades econômicas das famílias que estavam com dificuldade financeira. Conseguimos assistir alunos com problemas psicológicos. A escola foi a ponte entre as famílias e os postos de saúde, se tornou também uma fonte de informação sobre o que estava acontecendo”, revela. 

Recentemente, um estudo realizado pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelou que 93,4% das unidades escolares no Estado de São Paulo teriam de ser adequadas para obedecer ao distanciamento mínimo de 1,5 m entre os alunos, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dentre outras carências de estrutura mostradas no estudo, 99% não possuem enfermaria, consultório médico ou ambulatório. 

Conforme último anúncio do governador João Dória, a volta às aulas do Ensino Médio está liberada a partir de 7 de outubro e do fundamental a partir de 3 de novembro. A adesão depende do aval das Prefeituras e que cada unidade apresente um plano de retomada das atividades. 

A volta segue o plano do avanço da flexibilização da quarentena, o Plano São Paulo, que divide em cores os municípios com base no número de infecções pela Covid-19 e de leitos hospitalares disponíveis. A estimativa do Governo é que no dia 7 de outubro o estado inteiro já estará há 28 dias na fase amarela do Plano.

Para a socióloga Helena Singer, que se especializou no estudo da relação entre escola e território, o apelo mais incisivo de gestores para o regresso das aulas presenciais vai na contramão da readequação ao modelo escolar vigente. 

“Os governos, setores da imprensa, da sociedade civil, as empresas da área de educação ficam impactadas com o risco. E se a partir disso, de repentes, se revoluciona o sistema escolar com outras bases, com outras referências, em que todo aquela automatismo do formato da escola como a gente conhece, com as salas de aula com aulas de 50 minutos e 40 alunos, rui por terra”, considera a ex-assessora do MEC.

Para Singer, durante a pandemia, as escolas que tinham engajamento na sua comunidade assumiram um papel de se comprometer primeiramente com a vida. 

“Elas se comprometeram não em garantir que o currículo que antes era dado em um formato continuasse imediatamente em outro formato, mas em primeiro lugar que todas as crianças, todos os estudantes, tivessem acesso ao básico, e foram atrás das famílias. As escolas que têm esse vínculo com a comunidade foram capazes", afirma a especialista.

Outro lado 

Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação, diz seguir as recomendações das autoridades de saúde e aguardará a 4ª fase do inquérito sorológico com crianças e adolescentes para o retorno gradual das atividades, esclarecendo que o retorno das aulas ainda não foi definido.

 A gestão municipal afirma também que já iniciou medidas que incluem a “aquisição de 760 mil kits de higiene, 2,4 milhões de máscaras de tecidos, 6,2 mil termômetros digitais e 75 mil protetores faciais” e um investimento de R$ 32,1 milhões, contando também com a compra de 450 mil tablets para serem distribuídos aos estudantes da rede que frequentam o Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio. 

O Brasil de Fato entrou em contato também com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para questionamentos sobre os assuntos levantados, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem. 






 

Edição: Rodrigo Durão Coelho