ELEIÇÕES BOLÍVIA

O que muda na disputa presidencial da Bolívia com a saída da interina Áñez

Após adiar as eleições e ser acusada de corrupção por desvio de recursos do combate à pandemia, Áñez desiste da disputa

Caracas (Venezuela) |

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Jeanine Áñez assumiu a presidência no dia 12 de novembro de 2019 de maneira interina e ocupava o quarto lugar nas pesquisas prévias às eleições de 18 de outubro. - Reprodução

Faltando cerca de um mês para o processo eleitoral, a presidenta interina da Bolívia, Jeanine Áñez anunciou nesta quinta-feira (17) que abandonará sua candidatura. Como justificativa, a quarta colocada nas pesquisas de opinião, afirma que não quer dividir os setores opositores ao Movimento Ao Socialismo (MAS).

"Não é um sacrifício, é uma honra e o faço diante do risco de dividir o voto democrático entre vários candidatos e que ,como consequência, o MAS acabe ganhando a eleição", afirmou em uma tranmissão com representantes do seu gabinete.

Depois de 10 meses do golpe de Estado que levou à renúncia de Evo Morales, os candidatos do MAS, Luis Arce e David Choquehuanca, lideram todas as pequisas de opinião com cerca de 26% da intenção de votos para as eleições do dia 18 de outubro, dez pontos a mais que o segundo colocado, Carlos Mesa.

"Está claro que o preço da sua nova aliança é a impunidade pelos escandalosos casos de corrupção em meio à pandemia, pelo genocídio de Senkata e Sacaba, pelo economicídio a que submeteu o país", denunciou o ex-presidente boliviano, Evo Morales, em seu perfil no Twitter.

O gesto de Jeanine Áñez foi reconhecido por outros postulantes do campo conservador. Carlos Mesa, do partido Comunidad Ciudadana, e María de la Cruz Bayá, do partido Acción Democrática Nacionalista, sinalizaram disposição para o diálogo.

Já Luis Fernando Camacho, da aliança Creemos, protagonista dos atos violentos que levaram à destituição do governo constitucional boliviano, em novembro de 2019, considera que a desistência de Áñez visa fortalecer o MAS e representa a derrota da interina. "O povo está cansado da velha política e da corrupção, por isso retirou seu apoio à Jeanine Áñez", afirmou em uma postagem na rede social.

 

A esquerda boliviana saiu unificada nessa disputa eleitoral com a candidatura do MAS-IPSP, enquanto os setores conservadores, que se uniram para derrubar a gestão de Evo Morales e Álvaro García Linera em 2019, lançaram sete candidatos.


Candidato à presidência da Bolívia Luis Arce e David Choquehuanca / Reprodução

Diante do mau desempenho nas últimas semanas, várias figuras da oposição pressionavam a Áñez a abandonar sua candidatura para se "concentrar na gestão do país". 

Até a Conferência Episcopal da Bolívia se pronunciou acusando a interina de não cumprir promessas de combate ao coronavírus e afirmou que seu mandato transitório se preocupa apenas em ocupar as instituições públicas "com a sua gente".

A Bolívia é o sétimo país mais afetado pela covid-19 na América Latina, com 128,8 mil infectados e 7,4 mil falecidos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em seu pronunciamento, Áñez foi enfática na oposição ao Movimento ao Socialismo. "Se não nos unimos, volta Morales. Se não nos unimos, a democracia perde, a ditadura ganha. Em suma, hoje deixo de lado minha candidatura em homenagem à liberdade e à democracia", afirmou.

Áñez adiou eleições por três vezes e foi acusada de corrupção

Se analisamos os dez meses de gestão desde que assumiu a presidência no dia 12 de novembro de 2019, Áñez tinha a tarefa de convocar novas eleições gerais em um prazo de 120 dias, já que chegou ao governo transitório, depois da anulação por suposta fraude no processo eleitoral que deu a Evo Morales sua quarta reeleição, com 47% dos votos, no dia 20 de outubro do ano passado.

No entanto, essa convocatória nunca se efetivou. Áñez nomeou um novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral no dia 25 de novembro, Salvador Romero, que propôs realizar eleições no dia 3 de maio de 2020.

No entanto, essa data também não foi respeitada e o processo foi adiado em outras duas ocasiões: do dia 3 de maio para 2 de agosto, depois do dia 2 de agosto ao 6 de setembro e por fim ao 18 de outubro.

A última data foi amparada por uma lei que prevê a imobilidade das eleições, fruto de semanas de manifestações que bloquearam as 100 principais autopistas do país exigindo respeito à democracia. 

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Além de ser acusada de manipular a data das eleições para evitar uma possível vitória da esquerda, Áñez também foi denunciada por casos de corrupção na compra de equipamentos durante a pandemia. 

O ex-ministro de saúde, Marcelo Navajas foi um dos funcionários da gestão interina detidos pela compra superfaturada de respiradores. 

Segundo investigações do Ministério Público, o Estado desembolsou 2,2 milhões de dólares para a compra de 170 respiradores, um preço estimado em 300% acima do valor de mercado. 

Jeanine Áñez também nomeou seu genro, Mohammed Mostajo como "embaixador da ciência", responsável por direcionar compras do Estado boliviano com empresas privadas nacionais e internacionais. 

Enquanto isso, aumentaram as denúncias na Bolívia sobre a subnotificação de infectados e a falta de estrutura sanitária e funerária. Em algumas regiões, como na província de Cochabamba, La Paz e Santa Cruz, centenas de cadáveres foram abandonados nas ruas ou em fossas comuns pelo colapso do sistema funerário. 

Ainda, na última quinta-feira (18), a Defensoria Pública concluiu que a repressão policial no município de Senkata, região de El Alto, província de La Paz, poderia ser classificada como um massacre. 

Nos dias 15 e 19 de novembro, Áñez enviou tropas da polícia e do exército nacional para reprimir manifestações que denunciavam o golpe de Estado nas localidades de Senkata e Sacaba. Ao menos 20 pessoas faleceram e centenas foram feridas pela ação militar. 
 

Edição: Leandro Melito