Desde que iniciou o mandato até julho de 2020, o governo de Jair Bolsonaro interferiu 138 vezes no trabalho da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). É o que indica um dossiê realizado pela Comissão de Empregados da EBC, em parceria com sindicatos e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com denúncias de “censura ou governismo” em pautas e matérias da empresa realizadas de janeiro de 2019 a julho de 2020.
A EBC é pública. Isso significa que passam-se os governos, mas o trabalho da empresa estatal continua a ser independente de partidos e orientações políticas. Não é esta, no entanto, a orientação do governo do capitão reformado quanto à EBC: houve censura à cobertura do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, de violação de direitos indígenas, bem como interdição de fontes como Anistia Internacional e Human Rights Wacth, de acordo com o dossiê.
Segundo Márcio Garoni, diretor da Fenaj e jornalista da EBC, quando políticas públicas do governo são abordadas, não existe, por exemplo, a visão do contraditório, “que é essencial ao jornalismo em qualquer lugar”. Ao contrário, “ganhou muita relevância o papel de exibir as políticas do governo, mas perdeu relevância nos veículos da EBC o papel mais crítico, que também é dever nosso”.
Nesse movimento, publicações com exaltações às figuras dos ministérios acabaram ganhando espaço. “Qualquer repercussão mais crítica que esteja acontecendo, os colegas têm muita dificuldade de fazer essa cobertura, principalmente no caso desses ministérios que são mais ideológicos do governo. São ministérios muito protegidos”, como o Ministério da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. “No noticiário, a gente não conseguia trazer críticas”, afirma o jornalista.
Ainda de acordo com o dossiê, outros temas como o desmatamento na Amazônia, queimadas no Pantanal e óbitos por covid-19 sequer foram pautados.
Intervencionismo desde o governo Temer
De acordo com Garoni, o trabalho da EBC tem sido comprometido por interferência governamental desde o mandato de Michel Temer. “Já havia tido um problema no governo Temer, mas com o governo Bolsonaro essa questão se intensificou. Com essa perspectiva de denunciar essa questão, a gente criou a segunda edição do dossiê de censura”, explica Garoni sobre o que levou aos funcionários a criarem o documento.
A primeira edição do dossiê mostrou 61 denúncias de censura e governismo, entre o mês de outubro de 2016 e a terceira semana de julho de 2018, a maior parte do governo Temer, que ficou no poder entre 31 de agosto de 2016 e 31 de dezembro de 2018.
Garoni explica que a EBC tinha mecanismos de controle social, como um conselho curador, mas que deixou de existir no governo Temer. “Com isso, a empresa perde esses mecanismos.”
“A EBC tem um braço que é institucional, que é estatal mesmo, que faz prestação de serviço do governo federal. Mas tem um braço que é público também. Então, o jornalismo e a programação têm esse papel de caráter público de servir a sociedade, e isso tem sido comprometido”, conclui Garoni.
O dossiê será lançado na próxima semana e será enviado para autoridades e órgãos públicos como forma de denúncia contra o governo Bolsonaro.
A EBC foi criada em 2008, durante o segundo mandato do ex-presidente Lula (PT). A empresa é responsável por diversos programas em diferentes plataformas, entre eles TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro, Rádio Nacional AM de Brasília e Rádio Nacional do Alto Solimões. A EBC também é responsável pela produção do tradicional programa de rádio “A Voz do Brasil”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho