Conteúdos sobre o período da ditadura militar, como um especial sobre os 50 anos do golpe de 1964, publicado em 2014, assim como uma reportagem sobre a vida do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos militares em 1975, foram retirados do site da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
A Comissão de Empregados da empresa cobrou explicações da direção do órgão sobre a perda de conteúdos especiais na mudança do antigo portal (www.ebc.com.br) para o novo endereço (www.memoria.ebc.com.br). Segundo os trabalhadores, não foi feito o redirecionamento adequado, uma vez que o conteúdo migrado não está disponível.
Agora, até mesmo outros sites que já republicaram reportagens e deram os créditos à EBC estão com os links “quebrados”. É o caso de uma reportagem publicada pela empresa com exclusividade, em que o deputado Rubens Paiva - desaparecido em 1971 após ser preso pelos militares - defende o governo João Goulart na Rádio Nacional no momento em que os militares tomavam o poder.
A reportagem que resgatou o áudio com a fala de Paiva, encontrado no acervo da Rádio Nacional, foi reproduzido por veículos como o portal UOL, mas não está mais disponível no site da EBC.
Ainda segundo a comissão, a empresa não explicou aos trabalhadores o motivo da mudança no site. “A Comissão entende que o conteúdo produzido pela casa faz parte da memória da EBC e é um serviço público prestado aos brasileiros e brasileiras. Qualquer tentativa de esconder essa memória é uma violência contra os trabalhadores e trabalhadoras e contra o público, já que uma das missões da empresa é promover o direito à informação”, diz o texto da comissão.
Depois do impeachment, os rumos mudaram
De acordo com a comissão, em um artigo publicado no Brasil de Fato, em maio deste ano, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, “os rumos editoriais do veículo foram apropriados pelo governo que tomou posse”. Os trabalhadores relatam que algum controle por parte da Secretaria de Comunicação da Presidência da República sempre existiu, mas no governo de Michel Temer a situação se agravou.
“As matérias que desagradavam ao governo passaram a sofrer censura, temas considerados sensíveis e críticas deixaram de ser publicados, notadamente os ligados às editorias de direitos humanos, meio ambiente e cultura.”
No dia 15 de julho deste ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciou censura em relação à cobertura da pandemia de covid-19 sobre a situação dos povos indígenas.
Segundo nota divulgada pela articulação, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que colocou a empresa em sua lista de privatizações, vem atuando a fim de proibir as denúncias de violações de direitos humanos e tem adotado apenas a posição do governo ao noticiar a incidência da doença entre a população indígena, sem garantir o contraditório.
"O governo federal tem atuado para que os veículos jornalísticos da EBC deixem de denunciar violações de direitos humanos e sequer garantam o contraditório. Nos últimos quatro meses, contados a partir da declaração do estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o que se observa é que os veículos da empresa têm assumido um tom excessivamente governista, completamente apartado da função social que deveriam cumprir", diz o texto.
Com a eleição de Bolsonaro para a Presidência, a situação piorou. A direção foi ocupada por militares, “que em sua apresentação disseram que esperam dos empregados 'o divino dever de servir'”.
Enquanto o presidente da EBC, general Luiz Carlos Pereira Gomes, diz em texto institucional que “o material publicado [pela Agência Brasil] é resultado de um trabalho de apuração minuciosa feito por uma equipe qualificada e experiente e que tem consciência da importância de informar a sociedade com exatidão e imparcialidade”, a realidade vivida pelos trabalhadores é bem diferente.
Privatização
Quanto à privatização, com o decreto 10.354, do dia 21 de maio deste ano, o presidente Bolsonaro colocou a EBC no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República, que foi criado em 2016 com o objetivo de fortalecer contratos com a iniciativa privada. Logo após a publicação do decreto, a "Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública" soltou uma nota em repúdio à decisão de Bolsonaro.
O Brasil de Fato entrou em contato com a EBC para falar sobre a queixa apresentada pela Comissão de Empregados da EBC quanto às mudanças nos sites. A empresa não respondeu até a publicação desta reportagem.
Edição: Leandro Melito