Os presos do Centro de Detenção Provisória (CDP) II de Osasco, em São Paulo, enfrentam a pandemia do novo coronavírus em condições extremamente precárias.
Segundo inspeção feita pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Nesc) no dia 20 de agosto, os detentos estão em celas superlotadas, não têm o direito ao banho de sol respeitado e receberam apenas duas máscaras da unidade desde o início do isolamento. As informações foram obtidas com exclusividade pelo Brasil de Fato.
Um teste em massa foi realizado no mês de julho e as mais de 300 pessoas presas que testaram positivo foram isoladas durante 15 dias em um local superlotado, conforme informado pela unidade prisional aos defensores.
Leonardo Biagoni, coordenador do Nesc, afirma que outros presídios de São Paulo que também fizeram o teste em massa têm registrado cerca de 40% de diagnósticos positivos para a doença. Boletim da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) divulgado nesta quinta (3) contabiliza 5.880 casos e 24 óbitos em todo o estado.
“No CDP de Osasco II chamou a atenção o fato das pessoas que testaram positivo para doença terem ficado isoladas em um pavilhão com quase 400% de superlotação. Em um pavilhão onde caberiam 96 pessoas, ficaram 350 por mais de duas semanas sem direito sequer ao banho de sol, amontoadas. Uma situação que não é adequada para uma pessoa que está confirmada com a doença”, critica Biagioni.
As pessoas presas informaram que não há testagem no ingresso da unidade prisional e que muitas que fizeram o teste PCR não sabem do resultado. Um dos detentos que testou positivo informou aos defensores que tem sequelas da doença, como perda de olfato e paladar.
Os presos do CDP II de Osasco também relataram que o acesso à água tem sido absolutamente insuficiente para as necessidades diárias. Em alguns pavilhões, há racionamento de água das 18h às 06h, o que compromete a higienização dos detentos, que afirmaram receber apenas um sabonete por mês e a ausência completa de entrega de papel higiênico.
Em relação aos produtos de limpeza das celas, a inspeção do Nesc constatou que um galão de desinfetante diluído é entregue uma vez por mês e em pequena quantidade, apesar da recomendação das autoridades de saúde para uso de água sanitária na limpeza preventiva ao covid.
Durante a visita do órgão, motivada por denúncias de familiares, os presos foram unânimes em afirmar que só receberam um conjunto de peça de roupa que não são repostas ou substituídas. Dessa forma, só é possível higienizar as peças ficando nu.
Os presos também são obrigados a dividir colchões e cobertas por falta destes. Os cobertores, geralmente divididos por duplas, não podem ser higienizados por se degradarem após a lavagem.
O defensor Leonardo Biagioni ressalta que as medidas de prevenção à covid-19 orientadas pelas autoridades sanitárias são impossíveis no CDP II de Osasco. O isolamento social, por exemplo, é impraticável: há relatos de 47 pessoas em uma única cela, com 16 pessoas dormindo no chão.
“Uma situação bem lamentável. Muita gente reclamou da ausência do atendimento médico e neste período de pandemia onde se faz mais necessária ainda a prevenção, a saúde das pessoas custodiadas tem sido negligenciada na unidade prisional”, lamenta ele.
Foram constatadas várias pessoas com doenças de pele, que informaram não conseguir o atendimento adequado e descaso da enfermaria para as demandas de saúde, principalmente aos fins de semana.
O Nesc também registrou relatos de ausência de medicamento adequado, além de presos que alegaram serem obrigados a assinar recibos de medicamentos, sem receberem depois.
Nos casos em que a família realiza a compra e a entrega do medicamento na unidade, os presos afirmam que os remédios demoram a ser disponibilizados ou mesmo não são entregues.
Sem notícias
Do lado de fora, Cláudia Souza* teme pela saúde de seu filho, de 23 anos, que está há quatro meses na unidade. A falta de informações e o pensamento de que seu filho pode ser infectado pelo coronavírus a qualquer momento é o que mais lhe aflige.
“Eles [o CDP] não divulgam nada, são extremamente grossos com a gente. Sabemos que eles não têm tratamento lá dentro com a covid. Tá todo mundo infectado. Não temos acesso a nada. Eles só falam 'está bem'. Eles fizeram um raio só de covid e colocaram eles na cela amontoados. É assim que eles tratam os presos com covid”, afirma Souza.
“A situação está caótica, crítica em todos os sentidos. Não sabemos o que eles estão fazendo com os que estão doente. Tem restrições de remédio, não tem médico”, denuncia.
Há quase dois meses, Natália Rocha* também enfrenta noites mal dormidas em meio à pandemia. Segundo ela, seu irmão foi detido e encaminhado para o CDP Belém e, alguns dias depois, transferido para a unidade em Osasco.
O jovem se feriu durante a abordagem e recebe a ajuda dos demais presos no cotidiano.
“O pessoal lá dentro não atende nenhum deles. Nem quem tá com problema respiratório, com dor de cabeça, nem com nada. É descaso. Meu irmão disse que na cela onde ele está mal dá pra se mexer de tanta gente que tem. Qualquer um deles pode pegar a covid”, diz Natália, manifestando preocupação com a saúde de seu irmão.
“[Ele pode ser infectado] Não só pelo coronavírus mas corre o risco de pegar infecção. Ele está com uma ferida exposta, com pontos inflamados, em um lugar insalubre, sem tratamento nenhum. Não estamos pedindo muito. Estamos pedindo o direitos deles e os nossos. São coisas básicas que eles não estão tendo”, acrescenta.
Suspeita
No dia 18 de agosto, dois dias antes da inspeção da Defensoria, um preso de 21 anos, que cumpria pena havia 8 meses no CDP II de Osasco, faleceu. Ele iria para o regime semi-aberto em 11 dias.
Segundo Sibelle Mauricio, namorada de Ildivan Neves dos Santos, ela e a família do jovem foram informadas de que ele teria sido encaminhado para a enfermaria com fortes dores abdominais, problemas nos rins e nos pulmões.
O laudo do Instituto Médico Legal (IML) afirma que há suspeita de morte em decorrência da covid-19 mas a confirmação estará disponível apenas em 90 dias. Ela diz ainda que o IML atesta que Ildivan veio a óbito dentro da unidade prisional, enquanto o CDP afirma que ele foi teria vindo à óbito no Hospital Regional de Osasco.
Porém, Mauricio acredita que a morte não foi causada pela pandemia e sim por negligência da unidade em relação à diabetes de Idilvan, diagnosticada desde os 11 anos.
Na última carta enviada à namorada, no dia 28 de julho, Ildivan escreveu que não estava se sentindo bem devido à doença crônica e que recebeu auxílio apenas dos companheiros de cela. O jovem também afirmou que havia testado negativo para o coronavírus.
Sibelli só soube do falecimento após ligar na unidade. “Eu tenho certeza que eles não deram assistência médica. Quando a diabete dele ficava alta ou muito baixa, ele ficava muito ruim a ponto de ter convulsão com risco até de parada cardíaca. De qualquer forma, foi negligência deles”, denuncia.
Comunicação comprometida
As visitações aos presídios estão proibidas desde março deste ano devido à pandemia. Sessões virtuais com os familiares foram implementadas pelas unidades prisionais, porém, os presos do CDP II de Osasco alegaram ao Nesc que o tempo da videochamada de 5 minutos acaba sendo ainda menor porque a ligação é iniciada antes deles sentarem e iniciarem a conversa.
:: Mesmo com visita proibida em presídios, PMs detidos recebem amigos e familiares ::
O relatório destaca ainda que após 2 tentativas, caso a família não atenda, o contato só será reestabelecido em outro momento. As pessoas presas relataram que os e-mails enviados pelos familiares têm chegado até eles, mas não as respostas para as famílias.
A Secretaria de Administração Penitenciária negou todas as alegações. Leia a íntegra da resposta:
Informamos que no Centro de Detenção Provisória II de Osasco o fornecimento de água é ininterrupto e, caso haja algum problema no abastecimento por parte da empresa fornecedora, a unidade conta com uma caixa d'agua principal com capacidade aproximadamente de 280 mil litros para suprir a demanda até o reestabelecimento do fornecimento de água.
Todos os presos receberam duas máscaras reutilizáveis (não descartável) e, ainda, são fornecidas máscaras descartáveis. Os kits com os materiais fornecidos são entregues aos detentos quando entram na unidade e durante a permanência os itens são repostos quando solicitado. Estão em fase de confecção mais cinco mil máscaras reutilizáveis para serem distribuídas aos presos.
Os kits de higiene também são entregues quando um preso dá entrada no CDP e os itens são repostos de acordo com a necessidade. Os materiais de higiene pessoal e higiene das celas estão sendo reforçados constantemente nesse momento de pandemia.
Os presos da unidade usufruem de aproximadamente sete horas de banho de sol diário. Eles são liberados todos os dias às 07h30, sendo recolhidos por volta das 11h30min até às 12h30min para alimentação, depois saem de novo e devem retornar do pátio no período da tarde, às 15h30min.
Na unidade há 64 presos confirmados com Covid-19 por exame PCR e 313 que testaram positivo em Teste Rápido, todos já curados e retornaram ao convívio e 3 com suspeita sem confirmação que estão isolados. Nos casos suspeitos entre os presos, o paciente é isolado e a Vigilância Epidemiológica local é contatada. Os servidores em contato com o paciente devem usar mecanismos de proteção padrão, como máscaras e luvas descartáveis. Se confirmado o diagnóstico, além de continuar seguindo os procedimentos indicados, o preso será mantido em isolamento na enfermaria durante todo o período de tratamento.
A Pasta tem realizado busca ativa para casos similares a Covid-19 em toda a população prisional. Estamos seguindo ainda as determinações do Centro de Contingência do coronavírus e avaliamos permanentemente o direcionamento de ações para o enfrentamento do problema. Medidas de higiene e distanciamento preconizados pelos órgãos de saúde foram aplicadas, foram suspensas as atividades coletivas; a limpeza das áreas foi intensificada; a entrada de qualquer pessoa alheia ao corpo funcional foi restringida; foi determinada a quarentena para os presos que entram no sistema prisional; realizado o monitoramento dos grupos de risco; ampliação na distribuição de produtos de higiene, álcool em gel e sabonete e distribuição de Equipamentos de Proteção Individual.
*Os nomes foram alterados a pedido das famíliares por medo de represálias
Edição: Rodrigo Durão Coelho