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Para Cuba, EUA prioriza sanções externas ao invés de tratar suas vítimas de covid-19

Em artigo, chancelaria cubana questiona ações estadunidenses em meio à atual crise sanitária

Tradução: Carmen Diniz

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O governo dos EUA se propõe a punir aqueles que, com muito menos recursos, têm sucesso em enfrentar a pandemia - Yamil Lage/AFP

Em um artigo publicado originalmente no site do Ministério de Relações Exteriores de Cuba (MINREX), Carlos Fernández de Cossío,  diretor-geral do Ministério para os EUA, analisa o aumento das sanções estadunidenses à ilha caribenha em meio à pandemia do novo coronavírus.

Ele questiona a escolha do governo de Donald Trump de destinar recursos para ampliar a campanha de bloqueio a Cuba neste momento de crise sanitária.

Para o autor, os EUA, ao invés de dedicarem seus recursos e abundantes talentos profissionais e científicos para salvar sua própria população, sua própria economia e empregos, se propõem "a punir aqueles que, com muito menos recursos, têm sucesso em enfrentá-la", como é o caso de Cuba.

O funcionário da chancelaria cubana ainda reforça que o enfrentamento à pandemia em Cuba só tem sido bem-sucedido devido ao sistema de saúde robusto e igualitário do país.

Ele também considera "paradoxal" que as arremetidas dos EUA para levar a ilha ao colapso tenham demonstrado, ao longo das últimas seis décadas, "a resistência do sistema socialista".

Confira, abaixo, o artigo completo:

A decisão mais determinante do governo dos Estados Unidos a respeito de Cuba, no marco da pandemia, foi categórica: aproveitar a inevitável propagação universal do vírus para aumentar o custo do bloqueio econômico e tentar, assim, aumentar as carências e provocar o sofrimento do povo cubano.

Em momentos em que, de todos os cantos do planeta, houve um chamado à solidariedade e à cooperação, Washington apostou que a doença, seu contágio virulento, as possíveis mortes previsíveis e o agravamento das dificuldades econômicas em Cuba fossem seus aliados de ocasião.

Longe de dedicar os recursos e o talento profissional e científico que abundam no país e orientá-los para salvar sua própria população do contágio de covid-19, da morte e das nefastas consequências da pandemia para a economia e o emprego, o governo dos EUA se propõe a punir aqueles que, com muito menos recursos, têm sucesso em enfrentá-la. O país mais rico e poderoso, entretanto, por pura negligência política, acabou na injustificável posição de epicentro da pandemia.

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Segundo declarações recentes dos funcionários especiais do Departamento de Estado para os assuntos cubanos, a política estadunidense neste período tem consistido em restringir as fontes de rendimento econômico de Cuba e obrigar a população a enfrentar carências ainda maiores, para, em seguida, apresentá-las como deficiências do modelo político e econômico cubano.

Os Estados Unidos reconhecem, sem a mínima vergonha, terem desatado uma campanha de difamação contra a cooperação médica internacional que prestamos. Uma campanha que se sustenta com ameaças e chantagens contra os países que solicitam e recebem nossa cooperação. Alardeiam, além disso, estar desencorajando os viajantes para impedir os legítimos recursos da indústria turística cubana.

Estas ações, no entanto, não descrevem mais que uma fração da guerra econômica devastadora e persistente que nós, cubanos, sofremos.

No contexto do oportunismo eleitoral e da ênfase outorgada ao peso aparente do estado de Flórida, a Casa Branca alimenta sua ofensiva com uma intensa campanha de propaganda, dirigida a motivar ânimos de ódio, ressentimento e ilusões de revanche entre determinados setores de estadunidenses de origem cubana, cujos votos tratam de capturar.

Com o respaldo de fundos milionários e o uso intensivo das redes sociais e laboratórios de propaganda, a máquina de difusão estadunidense se esforça para apresentar Cuba como um país inviável, decadente, com uma miséria estendida e, curiosamente, merecedor de ações cada vez mais hostis para tornar realidade o panorama desolador que descreve.

Para empreender uma agressão tão ambiciosa, o imperialismo se vê obrigado a usar a mentira da forma mais absoluta e desavergonhada. Não é algo que desconhece, pois faz parte de seu modo de fazer política tradicional e é um componente particular da atitude em relação a Cuba na longa história compartilhada desde o final do século XIX.

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Os Estados Unidos não têm direito nem autoridade moral para se propor a interferir nos assuntos internos de Cuba. O país norte-americano comete um crime ao punir a população cubana, em seu conjunto, através de medidas econômicas coercitivas. Assim, transgridem o Direito Internacional e a soberania de Estados terceiros ao impor restrições à atividade comercial de empresas desses países com Cuba, e atenta contra os direitos humanos de vários países ao pretender impedir, com ameaças e represálias, a cooperação médica internacional que oferece Cuba para atender às necessidades sanitárias de suas populações.

Resulta paradoxal que o empenho doentio contra Cuba, com a finalidade de atingir o colapso do país e diminuir a autoridade do esforço solidário cubano, tenha demonstrado, ao cabo de mais de seis décadas, a resistência do sistema socialista.

Ninguém com honestidade pode negar o imenso impacto do bloqueio econômico para a vida cotidiana e o desenvolvimento do país. A Organização das Nações Unidas (ONU) publica anualmente dados de sobra para fundamentar a dimensão do dano.

Muitas vezes, temos nos perguntado, e não de forma retórica, qual outra nação relativamente pequena, subdesenvolvida e de escassos recursos naturais teria suportado durante mais de seis décadas o embate de uma guerra econômica tão prolongada e desigual. É uma pergunta válida, inclusive, para muitos países industrializados.

O sistema socialista, como o entendemos, construímos e defendemos em Cuba, não é perfeito, como não é perfeita nenhuma obra humana.

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No confronto com a pandemia, temos demonstrado sua força indiscutível. Esta repousa, sobretudo, no sentido profundamente humano de um modelo que coloca o bem-estar dos indivíduos e da população, a justiça social e o direito à uma vida totalmente livre de tutela estrangeira acima de qualquer outra consideração.

Cuba conta com a capacidade de mobilizar a nação em função de uma tarefa vital; com a virtude de ter priorizado, há décadas, o desenvolvimento de um sistema de saúde robusto e acessível a todos, absolutamente todos, e um potencial educativo, cultural e científico próprio, com resultados de alcance universal.

Sem essas vantagens, só possíveis sob o socialismo, Cuba não teria os resultados favoráveis e reconhecidos pelo controle do contágio, a recuperação de pacientes, a baixa taxa relativa de mortalidade e a capacidade de prestar auxílio a outras nações. Sem elas, o custo para o país em vidas, doentes e penúrias econômicas seria devastador, como o é em países de nossa própria região. A meta central do sistema político, econômico e social de Cuba é atingir a justiça mais ampla e ambiciosa e tratar de compartilhá-la com outras nações na medida do possível.

A urgência da pandemia nos obrigou a acelerar a implementação de mudanças econômicas e sociais fundamentais que previmos em momentos de menos pressões, todos dirigidos a fortalecer, atualizar e tornar mais eficiente o sistema socialista.

Preferimos impulsionar essas transformações sob um ambiente de paz, mas somos obrigados a aplicá-las, com criatividade, no contexto da mais severa agressão.

Sem o socialismo não seria possível explicar a capacidade demonstrada por Cuba nestes 62 anos para defender sua soberania frente ao desafio histórico do expansionismo imperialista estadunidense e ante a tendência recorrente de políticos desse país que supõem contar com direito de controlar os destinos da nação cubana.

Qualquer observador atento deve se perguntar quais motivos poderiam convencer os cubanos a se dobrar ante a imposição imperialista do ambicioso vizinho que nos ataca.

Os EUA têm e terão, sem direito algum, a capacidade de nos punir severamente, de gerar imensas dificuldades econômicas, de impor obstáculos enormes às nossas legítimas aspirações de desenvolvimento e bem-estar. Eles podem estabelecer impedimentos difíceis de superar aos vínculos que deveriam ser naturais entre as duas nações. Também têm o poder de impor, a alguns outros Estados, seu império extraterritorial de medidas econômicas coercitivas e ilegítimas contra Cuba. É algo comprovado.

Mas também está sendo demonstrado que os EUA, com todo seu poderio, não têm a capacidade de dobrar a vontade desta nação. Sua crueldade, ainda que levada a extremos, não tem a possibilidade de nos fazer renunciar ao socialismo, nem a ceder um milímetro às prerrogativas soberanas e à verdadeira autodeterminação pela qual diversas gerações de cubanos se sacrificaram durante mais de 150 anos.

Em relação aos EUA, temos muitas diferenças, algumas de caráter bilateral e outras sobre visões discrepantes a respeito de assuntos regionais e internacionais. Não faz sentido tentar ignorá-las. Boa parte delas pode ser objeto de uma discussão civilizada.

Também temos áreas de interesse comum e campos que convém, a ambos países, buscar um entendimento e inclusive cooperar. Por outro lado, os vínculos entre os povos de ambos os países continuam se ampliando nos campos mais variados do talento humano, com independência da relação intergovernamental, e parece que será difícil colocar freio nessa realidade.

O destino dirá se, e quando, será possível construir uma relação respeitosa e construtiva entre Cuba e Estados Unidos. A experiência histórica não o exclui, mas também não o garante.

Entre as características mais consistentes da difícil história compartilhada nos últimos 62 anos, está a disposição de Cuba em encontrar uma forma de conviver respeitosamente com os EUA e tentar resolver as diferenças por vias diplomáticas. É uma aspiração que o povo cubano compartilha por esmagadora maioria e que hoje parece longínqua, embora não impossível.

Edição: Luiza Mançano