Passada a aprovação, na quarta-feira (5), da proposta que prevê medidas de socorro a agricultores familiares durante a pandemia, movimentos populares do campo pressionam agora pela sanção do texto, que pode ser chancelado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em até 15 dias. A medida, que tramitou no Congresso Nacional como Projeto de Lei (PL) 735/2020 e deverá se chamar Lei Assis Carvalho, passou quase cinco meses em discussão e resulta de demandas apresentadas por entidades civis.
Em geral, o PL prevê renegociação de dívidas rurais e concessão de benefícios financeiros para fomentar a atividade de pequenos produtores. “Nós não estamos pedindo nada ao Bolsonaro. Estamos exigindo, porque quem tem fome tem pressa. Quem tem fome tem urgência, e nós queremos obter esses créditos pra gente produzir comida. A gente espera que ele seja responsável e tenha o compromisso de sancionar logo”, afirma Rosângela Piovesani, da direção nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
Nós não estamos pedindo nada ao Bolsonaro. Estamos exigindo.
A aprovação da proposta é interpretada pelas organizações como um avanço diante do atual contexto político, marcado pela tentativa de marginalização da luta popular e das necessidades do campo. “É uma grande vitória não só dos movimentos das florestas, das águas e do campo, mas do povo brasileiro, porque estamos tratando de quem mais produz alimento, que somos nós, e, no último período, tivemos muitas dificuldades, com falta de crédito, de assistência técnica, etc. Agora, essa aprovação viabiliza nossa missão de produzir alimentos”, destrincha Piovesani.
Governistas tentaram barrar
O PL nasceu na Câmara dos Deputados, por iniciativa do núcleo agrário da bancada do PT, após uma pauta apresentada por diferentes entidades civis. A articulação engloba, além do MMC, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Articulação do Semiárido (ASA), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Na Câmara, a disputa foi mais árdua. Enquanto os senadores aprovaram o texto em cerca de duas semanas, os deputados passaram quase cinco meses em debates e articulações para tentar fazer o projeto avançar. A barreira principal foi colocada pela equipe econômica do governo, que alegou dificuldades de liberação de novos recursos para auxílio emergencial. Agora, com a aprovação final do PL, os parlamentares envolvidos na luta engrossam o coro pela rápida sanção do texto.
“Como o governo participou das negociações, a gente espera que ele seja sancionado o mais rápido possível. O governo sabe da necessidade, sabe do grave problema em que se encontra a agricultura familiar diante da pandemia e de todas as questões econômicas e sabe do peso da agricultura familiar na geração de empregos e produção de alimentos no Brasil”, afirma o deputado João Daniel (SE), coordenador do núcleo agrário petista.
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Vetos
Nos bastidores, no entanto, uma preocupação figura como fantasma ao redor da pauta: o risco de eventuais vetos presidenciais a algum trecho do PL, cujo conteúdo atende apenas parcialmente às demandas apresentadas de início pelos movimentos populares.
Tecnicamente, o veto expressa uma discordância do chefe do Executivo com algum ponto de uma proposta já analisada e chancelada pelo Legislativo. Previsto no artigo 66 da Constituição Federal e disciplinado por normas internas do Congresso, ele tem caráter político ou jurídico e pode ser total ou parcial. Diante do contexto de acirramento das disputas ideológicas entre campo popular e o governo Bolsonaro, que evidencia as diferenças entre as duas agendas, cresce o receio de que o presidente possa vetar parte do texto.
A preocupação é potencializada pela conduta já evidenciada pelo chefe do Executivo ao longo da gestão e especialmente nos últimos meses, quando Bolsonaro vetou pontos de diferentes PLs aprovados pela Câmara e pelo Senado. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), que foi costurado com os aliados do presidente no Congresso e teve 12 trechos cortados.
Nós vamos brigar muito pra que não tenha veto.
O presidente chegou a vetar parcialmente inclusive medidas que não têm impacto orçamentário, como a proposta que previa obrigatoriedade do uso de máscara durante a pandemia. Esse e outros vetos foram duramente criticados por parlamentares, que acusaram o governo de desrespeitar o Legislativo e não cumprir acordo.
Diante da indisposição da gestão Bolsonaro com a agenda de entidades populares, os movimentos aumentam a pressão sobre o governo para cobrar a sanção integral do texto e reduzir as chances de veto.
“Essa situação é muito preocupante. O que estamos pedindo é um crédito que ajuda a tirar o Brasil da crise, por isso esperamos que a Lei Assis Carvalho seja imediatamente sancionada e sem vetos. Nós vamos brigar muito pra que não tenha veto e exigir da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que faça um planejamento de execução dessa medida, pra que a gente possa já no final de agosto ter o auxílio e começar a contratar o crédito pra produção de alimentos”, disse ao Brasil de Fato Alexandre Conceição, da direção nacional do MST.
Edição: Rodrigo Chagas