Perfil

"Ministra bala e chumbo" é indicada para assumir a vice-presidência do Equador

Atual ministra do Interior, María Paula Romo é uma peça-chave da guinada autoritária do governo de Lenín Moreno

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
María Paula Romo foi a primeira da lista indicada pelo governo à Assembleia Nacional após renúncia do vice-presidente Otto Sonnenholzner - Luis Robayo/AFP

A Ministra do Governo (Interior) do Equador, María Paula Romo, é a principal cotada para assumir a vice-presidência do país, após a renúncia do (até então) vice-presidente Otto Sonnenholzner na última quarta-feira (08). Na lista tríplice enviada à Assembleia Nacional do país na sexta-feira (10), ela é a primeira indicada pelo presidente Lenín Moreno.

Sonnenholzner foi o terceiro vice-presidente que abandonou a gestão de Lenín Moreno, cujo primeiro mandato começou em 2017 e deve terminar nos primeiros meses de 2021.

A quase seis meses da próxima eleição presidencial no país, Romo pode assumir a vice-presidência de um governo marcado por instabilidades e por uma guinada autoritária da qual ela foi uma das principais protagonistas.

Com uma trajetória política iniciada em 2004, no movimento de esquerda "Ruptura dos 25" (na data que marcava 25 anos do retorno do país à democracia), a advogada María Paula Romo construiu sua carreira como uma defensora dos Direitos Humanos e dos direitos das mulheres. Em sua minibiografia no Twitter, ela se apresenta como uma feminista “da esquerda que acredita nos direitos e nas liberdades”.

Mas à frente do Ministério do Governo, equivalente ao Ministério do Interior no Brasil, suas ações lhe renderam o apelido de “María Bala y Plomo”, na tradução, 'Maria Bala e Chumbo', um trocadilho com seu nome: Romo foi a responsável pela repressão da Policia e das Forças Armadas aos protestos realizados em 2019 contra as políticas neoliberais do governo. Uma repressão que foi caracterizada pelos movimentos populares como a pior desde o retorno da democracia em 1979.

Primeira presidenta do país?

Como braço direito de Lenín Moreno, Romo revela um comportamento ambicioso, digno de um roteiro de uma série sobre jogos políticos como a estadunidense House of Cards.  Muitos passaram a questionar se sua atuação configuraria fidelidade à política neoliberal imposta pelo presidente ou uma contribuição significativa para a desmoralização do governo.

Figura proeminente nas decisões que aprofundaram a crise social que o país atravessou em 2019, suas ações são consideradas por alguns setores como uma jogada política para projetar-se como candidata à presidenta futuramente.

No entanto, as ambiguidades que marcam sua trajetória tornaram a advogada e professora universitária uma figura peculiar na política equatoriana e poderiam dificultar sua ascensão. Sem base social, ela é criticada pela esquerda por ter traído os ideais progressistas pelos quais construiu seu caminho político. Por outro lado, ela é criticada pela direita por seu histórico como militante feminista e por ter sido uma das principais defensoras do direito ao aborto na agenda política do país.

Protestos e perseguição jurídica

O primeiro ano da gestão ministerial de Romo foi marcado pelos grandes protestos contra uma série de ajustes decretados por Moreno, como uma das exigência do empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao país. As manifestações populares foram duramente reprimidas pela Policia e pelas Forças Armadas do país. No marco dos protestos, o governo de Moreno decretou estado de Exceção, limitando a liberdade de ir e vir da população e impondo censura prévia à imprensa.

:: Estado de exceção, protestos e repressão: o que está acontecendo no Equador? ::

Naquele período, após uma visita ao país, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciou as violações de direitos humanos cometidas pelo governo.

“A Comissão recebeu com preocupação as denúncias de violações de Direitos Humanos cometidas no marco do protesto social relativas à falta de consulta e participação na adoção de medidas que afetam direitos sociais da população (…) hostilidade e atos de agressão contra defensores dos Direitos Humanos; jornalistas e trabalhadores de diversos meios de comunicação privados, comunitários e digitais, assim como a utilização do sistema penal contra manifestantes, líderes sociais e opositores”, indica o relatório do organismo.

Segundo dados da Coordenadoria Equatoriana de Contrainformação, durante os protestos, acima de "94 pessoas foram feridas gravemente, mais 500 tiveram ferimentos graves, 83 pessoas foram registradas como desaparecidas, entre elas, 47 menores de idade. 800 pessoas foram detidas, a maioria delas sem julgamento e 57 jornalistas foram agredidos pela polícia, 13 presos, além de meios de comunicação sob intervenção".

Após a derrubada dos ajustes propostos por Moreno, enquanto a população saía às ruas para comemorar a vitória popular, o presidente e a vice-ministra colocavam em prática uma nova etapa da perseguição aos movimentos populares, desta vez no âmbito judicial, com a prisão de lideranças políticas. Entre eles, o dirigente social Christian González e a então recém-eleita autoridade máxima da província de Pichincha, Paola Pabón, acusados de planejar uma “desestabilização do governo com financiamento internacional”.

Durante os protestos, Moreno e Romo acusaram o ex-mandatário Rafael Correa, de quem era vice e com quem rompeu logo após ser eleito, de estar tentando “um golpe de Estado” com apoio da Venezuela.

Entretanto, não era a primeira vez que Romo, como ministra do Interior, estava no centro de uma denúncia de violação de direitos a partir de acusações infundadas.

Romo também foi a responsável pela prisão do ativista digital Ola Bini, detido no Aeroporto Internacional de Quito em abril de 2019, horas depois da prisão do jornalista australiano Julian Assange. que passou anos exilado na embaixada do país no Reino Unido.

O sueco Bini passou mais mais de 70 dias em prisão preventiva e teve seu habeas corpus concedido no dia 20 de junho do ano passado, sem que o crime do qual é acusado fosse comprovado.

:: Especial: Caso Ola Bini ::

Durante a detenção de Ola Bini, María Paula Romo e Lenín Moreno acusaram publicamente o ativista digital de colaborar para desestabilizar o governo, de invadir sistemas informáticos, de colaborar com hacker russos, entre outros, acusações que não foram provadas até hoje.

A prisão do sueco aconteceu em meio a uma série de irregularidades a procedimentos diplomáticos e jurídicos. O habeas corpus que determinou sua soltura questionou a atuação das autoridades que conduziram o processo, afirmando não existir elementos sólidos que comprovem a existência de crime, além de fundamentação válida para a prisão e uso de elementos extralegais que atacam princípios do direito penal do país.

Distribuição de cargos

A atual ministra do Interior pode vir a assumir a vice-presidência do país em um momento em que também é acusada de participar da distribuição de cargos em hospitais para conseguir apoio na Assembleia Nacional do país.

Embora Romo negue as acusações, afirmando que “esta não é a maneira que (eles, o governo) funcionamos”, um dos primeiros acordos com o bloco parlamentar BADI, representado pelo líder Eliseo Azuero, foi estabelecido em seu gabinete ministerial.

Após o encontro ocorrido em abril de 2019, cargos no alto escalão do Serviço de Contratação de Obras (Secob) foram distribuídos a aliados de Azuero, entre eles, o amigo pessoal do parlamentar, René Tamayo, que passou a ser diretor da instituição.

René Tamayo foi preso em 5 de junho deste ano, acusado de participar de um esquema de corrupção na construção de hospitais na província de Manabí, segundo o portal Periodismo de Investigación.

Crise institucional 

As sucessivas saídas de vice-presidentes marcam a fragilidade institucional da gestão de Lenín Moreno. O primeiro vice-presidente, Jorge Glas, foi eleito junto com Moreno pela chapa da Aliança País e perdeu o cargo após ser preso por receber subornos da Odebrecht. Sua sucessora, María Alejandra Vicuña, designada pela Assembleia Nacional em janeiro de 2018, renunciou em dezembro do ano passado, após ser acusada pelo Ministério Público de realizar cobranças indevidas de seus funcionários durante seu mandato como legisladora.

Otto Sonnenholzner foi o terceiro vice-presidente a renunciar à vice-presidência na gestão de Lenín Moreno. Em seu discurso de renúncia, o economista sinalizou que deve ser uma opção nas urnas equatorianas. “O Equador enfrentará uma das eleições mais relevantes de sua história. Por isso, hoje, o melhor serviço que podemos prestar ao nosso país é trabalhar na construção de um caminho nos leve para longe da desigualdade, da fome, do desemprego e da corrupção”, declarou.

Sete meses antes das eleições gerais no país, ainda não há candidatos proclamados à presidência do país para o próximo período (2021-2025). O partido de Moreno, Aliança País (AP) ainda não decidiu se apresentará um candidato. 

Já no campo da oposição, o ex-presidente Rafael Correa, líder do movimento Revolução Cidadã, denuncia a perseguição e tentativa de proscrição de seu movimento. Correa, que atualmente está exilado na Bélgica, foi condenado, em abril deste ano, a oito anos de prisão e suspensão de seus direitos políticos por 25 anos em um suposto caso de suborno durante seu governo (2007-2017). A decisão da justiça equatoriana é considerada mais um caso de lawfare, no qual o Poder Judiciário é usado para fins de perseguição política.

Edição: Rodrigo Durão Coelho