Fotos de cadáveres de vítimas fatais do coronavírus sendo carregados por familiares ou sendo queimados a céu aberto nas ruas de Guayaquil, a segunda maior cidade do Equador, localizada no estado de Guayas, foram compartilhadas em jornais de todo o mundo e nas redes sociais.
Devido às altas temperaturas no local, acima de 30°C, e pela demora do serviço funerário local em retirar os cadáveres das casas, famílias têm abandonado os corpos em ruas e parques públicos da cidade por medo de contágio e pelo cheiro insuportável produzido pela exposição dos mortos.
O Equador conta, nesta quinta-feira (2), com 3.163 casos confirmados de covid-19, dentre os quais 71% estão concentrados no estado de Guayas, com 2.243 casos e 82 mortes, segundo dados do Comitê de Operações de Emergência Nacional (COEN).
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No entanto, os números oficiais são confrontados com as informações da Polícia Nacional do país que, segundo o jornal local El Comercio, recolheu mais de 308 corpos em domicílios de pessoas que poderiam estar infectadas por coronavírus entre os dias 23 e 30 de março.
Também um vereador de Guayaquil, Andrés Guschmer, comentou em sua conta no Twitter, em 30 de março, que “mais de 400 vítimas mortais foram retiradas de suas casas. (...) A maioria com suspeitas de covid-19”.
Após a colapso do sistema público sanitário no local, sem leitos suficientes para receber os infectados e sem necrotérios para receber os corpos dos mortos em decorrência da doença, foi criada uma força-tarefa para retirada de cadáveres na província.
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Em uma coletiva de imprensa realizada nessa quarta-feira (1), Jorge Wated, que comanda a operação, afirmou que os especialistas calculam que, neste mês, o número de mortes por coronavírus em Guayas pode chegar a 3.500.
Neoliberalismo
A crise sanitária no município de Guayaquil expõe e aprofunda uma série de problemas que o país atravessa nos últimos anos, sob o governo do presidente Lenín Moreno. Ausência de políticas públicas, alto índice de desigualdade e pobreza e irresponsabilidade das elites locais também estão entre os antecedentes que culminaram na grave situação humanitária que a cidade enfrenta hoje.
Desde outubro de 2019, o Equador atravessa uma crise política desatada por uma série de ajustes econômicos e redução do orçamento para 2020, anunciados pelo governo como parte das exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI), que emprestou US$ 10 bilhões em abril do ano passado. Segundo um estudo realizado pelo economista Jonathan Báez Valencia, no ano passado, houve uma redução de 36% do orçamento em saúde no país.
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As medidas de austeridade aplicadas pelo governo de Moreno somam-se à ausência de medidas efetivas, tanto por parte do governo federal quanto dos governos locais, para que a população do estado cumpra o toque de recolher instaurado há duas semanas.
O país conta atualmente com 46% de trabalhadores informais, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censo (INEC) e a falta de subsídios do governo para proteger a renda destes trabalhadores em meio à pandemia leva a população local de Guayaquil a realizar suas atividades normalmente como forma de garantir seus salários, posto que a maior parte dos trabalhadores atua no comércio.
Desta forma, com ausência de medidas econômicas e sanitárias, o governo optou pela militarização da província de Guayas. Em 24 de março, o estado foi declarado como Zona de Segurança Nacional e agora é comandado em conjunto pelo governador, Pedro Pablo Duarte, o comandante das Forças Armadas, Luís Lara, e o vice-ministro da Saúde, Ernesto Carrasco.
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Diante deste cenário, foi formada uma articulação composta por movimentos populares, organizações políticas e de direitos humanos, com a colaboração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Defensoria Pública, para acompanhar a situação na cidade de Guayaquil. Em uma nota divulgada nesta quinta-feira (2), a articulação denuncia que há casos de violação dos direitos humanos no contexto da militarização, com violência policial contra a população e abandono dos mais vulneráveis e pobres por parte do Estado.
“Falta alimentos, medicamentos, máscaras e luvas, e estamos dando visibilidade à falta de competência estatal e abandono destes setores que estão vivendo uma situação extrema”, aponta a nota.
A Defensoria Pública e os movimentos populares, indígenas e camponeses do país também denunciam que o governo de Lenín Moreno priorizou o pagamento da dívida externa em detrimento dos investimentos em saúde neste momento de emergência sanitária.
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Embora o FMI e o Banco Mundial tenham recomendado a suspensão do pagamento de dívidas externas diante da crise do coronavírus, o governo equatoriano destinou, no dia 24 de março, US$ 325 milhões para o pagamento de títulos de dívida externa, contrariando o pedido da Assembleia Nacional do país e de economistas para que investissem estes recursos no Ministério da Saúde.
Três dias antes, em 21 de março, a então ministra de Saúde, Catalina Andramuño, renunciou ao cargo por considerar que o país não contava com os recursos necessários para enfrentar a pandemia.
Edição: Vivian Fernandes