Os últimos três dias foram decisivos para o principal motor da economia venezuelana: a indústria do petróleo. Por um lado, a decisão judicial da corte de Delaware, nos Estados Unidos, coloca em risco a propriedade venezuelana da Citgo, filial da PDVSA em território estadunidense. Por outro, a chegada de dois navios petroleiros iranianos às costas venezuelanas, apesar das ameaças de interceptação do Pentágono, marcam uma vitória para os governos de Nicolás Maduro e Hassan Rohani.
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Citgo
Na sexta-feira (22), o juiz Leonard Stark autorizou a venda das refinarias de ações da PDV Holding, dona da Citgo Petroleum, para cobrir uma dívida com a mineradora Crystallex no valor de US$1,4 bilhão. A decisão remonta a outro julgamento nas cortes estadunidenses de 2016, favorável à cobrança de danos pela empresa canadense, por supostamente ter tido uma mina expropriada pelo governo de Hugo Chávez, em 2008.
Com a decisão do magistrado, as ações da Citgo podem ser vendidas a preços de remate no mercado, fazendo com que a propriedade deixe de pertencer ao Estado venezuelano e passe a mãos privadas.
A sede estaduninense da estatal petroleira venezuelana PDVSA é comandada por uma diretiva nomeada pelo deputado Juan Guaidó desde 2019. Depois que o presidente Donald Trump passou a reconhecer Guaidó como chefe de Estado venezuelano legitimo, ele também expropriou o governo bolivariano do comando da empresa.
Em 2019, Juan Guaidó nomeou José Ignácio Hernández como procurador especial em nome da Citgo nesse processo judicial de cobrança da dívida de US$1,4 bilhão. No entanto, Hernández havia sido uma testemunha-chave em nome da Crystallex no processo encerrado em 2016.
Há um ano, quando foi iniciado o processo de tomada da Citgo pela oposição venezuelana, o sociólogo Franco Vielma, em entrevista ao Brasil de Fato, previa que a maior probabilidade é de que a empresa terminaria sendo vendida na bolsa de valores. Agora que sua previsão está para ser confirmada, Vielma volta a analisar o assunto.
"Segundo essa decisão do juiz Stark, a Citgo já está sob comando do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que está esperando a autorização para proceder à venda das ações de Citgo. A junta diretiva de Guaidó é supérflua e está sujeita às decisões judiciais dos tribunais estadunidenses", afirma o analista venezuelano.
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A Citgo é avaliada em US$7 bilhões e é o maior ativo no exterior de propriedade pública venezuelana. Com uma produção de cerca de 759 mil barris de petróleo diários, entre 2015 e 2017, teve um lucro de cerca de US$ 2,5 bilhões (R$ 10 bilhões). A filial da PDVSA tem três refinarias no país norte-americano (nos estados do Texas, Illinois e Lousiana), três pontos de abastecimento de combustível e quase cinco mil postos de gasolina na costa leste dos EUA. Ela emprega cerca de 5 mil pessoas e é responsável por 4% do refino de petróleo no país e um dos principais provedores de combustível para a aviação civil.
Justamente por sua importância estratégica tanto do ponto de vista energético, quanto econômico dentro dos Estados Unidos, a filial da PDVSA é centro de disputas e decisões oficiais do Judiciário, do Executivo e de atores privados estadunidenses.
Depois de o departamento de Estado ter embargado legalmente os bens da Citgo, o departamento do Tesouro e a Oficina de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos (Ofac) haviam autorizado a venda completa dos seus ativos, como forma de pagamento das supostas dívidas que a Citgo teria com os Estados Unidos e outros credores.
No entanto, em agosto de 2019, Donald Trump emitiu a Ordem Executiva 13884, que impede a realização de qualquer transação financeira de entidades vinculadas ao Estado venezuelano utilizando o dólar.
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Para Vielma, as medidas contraditórias ente os poderes estadunidenses fazem parte de um plano maior de desmembramento da empresa petroleira venezuelana.
"O objetivo dessa ação articulada, além de cumprir com o pagamento da Crystallex, é permitir que pessoas que compõem a administração Trump possam, através da via legal, adquirir um bem venezuelano. Dessa forma supostamente contraditória de agir, eles conseguem diluir as responsabilidades políticas e legais que representaria um processo de expropriação direto", assegura.
Outro elemento que soma peso à tese levantada por Vielma, é o fato de que, um dia antes da divulgação do despacho do tribunal de Delaware, dois diretores da Citgo, indicados por Guaidó, renunciaram ao cargo.
Com essa decisão judicial e pela arbitrariedade dos poderes estadunidenses em relação ao governo de Nicolás Maduro, as probabilidades de que a Citgo possa ser recuperada pelo Estado venezuelano são praticamente nulas.
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Em resposta, o Ministério de Relações Exteriores da Venezuela questiona a legitimidade do processo judicial e denuncia o confisco dos bens públicos."Está clara a existência de um plano do governo estadunidense de confiscar os ativos da PDVSA nos Estados Unidos. Para isso, usaram o deputado Juan Guaidó e seus cúmplices para estabelecer uma representação fraudulenta, que não é apenas ilegal, mas atua em benefício das intenções intervencionistas", sentencia o comunicado.
#COMUNICADO | Venezuela denuncia la decisión del Tribunal del Distrito de Delaware, EEUU, sobre la venta judicial de las acciones de la empresa Citgo, propiedad de PDVSA, luego de llevar a cabo un acto de piratería moderna a través de un proceso que carece de legitimidad. pic.twitter.com/o9WtjecwNB
— Jorge Arreaza M (@jaarreaza) May 24, 2020
Ameaças aos barcos iranianos
Além de perder as ações da Citgo e promover a aplicação de sanções econômicas contra a Venezuela, mais recentemente, Juan Guaidó foi contrário à chegada, na Venezuela, de cinco navios iranianos com gasolina e químicos para o refino de petróleo do Irã.
Segundo o deputado, o combustível iria "enriquecer uma máfia" e a presença de embarcações iranianas em território venezuelano representaria uma ameaça para a região.
O discurso de Guaidó é condizente com as ameaças dos Estados Unidos de interceptar esse envio para manter o desabastecimento de gasolina na Venezuela. Ele assegura que o governo de Maduro pretende "simular uma suposta crise dos mísseis em 2020".
Com isso, o oposicionista ignora que desde abril está vigente um operativo antinarcóticos do Pentágono no Mar do Caribe, o que, na prática, representa um bloqueio naval às costas marítimas venezuelanas.
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Enquanto o deputado venezuelano apoia a postura ameaçadora da administração Trump, veteranos de organismos de inteligência militar dos Estados Unidos solicitaram ao chefe da Casa Branca evitar conflitos militares com os barcos iranianos, destacando as consequências de conflitos armados no Golfo Pérsico e a perda de apoio e credibilidade de Juan Guaidó.
Para Franco Vielma, Juan Guaidó seria apenas um peão dentro dos planos maiores dos Estados Unidos de avançar numa guerra híbrida contra a Venezuela.
"Tratam-se de ações prévias a um confrontamento bélico, do tipo irregular, que poderia acontecer na Venezuela. Essa é a única justificativa dessa narrativa. A oposição não teme fazer esse tipo de comentários, porque já não se interessam em ganhar através do voto o poder na Venezuela", analisa.
Duas embarcações iranianas já aportaram nas costas marítimas venezuelanas durante o fim de semana. Todas foram escoltadas por navios e aviões da Força Armada Nacional Bolivariana. O carregamento total é estimado em US$45,5 milhões.
Edição: Luiza Mançano