Prestes a virar o novo epicentro global da pandemia do novo coronavírus, com mais de 21 mil vítimas fatais, 300 mil infectados e mortes diárias quebrando recordes, a imagem do Brasil ao redor do mundo se fragiliza ainda mais a cada nova declaração, posicionamento ou medida tomada pelo presidente Jair Bolsonaro.
É o que relatam jornalistas brasileiros que vivem no exterior, ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato. Conforme os profissionais, a crítica é unânime nos noticiários de diferentes veículos quando se trata das respostas de Bolsonaro à pandemia.
“Há uma preocupação crescente da imprensa e não só a imprensa britânica, mas mundial, da forma jocosa e irresponsável que o governo federal vem tratando a pandemia. Frequentemente leio notícias e o tom sempre é de incredulidade e espanto, da forma que Bolsonaro aborda as questões”, afirma a jornalista Jaqueline Lemos, que mora em Londres, na Inglaterra.
“A imagem que se tem construído fora do Brasil, aqui, é uma imagem de descontrole. Uma imagem de despreparo, do país indo ladeira a baixo. Os números estão mostrando que ele [Bolsonaro] está absolutamente equivocado e que não consegue refletir sobre suas próprias posições”, complementa, citando reportagens da BBC e do The Guardian.
A imagem que se tem construído fora do Brasil, aqui, é uma imagem de descontrole.
De acordo com Lemos, além das menções negativas dos veículos, até mesmo apoiadores de Bolsonaro que moram no país britânico têm criticado a maneira como o presidente tem conduzido a crise de saúde pública no Brasil.
“É visível o descontentamento das pessoas. E mais do que descontentamento. As pessoas pensam: 'Não é possível que isso seja real, que isso esteja acontecendo'. As falas ‘E daí’, ‘Eu não sou coveiro’. Isso reverbera internacionalmente. As saídas públicas dele, a história do churrasco. Isso foi tema do noticiário”, elenca a comunicadora.
As pessoas pensam: 'Não é possível que isso seja real, que isso esteja acontecendo'.
O cenário se repete no Canadá. Segundo a fotojornalista Xandra Stefanel, veículos como o Le Devoir classificam Bolsonaro como cínico e sua gestão como caótica. Matérias afirmaram até mesmo que a postura do político poderia afastá-lo da presidência.
“É uma situação que dá muita vergonha de ser brasileiro. É horrível. Os jornais, mesmo os mais populares, falaram da inaptidão do presidente pra lidar com essa crise mundial. O Brasil vai na contramão de todos os países que estão tomando medidas sérias para combater os efeitos devastadores da pandemia”, comenta ela.
Já o jornal Metro canadense cita Bolsonaro como um político de extrema direita que assim como Donald Trump, não leva a sério a pandemia da covid-19. O jornal de Montreal, distribuído amplamente no metrô, chegou a publicar uma matéria com a palavra “Bolsonarovírus” como intertítulo.
Histórico desastroso
Segundo Mauro César Silveira, jornalista brasileiro que mora em Sevilha, na Espanha, os maiores jornais do país também estão dando muito espaço para a “tragédia brasileira”, independente do espectro ideológico da publicação. Entre eles, o El País, com maior influência na opinião pública.
Ele ressalta que a avaliação negativa do Brasil sob a liderança de Bolsonaro não é de hoje. “A sensação é de perplexidade. Já era ano passado, com todas as medidas que o governo Bolsonaro tomou. A questão da Amazônia ganhou uma repercussão muito grande e o fato de ser um governo assumidamente fascista, homofóbico, racista e sexista. Tudo o que a gente sabe do governo Bolsonaro, ganhou uma repercussão muito grande e negativa”, diz o editor do site Jornalismo e História, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“Primeiro a perplexidade, depois um reação geral, tanto no jornalismo quanto na população espanhola, de indignação com esse governo. Além de trazer consequências pro próprio país, afeta a humanidade.”
A sensação é de perplexidade. Já era ano passado, com todas as medidas que o governo Bolsonaro tomou.
O comunicador destaca a repercussão de um artigo de autoria do jornalista brasileiro Rubens Valente, publicado mês passado no jornal La Vanguardia, editado em Barcelona, com o título Flechas contra fuzis: O discurso golpista de Bolsonaro sobre a Amazônia, que abordou a retirada de direitos dos povos indígenas e destruição da maior floresta tropical do mundo, citando as expressões genocídio, etnocídio e ecocídio.
“Essas três palavras ganharam uma repercussão aqui na Europa e na Espanha, em particular, muito grande. O que deixou o pessoal aqui mais perplexo é que essa política que atinge a Amazônia adquiriu uma maior contundência em plena pandemia, colocando em risco a vida de tantos povos indígenas brasileiros”, lamenta Silveira.
::Desmatamento na Amazônia cresce 63,7% em abril: "Grileiro não faz home office"::
O profissional ressalta que quando morava em Madri, entre 2013 e 2014, a imagem do país era completamente diferente perante a população espanhola. Ele avalia ainda que a política externa adotada por Bolsonaro, que virou as costas para a América Latina em nome de um alinhamento geopolítico com Donald Trump, também tem manchado a reputação do país ao redor do mundo.
A ausência da liberdade de expressão é outro ponto sublinhado pelo editor, que relata que os veículos temem pela segurança dos profissionais brasileiros. “O mundo inteiro está sabendo que trabalhar no Brasil hoje é um trabalho de risco, diante de um governo como o atual. Isso abala a imagem do país, com os jornalistas correndo riscos”.
O mundo inteiro está sabendo que trabalhar no Brasil hoje é um trabalho de risco, diante de um governo como o atual
Os veículos argentinos Clarín e La Nacion também não deixaram de retratar a situação brasileira em suas páginas. O país governado por Alberto Fernández adotou restrições rígidas para barrar o avanço da pandemia e hoje mostra números de contaminações quase dez vezes menores que o Brasil.
Segundo Paulo Pereira, os jornais noticiam a situação do país vizinho com preocupação, mesmo críticos ao governo progressista de Fernández.
“Eles ficam em uma linha tênue entre o que acontece no Brasil, criticar diretamente o governo Bolsonaro, responsabilizá-lo pelas não atitudes, mas também não enaltecer o governo Alberto, que tem agido de forma completamente diferente do que tem sido feito pelo Bolsonaro”, diz Pereira.
Porta-voz de posicionamentos conversadores e de direita, conforme caracteriza o jornalista, o La Nacion tem atendido pressão do empresariado e iniciado uma discussão na mídia referente à reabertura comercial, mas, ainda assim, de forma estratégica.
"Sabendo que o Bolsonaro tem uma rejeição muito forte na Argentina, não atrelam esse discurso ao Brasil. E olha que a Argentina tem uma economia muito dependente da economia brasileira. Falam sobre isso mas não citam o discurso do Bolsonaro no mesmo sentido”.
Consequências diretas
Para Pereira, que vive há 12 anos em Buenos Aires, a atuação do governo Bolsonaro expõe a população brasileira migrante a uma série de constrangimentos.
Segundo ele, uma amiga brasileira que mora há anos na Argentina mudou de apartamento dias antes da quarentena ser iniciada. Os vizinhos chegaram a solicitar que ela enviasse uma foto de seu passaporte, assim como o de sua filha, para comprovar quando tinha entrado no país.
As reações da população estrangeira também impacta Xandra Stefanel, no Canadá. Ela conta que recentemente se deparou com um depoimento de outra brasileira nas redes sociais que dizia ter ouvido de desconhecidos que Bolsonaro era “um louco, um verdadeiro genocida".
Stefanel sublinha que sair na rua e escutar comentários do tipo se torna cada vez mais corriqueiro.
“Quando fala que é do Brasil, vem um olhar de pena. Coisa que nunca tinha acontecido antes. Estou aqui desde 2012 e as pessoas me questionavam: 'O que você tá fazendo aqui? Seu país está cada vez melhor'. Isso no começo. Hoje em dia, vemos essa reviravolta toda. A imagem que se faz do Brasil é muito ruim”.
A mudança da percepção sobre o Brasil também aconteceu na Austrália, conforme conta a jornalista Sarah Galvano, que mora em Sydney há três anos.
Antes, quando afirmava em uma conversa que era brasileira, as perguntas sempre abordavam aspectos culturais do país. Agora, o contexto sociopolítico é o foco principal.
Quando fala que é do Brasil, vem um olhar de pena.
“Quando as pessoas comentavam alguma questão política, eu conseguia argumentar, falava que existia um outro movimento. Agora, está muito difícil. O governo atual conseguiu acabar com nossos argumentos para defender o Brasil. Não tem. É essa sensação que eu tenho. Só nessa semana, três pessoas vieram falar comigo e de forma negativa”.
Direto de Sevilha, Mauro César Silveira é enfático ao afirmar que não há perspectiva positiva para o país com Bolsonaro na presidência, sendo as eleições presidenciais de 2022 a “esperança mais longínqua”.
“A imagem do Brasil só vai começar a ser recuperada, a ser recomposta, com o fim do governo Bolsonaro. Enquanto ele continuar no poder, nossa imagem continuará a ser desgastada”, analisa.
Edição: Rodrigo Chagas