A cobertura da imprensa tem pautado o debate público em relação à pandemia do coronavírus em todo o mundo, fazendo comparativos de como cada governante está lidando com a situação. No caso brasileiro, grandes jornais vêm ecoando o coro anti-Bolsonarista, principalmente pela omissão do presidente em reconhecer a gravidade da covid-19.
Tornaram-se habituais, por exemplo, a veiculação dos panelaços diários em todo o país e das irresponsabilidades do presidente em relação a saúde pública — a última delas, o anúncio de uma campanha pelo fim do isolamento social, na última sexta-feira (27).
Mas apesar dos grandes meios de comunicação alertarem para o despreparo de Jair Bolsonaro (sem partido) na gestão da crise, geralmente as medidas econômicas de austeridade lideradas pelo ministro da economia Paulo Guedes não são questionadas. É assim que avaliam especialistas do campo econômico e da comunicação escutados pelo Brasil de Fato.
“Ele está sendo criticado por uma faceta do governo dele que tem a ver com a crise sanitária, com a falta de um pacto sanitária de compressão de que o problema da propagação do vírus tem muito a ver com o problema do não isolamento social. A mídia disputa politicamente um setor da base de sustentação do Bolsonaro, que é esse setor mais vinculado ao Olavo de Carvalho, mais vinculado ao papel reacionário de algumas ideologias da igreja pentecostal e evangélica brasileira, mas por outro lado, ela dá total apoio a pauta política e econômica do governo Bolsonaro”, analisa Juliane Furno, colunista do Brasil de Fato e doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Renata Mielle, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), faz uma análise semelhante, ao perceber um alinhamento dos veículos hegemônicos com o as políticas de Guedes, desde antes da epidemia.
“Eles mantiveram durante esse primeiro ano do governo Bolsonaro o apoio às reformas, a reforma trabalhista, a reforma da previdência, as medidas econômicas todas que visavam retirar direitos sociais dos trabalhadores. Ao mesmo tempo que parte desses veículos assumiram a linha de frente de criticar o governo em relação ao coronavírus, tiveram relativizações no campo da economia”, revela.
Atacar e dizer que esses meios de comunicação estão usando a pandemia para sabotar o governo dele é um crime
Mesmo questionando a negligência da imprensa em tratar das pautas econômicas, Mielli reconhece que o momento é de fortalecer a prática jornalística, que corre risco, especialmente, após o último pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional, na última terça-feira (24), que culpou a imprensa por criar o clima de "histeria" no país.
“Atacar e dizer que esses meios de comunicação estão usando a pandemia para sabotar o governo dele é um crime. Isso nunca aconteceu na história do país, pelo menos nos marcos da democracia desde 1988, um presidente da república usar uma cadeia nacional para atacar a imprensa” desabafa.
Longa caminhada
Nildo Ouriques, presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) e professor de economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vê com preocupação a capacidade do Brasil em superar a crise, principalmente em decorrência dos déficits fiscais acumulados a partir de 2016.
“O sistema de saúde, o sistema sanitário e todas as condições gerais estavam degradadas, então agora nós estamos submetidos a essa dupla gestão tecnocrática da crise. Uma versão de direita encabeçada por Bolsonaro e agora uma versão liberal progressista encabeçada por Dória, que atua a favor dos interesses da transnacionalização da economia, e do mesmo programa que pratica Paulo Guedes”, aponta.
Ouriques não acredita que as energias ideológicas do neoliberalismo tenham se esgotado, e portanto, vê a revolução socialista como único cenário capaz de romper com a "super exploração do trabalho" no Brasil, onde grande parcela da mão de obra não pode interromper às atividades nas ruas e em chãos de fábricas.
:: Artigo | Estado é indispensável para atenuar a crise causada pelo novo coronavírus ::
O progressismo no Brasil, na opinião dele, vem se apoiando em uma democracia em abstrato, que faz o povo não conseguir enxergar uma representação de Estado para comandar a crise sanitária e econômica imposta pela covid-19.
“O Estado para as massas, para a classe trabalhadora não aparece em abstrato, aparece na forma do INSS, das universidades, do Supremo, do Congresso, é assim que ele aparece. Então a crise está corroendo as bases que Bolsonaro pode afiançar, mas não deixa de ser significativo que 35% da população que considera seu governo bom ou ótimo. É um dado significativo que mostra hoje que amplos setores sociais na população brasileira não possui uma representação de esquerda." afima o professor.
Já Juliane Furno, avalia que o Brasil pode se utilizar do aparato estatal que as medidas neoliberais do ministro Paulo Guedes ainda não foram capazes de desmontar.
“Em um Estado de crise sob um fator exógeno como este, só se salva os países que podem contar com soberania monetária, como é o caso do Brasil, que pode imprimir moeda, que podem fazer política de aumento do déficit primário de endividamento do Estado para garantir a vida das pessoas, que podem fazer política de transferência de renda, que tem bancos públicos, que podem atuar concedendo crédito a juros baixo e taxas longas, que tem empresas estatais que podem aumentar o número de investimentos. Essas são algumas conquistas da constituição de 88 e da ideia de um estado interventor que podem ser mobilizadas para fazer o Brasil sair da crise”, pondera.
Edição: Lucas Weber