Coletivos que reúnem jornalistas em diferentes estados do país estão organizando um abaixo-assinado virtual em repúdio a postagens feitas pela Fundação Cultural Palmares em seus perfis institucionais na internet no 13 de Maio deste ano, ocasião em que se relembra a promulgação da Lei Áurea no Brasil.
Na data, a autarquia, que é vinculada ao Ministério da Cidadania, publicou conteúdos que promovem um revisionismo sobre a figura de Zumbi dos Palmares, líder abolicionista de referência para a comunidade negra, e foi criticada por militantes e especialistas.
Os signatários do abaixo-assinado pedem a exoneração do presidente da fundação, Sérgio Camargo, assim como a investigação e a punição dos responsáveis pelas publicações.
As postagens em questão colocam em xeque informações relativas à história do líder de Palmares. Em um desses conteúdos, o autor de um texto afirma, por exemplo, que há “endeusamento de Zumbi”, numa manifestação que gerou reações em cadeia de diferentes grupos no país.
Nome de referência histórica nacional, Zumbi teria sido assassinado em 20 de novembro, data que passou a ser comemorada como o Dia da Consciência Negra no Brasil.
Juliana Nunes, integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (Cojira-DF/SJPDF), ressalta que o nome do líder figura no Livro dos Heróis da Pátria, do Panteão da Pátria, memorial localizado em Brasília (DF).
Ela aponta que, ao levantar “inverdades históricas” sobre Zumbi, a narrativa das postagens da Fundação Palmares descaracteriza o líder, desinforma a população e desrespeita a luta negra no Brasil.
“Pra nós, fica evidente aí a impossibilidade da continuidade dessa gestão da presidência da Fundação Cultural Palmares”, afirma a dirigente, acrescentando que Sérgio Camargo é associado ainda a diferentes declarações de cunho racista.
Representações
No dia seguinte ao das postagens, ele virou alvo de uma representação do Ministério Público Federal (MPF) que o acusa de improbidade administrativa e pede responsabilização judicial pelos atos.
Na última segunda-feira (18), parlamentares do PT e do Psol também formularam uma representação e pediram à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do MPF, que o presidente responda criminalmente pelo ocorrido.
A Fundação Palmares enfrenta duras críticas desde quando ele assumiu a presidência do órgão, em novembro de 2019, por conta da postura do dirigente diante das questões raciais no Brasil.
Entre outras coisas, ele já defendeu que o movimento negro fosse extinto, negou o racismo no país, afirmou que a escravidão foi “benéfica” e atribuiu ao Brasil a suposta existência do que chamou de “racismo nutella”, em contraposição ao que considera “racismo real” – que, segundo ele, ocorre nos Estados Unidos.
Ofensa ao jornalista Pedro Borges
Os organizadores do abaixo-assinado que pede a saída de Camargo do cargo ressaltam o episódio em que ele ofendeu o jornalista Pedro Borges, um dos fundadores da agência de notícias Alma Preta, cuja cobertura se pauta na temática racial.
Na ocasião, o presidente disse que o profissional teria uma atuação que defende “bandidos” e chamou o trabalho do veículo de “racialista” e “segregacionista”, em mais uma declaração duramente criticada por diferentes segmentos do jornalismo e do movimento negro.
“Isso mostra uma total dificuldade em lidar com as críticas e segue a mesma linha que o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores têm feito de ataques verbais e físicos a profissionais da imprensa. Pra nós, isso é mais um elemento pra pedir a saída dele”, afirma Juliana Nunes, frisando que as manifestações de Camargo têm “forte viés racista”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Pedro Borges disse que a conduta do presidente ajuda a mover a engrenagem das múltiplas formas de violência contra o povo negro no país.
“O presidente da Fundação que deveria colaborar pelo fortalecimento da identidade negra e da valorização da cultura negra reforçou um estereótipo péssimo, um estereótipo que, ao fim e ao cabo, leva ao assassinato de milhares de jovens negros por ano, como a gente tem acompanhado”, lembra.
Para Borges, ao traçar esse caminho institucional, a autarquia hoje dirigida por Camargo se afasta progressivamente do seu objetivo fundante.
“O que está colocado lá é um retrocesso sem tamanho. Infelizmente, a gente está vivendo realmente um momento muito difícil. E eu acho que a gente, inclusive como imprensa, precisa fazer um registro objetivo do que está acontecendo”, acrescenta Borges, ao rechaçar as perseguições que miram a liberdade de imprensa e o trabalho da agência que ajudou a criar.
Segundo Juliana Nunes, a referência ao episódio das ofensas dirigidas a Pedro Borges não consta no texto original do abaixo-assinado virtual, mas será incorporada aos documentos que estão sendo produzidos pelos organizadores do movimento para serem encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF), ao Congresso Nacional e à Comissão de Ética da Presidência da República.
“Entendemos que isso tudo é mais do que suficiente pra indicar a impossibilidade da continuidade dessa gestão atual da Fundação Palmares. Para além da improbidade administrativa, você ainda tem um ataque à democracia, configurado no ataque ao Pedro Borges, além do ataque a um herói nacional, e justamente vindo de uma fundação que é incumbida de preservar o patrimônio de Palmares. Tudo isso é muito grave”, finaliza Nunes.
Outro lado
O Brasil de Fato procurou ouvir o presidente Sérgio Camargo a respeito do abaixo-assinado e das críticas em questão, mas não houve retorno da assessoria de imprensa da Fundação Palmares até o fechamento desta matéria.
Edição: Leandro Melito