18 DE MAIO

“Que coisa louca!”: desfile antimanicomial faz "ocupação virtual" em Belo Horizonte

Além de transmissões ao vivo, movimento espalha avatares e protestos no mapa virtual da capital mineira

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
mapa virtual bh antimanicomial
Praça da Liberdade está lotada de avatares com seus protestos; local é o ponto de concentração, todo 18 de maio, da escola de Samba Liberdade Ainda Que Tam Tam - Reprodução Manif.app

O tradicional Dia da Luta Antimanicomial, 18 de maio, não poderia passar em branco justamente em tempos de confinamento. Os organizadores do desfile carnavalesco que acontece todo ano em Belo Horizonte arranjaram alternativas um pouco “loucas”, nas palavras deles, mas que estão dando ibope.

O dia começou com uma transmissão ao vivo, às 10h, na página do Conselho Federal de Psicologia (CFP), em conferência da qual participaram dezenas de entidades, como a Associação Brasileira de Saúde Mental, a Federação Nacional dos Psicólogos, a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, a União Latino Americana de Entidades de Psicologia, movimentos e conselhos regionais de psicologia.

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Ana Sandra Fernandes, psicóloga e presidenta do CFP, mediou as falas, mas antes fez um manifesto contra o fechamento forçado que pessoas com transtornos mentais passaram no Brasil. Nos manicômios, essas pessoas foram “vítimas das mais diversas formas de crueldade, violência, opressão e violação de seus direitos mais sagrados, como o da dignidade humana”.

A psicóloga lembrou da inspeção feita pelo CFP e outras entidades em 2019, que revelou irregularidades extremas em 40 hospitais psiquiátricos de 17 estados brasileiros. Por exemplo, 35% tinham pouco ou nenhum papel higiênico, 42% tinham banheiros sem porta, 22% não tinham água quente e 27% não tinham cama para todos os internos. Práticas que eram adotadas por manicômios no passado e hoje se reproduzem em hospitais psiquiátricos e em comunidades terapêuticas, afirmou Sandra.

O perigo do encarceramento

A Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, representada por Angela Soligo, destacou que o Dia da Luta Antimanicomial é contra o encarceramento físico, mas também simbólico da loucura e da diferença.

“Até o início dos 80, mulheres eram encarceradas em manicômios por sua rebeldia e revolta contra a opressão de gênero. Adolescentes e jovens eram enviados a manicômios por serem rebeldes. Pessoas negras, por sua religião de matriz africana. Idosos, porque às vezes produziam incômodos às suas famílias. Pessoas de orientação sexual não heteromormativa, por serem quem são. Ativistas políticos para que a sociedade opressora se livrasse deles. Loucos, rotulados, eram expropriados de sua humanidade, de seus direitos, de sua voz, de sua identidade. A luta antimanicomial é a luta pelo humano direito à diferença”, falou Angela.

Desfilando em plena quarentena

O bloco “Liberdade Ainda que Tam Tam”, uma das manifestações mais fortes da Luta Antimanicomial no país, não deixou de desfilar por conta do isolamento. Eles se reinventaram virtualmente e realizam durante o dia de hoje (18) um protesto virtual por meio da página Manif.app. Lá, você escolhe a sua frase de protesto e coloca seu avatar na rua (virtual). Os locais de concentração e caminhada do bloco estão cheios, como acontece há mais de 20 anos.

O samba enredo da escola de samba foi lançado: "Capetão Pandemia", na íntegra abaixo. O Centro de Convivência São Paulo lançou também um vídeo com depoimentos de pessoas que são atendidas pela rede de cuidados. “Maldade. Onde está a maldade? Na fantasia do louco ou na brutalidade da sociedade?”, questiona um dos depoimentos.

Na quarta (20) às 16h, acontece ainda o debate "A luta antimanicomial no nosso dia a dia: o que podemos aprender com o isolamento social em tempos de pandemia", no Instagram, Facebook e YouTube do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.

Samba-enredo de 18 de maio 2020: Capetão Pandemia

“Tantas almas de Dandaras e Zumbis a Guajajaras
Eu sei bem de suas lutas das histórias mal contadas
Eu que vi um Dom Quixote Corpo Nise da Silveira
Sou criança no presente carregando um delírio
da mais profunda razão:
Libertar a verdade dos muros da prisão
Todo dia Liberdade pro juízo da Nação

Foi parido na mentira que um tirano apareceu
Enganador, falso traíra!
será que o povo se esqueceu
de um tempo de opressão e violência
onde toda divergência foi calada com a dor?
E hoje a liberdade ameaçada, a verdade apagada
tudo em nome do Senhor!

Brasil, que bicho te mordeu
você caiu na armadilha da ilusão?
um rei mau coroado te convenceu
a vender toda riqueza da nação
Não vai ter perdão pra desonestidade da razão
A loucura vem cobrar
mas a história é quem vai te castigar

Hoje é o soberano, capetão pandemia
amanhã soldadinho que mia
E não há qualquer milícia
Nem tampouco Tio Sam
que lhe tire dessa fria”

Por Uma Sociedade Sem Manicômios!

Composição: Centros de Convivência Oeste/Barreiro/São Paulo e Pampulha sob a coordenação de Raphael Sales e Helvécio Viana. Raphael Sales - Voz e violão, Caio Bikari - Cavaquinho, Almin Bah - Agogô, tamborim, surdo, caixa, pandeiro, Felipe Cordeiro - Tantan, ganzá, cuíca, surdo, caixa, pandeiro. Direção musical: Raphael Sales e Almin Bah. Gravado e produzido por Ruy Montenegro no dia 16 de maio de 2020 no Studio Gênesis.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Vivian Fernandes e Elis Almeida