"Do rio ao mar: somos os povos que navegam em confluências contra os genocídios, para a justiça triunfar" é o lema do desfile que marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, comemorado em 18 de maio, em Belo Horizonte. Neste ano, a tradicional mobilização será na sexta-feira (17), com concentração a partir das 13h30, na Praça da Liberdade.
O tema escolhido é fruto de um processo de construção coletiva que começou ainda em janeiro deste ano. A psiquiatra Miriam Aboud-Yd destaca que o objetivo é denunciar os genocídios que ocorrem ao redor do mundo, em especial contra a população palestina, as pessoas negras, povos originários, mulheres e LGBTI+.
"Era impossível passarmos alheios e ilesos ao que vem acontecendo. Mas esse defile não é só uma constatação do genocídio, é também uma homenagem à resistência. Pois, nós somos os povos que lutam contra o genocídio para a justiça triunfar", comenta.
A luta antimanicomial
Nesta edição, o desfile comemora os 30 anos da fundação do Fórum Mineiro de Saúde Mental (FMSM) e da Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG), entidades que defendem os direitos das pessoas em sofrimento mental e em uso prejudicial de álcool e outras drogas, além de uma política humanizada de saúde mental.
Marcos Evandro, usuário da rede de saúde mental da capital mineira e integrante da Asussam-MG, explica que a luta antimanicomial é uma resposta ao modelo hospitalocêntrico que existia antes da reforma psiquiátrica no Brasil, que tem como marco o ano de 1978. Antes das mudanças, pessoas em situação de sofrimento mental eram vitimadas sistematicamente, internadas compulsivamente, abusadas nas clínicas, chegando, em muitos casos, a óbito.
Em 6 de abril de 2001, a Lei 10.216, que trata sobre a reforma psiquiátrica brasileira, foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A legislação representa um divisor de águas para o movimento.
"A luta antimanicomial veio com esse viés, de ser fazer um tratamento em liberdade, de escutar a pessoa, de entender o que o medicamento faz, de conhecer a história de vida dela, de entender que, ainda que haja um transtorno psiquiátrico, a pessoa tem algo a dizer", explica.
"Nossas bandeiras são por acessibilidade, igualdade, tolerância, inclusão e muito mais. Nós levamos para a rua o nosso grito", complementa Marcos Evandro.
Luta para reverter retrocessos
Passados mais de 20 anos desde a promulgação da Lei da Reforma Psiquiátrica brasileira, Miriam Aboud-Yd explica que a conquista não vem de graça. Ela destaca que o movimento também luta para reverter um conjunto de retrocessos nas políticas públicas de saúde mental, ocorridos principalmente durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) frente à presidência do país.
"Há um desfinanciamento muito grande, além de um equivocado e mortífero redirecionamento e priorização de financiamento para as comunidades terapêuticas, conhecidas como 'manicômios do século 2''", relembra a psiquiatra.
Desfile e samba-enredo
Na capital mineira, a manifestação é conduzida pela escola de samba Liberdade Ainda que Tan Tan que, neste ano, terá o samba-enredo A pururuca vai estourar! A pororoca vai chegar. A música é um grito pela liberdade e uma saudação aos povos que lutam.
Logo no início, a composição da marchinha diz que "do Rio ao mar, nossa luta, nosso ofício. Nunca mais genocídios e hospício". Mais à frente, ela é enfática ao afirmar que "no barco da loucura, prender não é sina. E não vamos morrer de crueldade, no Brasil ou Palestina".
A letra ainda critica o comércio da loucura, denunciando entidades privadas que lucram com clínicas particulares. Além disso, a música convoca à resistência. "Somos onda alta e barulhenta. Vem misturando, vem misturar. Está na hora de ver pororoca chegar".
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O desfile terá cinco alas, compostas por usuários, trabalhadores da rede de saúde mental de Belo Horizonte e apoiadores da causa. A primeira, de nome "A liberdade é terapêutica sim. Já dizia Basaglia", homenageia o centenário de Franco Basaglia, idealizador da psiquiatria democrática italiana. A segunda, "Nem tudo o que se ajunta se mistura: soprar paz, delirar confluências, marear águas vivas", reflete sobre o papel do delírio na lida cotidiana com as injustiças.
A terceira ala, "Um menino nasceu! O mundo tornou a começar", denuncia o extermínio físico e psicológico de crianças palestinas, africanas e brasileiras. A quarta, "Da liberdade ao direito: a democracia é antimanicomial, antiproibicionista, antiprisional e antirracista", denuncia a chamada guerra às drogas.
Por fim, a última ala, "Somos como águas que correm entre as pedras: liberdade e luta caçam jeito para desembocar no rio e no mar", é um grito contra as políticas de extrema direita, pela liberdade e justiça.
"O que nós queremos é viver em liberdade, é ter garantido nossos direitos, é ser tratado como você, que está aí do outro lado. A luta antimanicomial é uma luta por igualdade", finaliza Marcos Evandro.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Leonardo Fernandes