“A informação tem chegado de forma muito genérica e, muitas vezes, trata apenas do isolamento pelo isolamento.”. A frase, da trabalhadora rural Débora Nunes, resume como a comunicação sobre a pandemia do coronavírus tem sido feita no campo brasileiro. Com acesso ao que tem sido propagado para toda a população de modo geral, os camponeses do país seguem a produção sem medidas específicas para a área rural.
Em conversa com o Brasil de Fato, Débora – que atua na coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - ressaltou que a realidade do campo demanda ações diferenciadas, sob risco de que a propagação do vírus se torne um problema ainda maior.
“De forma geral o acesso às informações, desde a política de isolamento até as medidas que devem ser tomadas, elas têm chegado. Esse é o assunto do momento, mesmo as pessoas não se encontrando, e as cidades estando praticamente paradas, esse é o debate. Apesar de todo essa discussão, ela chega no campo de forma muito limitada. Seja porque há uma certa limitação de acesso aos meios e não há, sobretudo por parte dos governos, uma preocupação efetiva de ter uma comunicação com o campo. O campo tem uma organização social diferenciada."
Para evitar um desastre causado pela ausência do poder público, o MST tem se empenhado na ampliação do debate. Por meio de redes comunitárias, o movimento vem levando a informação não só aos acampamentos.
“A partir da estrutura organizativa que nós temos, procuramos trabalhar de forma que as informações e as orientações cheguem ao nosso povo. Não só o nosso povo que é acampado, que é assentado da reforma agrária, mas também nas comunidades vizinhas, nos sítios, nos povoados. Nós temos procurado fazer esse debate para que a informação chegue e que não seja uma informação de isolamento que leve a um processo de desespero e de pânico, mas que cheguem numa perspectiva educativa. Mostramos a importância de todos os outros cuidados que são necessários. Desde a preocupação em evitar aglomerações, quais são os cuidados e medidas para quando é preciso sair de casa, o que fazer no retorno. Aproveitamos a nossa juventude, que está mais antenada nas redes sociais, para que mesmo que não possamos fazer grandes processos de encontro e formação, a gente possa fazer esse processo de outras formas.”, afirma Débora
Ela ressalta que as ações do MST caminham também no sentido de preservar populações que estão em situação de maior fragilidade frente à pandemia.
Nós temos feito tudo isso com a preocupação de que são os pobres, é o povo menos assistido, que tem menos informação e menos acesso as políticas públicas, serão os mais afetados.
Débora Nunes lembra ainda que a estagnação econômica que já vinha sendo enfrentada no país, coloca um desafio maior para o Brasil durante a pandemia.
“A pandemia do coronavírus chega em um momento em que nós temos um desmonte estrutural das políticas públicas construídas ao longo da história, que efetivamente contribuem para o desenvolvimento e o cumprimento, por parte dos camponeses e camponesas, no que se refere á terra. Não só há uma paralisia geral na reforma agrária – e aí a nossa preocupação é com os nossos acampamentos, porque as pessoas vivem ali em espaço melhores – isso é consequência da paralisia da reforma agrária. O governo tem aprofundado isso, acabando com órgãos fundamentais, como é o caso do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], tirando recursos e acabando com a estrutura que poderia viabilizar a reforma agrária.”
O papel primordial do trabalho rural também é destaque na fala de Débora. Ela afirma que se as políticas para o campo estivessem estruturadas, os camponeses teriam condições de atuar de maneira ainda mais efetiva no momento de crise.
“As pessoas na cidade podem estar em casa, mas elas precisam comer. Precisa chegar o alimento. Quem tem condições de produzir isso? São os camponeses e camponesas. A história já mostrou que nosso país tem dois modelos. Um é o modelo do agronegócio, que é um modelo empresarial, que não produz alimento, não distribui renda e não preserva o meio ambiente. Nós temos do outros lado a pequena agricultura, que é a agricultura que produz o alimento, que está preocupada com a preservação, que está preocupada com a não contaminação do solo, nossa águas, nosso lençol freático. Nós poderíamos estar cumprindo esse papel em condições melhores.”
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Como tentativa de contribuição, o MST se uniu mais de 80 organizações do campo e lançou um apelo em defesa do direito à saúde e à alimentação. O documento apresenta propostas de combate à fome a serem implementadas, em caráter urgente e emergencial pelo poder público. Na lista de ações está a reconstrução das estruturas de políticas para o campo, a liberação de crédito e retomada do Programa de Aquisição de Alimentos.
Edição: Lucas Weber