Movimentos populares de alcance nacional publicaram, nessa terça-feira (24), um documento com 20 propostas para o enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus. As proposições serão peticionadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, mas o documento também deve servir para pressionar as autoridades locais, de cada estado e município, a seguirem as medidas.
Os movimentos afirmam que o documento foi elaborado em um movimento contrário aos posicionamentos e políticas encampados pelo presidente Jair Bolsonaro, a exemplo da Medida Provisória (MP) 927. Publicada na última segunda-feira (23), ela previa a suspensão de contrato de trabalho e salário por quatro meses. Uma segunda MP revogou esse trecho, mantendo, contudo, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e o adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Segundo Raimundo Bonfim, diretor da Associação dos Moradores Nova Heliópolis e coordenador da Central dos Movimentos Populares (CMP), uma das entidades que assinou o documento, o objetivo é apontar respostas concretas à crise causada pela pandemia da covid-19 do ponto de vista dos movimentos populares urbanos.
“O objetivo é apontar as medidas do ponto de vista que nós entendemos que devem ser tomados para enfrentar a crise. Para além da solidariedade dos nossos grupos que estão na base, nas velas, periferias, nós estamos apontando também as medidas que o governo deve tomar”, detalha Bonfim.
Ele explica que a “grande” preocupação dos movimentos é sobre a necessidade de o Estado fazer um processo de distribuição de itens de prevenção ao novo coronavírus, como máscaras e álcool em gel. Isso porque “a grande maioria dessa população da favela, nos cortiços, nas ocupações e periferias está empregada com baixo salário, na informalidade. Essas pessoas não têm condições sem uma renda, sem um salário, de ficar no isolamento social”, defende.
Creuzamar de Pinho, assistente social e coordenadora da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), afirma que a principal preocupação “é a questão do isolamento social, que traz a falta de renda para as famílias, a questão da alimentação, das tarifas, aluguel, água e luz. Nós precisamos preservar a vida e garantir a sobrevivência. E a sobrevivência depende desse processo da circulação, dessa troca, comercialização que é o que a cidade nos oferece permanentemente.”
Nas favelas de todo o país, são cerca de 13,6 milhões de moradores, de acordo a pesquisa “Economia das Favelas - Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva, em 2019. Cerca de 100 milhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, conforme estudo do Instituto Trata Brasil, de 2019. Além disso, 35 milhões de cidadãos não têm acesso a uma rede de água potável, segundo o Painel Saneamento Brasil, também do Instituto Trata Brasil, de 2019.
Diante do cenário agravado pela pandemia, Pinho acredita que os movimentos sociais precisam encampar as medidas propostas como bandeira de luta, “tendo em vista que quem mais sofre com esse problema da pandemia são as nossas bases. A nossa base toda, nas periferias, nos programas sociais, os mais vulneráveis, que é a nossa população, é quem mais sofre na ponta as consequências dessa crise sanitária e econômica pela qual o Brasil está passando”.
Medidas propostas
As medidas propostas incluem ações mais concretas, como a distribuição de produtos de higiene e cestas básicas; mas também proposições mais gerais, como a revogação da Emenda Constitucional 95, mais conhecida como emenda do Teto de Gastos, que limitou o crescimento das despesas públicas durante 20 anos.
Entre as propostas, estão o fim de todos os despejos e remoções na cidade e no campo, a suspensão do pagamento das prestações dos imóveis adquiridos pelo programa Minha Casa, Minha Vida, assim como do pagamento de contas de água, luz, aluguel e gás e a distribuição domiciliar gratuita de cestas básicas e produtos de limpeza e higiene.
Também está no documento a ampliação e o aumento do Bolsa Família para um salário mínimo e a criação de um programa emergencial de renda mínima a todos os brasileiros sem vínculo formal de trabalho durante a pandemia, com a transferência de meio salário mínimo por mês para cada pessoa com mais de 18 anos.
Entre as medidas de maior abrangência, estão a nacionalização e estatização dos hospitais, laboratórios e quebra das patentes, a execução das dívidas dos grandes sonegadores e a taxação de grandes fortunas, de remessas de lucros e dividendos para o exterior, dos lucros dos bancos, com redirecionamento do valor arrecadado para um fundo de emergência a ser distribuído entre estados e municípios.
Os movimentos também pedem a suspensão do pagamento das dívidas públicas, incluindo a dos estados e municípios com a União “e de todas as reformas que prejudicam o povo", como a Reforma da Previdência e Reforma Trabalhista. Para os médios comerciantes e agricultores, propõem uma linha de crédito com juros zero, assim como, para os trabalhadores, a manutenção de todos os empregos com pagamento de salário, ampliação e aumento do seguro desemprego.
Segundo Raimundo Bonfim, os movimentos sociais também têm como objetivo, a partir do documento, fazer um debate com a sociedade sobre a importância dos investimentos públicos em saúde e educação. “É importante também nós fazermos um amplo debate em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), de mais Estado, porque grande parte da população estava caindo no engodo de menos Estado, privatização, enxugamento.”
Fazem parte dos movimentos que elaboraram o documento a Central dos Movimentos Populares (CMP), a Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), o Movimento de Luta dos Bairros e Favelas (MLB) e a União Nacional por Moradia Popular (UNMP).
Edição: Vivian Fernandes