A insistência de Jair Bolsonaro (sem partido) em afirmar que as atividades econômicas do Brasil devem voltar à normalidade, mesmo frente ao avanço global do coronavírus, causa reações e protestos, mas vai além disso: coloca o Brasil como um dos países mais atrasados na preservação da própria economia em um momento de crise.
As medidas já anunciadas pelo governo, unidas ao discurso de que a população deve sair do isolamento social, criam uma fórmula perigosa para o mercado de trabalho. Em artigo publicado pela Fundação Perseu Abramo, Giles Azevedo, que foi secretário executivo do gabinete da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), faz uma análise das distorções e compara as medidas de países europeus às ações que foram anunciadas pela equipe econômica do governo Bolsonaro.
A conclusão inevitável é de que, à medida que crise se agrava, o Brasil segue na lanterninha.
“Enquanto ao redor do mundo, a crise é enfrentada com a urgência e gravidade necessárias, independente do viés ideológico, no Brasil, o governo Bolsonaro minimiza a extensão da crise, posterga medidas urgentes e, o mais grave, usa do cargo, não para esclarecer e educar, mas pelo seu exemplo, colocar em risco a saúde de toda população.”
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A justificativa usada por Bolsonaro para defender que a rotina das empresas e trabalhadores não mude é de que é preciso garantir a manutenção dos empregos. Mas o presidente se exime de responsabilidade, já que sua gestão não apresenta medidas consistentes para preservar o mercado de trabalho.
“No Brasil o governo vai permitir que empresas cortem jornada e salários pela metade devido ao coronavírus. As medidas contrastam com ações de outros países, como Itália, França, Portugal, Espanha e mesmo com propostas de representantes liberais notórios, como o megainvestidor Bill Ackmann.”
Entre as ações propostas pelo governo no último dia 18, está também o fornecimento de vouchers ou vales por quatro meses para pessoas desassistidas e trabalhadores informais. A concessão será feita pela Caixa Econômica Federal e os valores não podem ser menores que os praticados no Bolsa Família.
Procedimentos como trabalho em casa e adiantamento de férias coletivas e individuais poderão ser definidas pelas empresas em 48 horas, com menos burocracia. Para o governo, o ideal durante a crise, é que as negociações entre patrões e empregados sejam flexibilizadas para reduzir os custos das empresas.
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No texto, Giles Azevedo ressalta que as consequências dessa flexibilização já começaram e registra que as empresas que compõem o Ibovespa já perderam mais de um trilhão de reais em valor de mercado.
“Dirigentes sindicais dos trabalhadores do setor aéreo informam que a proposta da Gol e da Azul é licença obrigatória não remunerada. Somente receberiam nesse período o plano de saúde, nada mais e, que a Latam cortaria 50% da remuneração. As redes hoteleiras internacionais estão propondo o mesmo em SP.”
O que o mundo está fazendo
As decisões de países da Europa, frente à crise econômica causada pela propagação do vírus, indicam que o mundo desenvolvido já percebeu exatamente o contrário do que o governo brasileiro prega: em momentos de tensão econômica é preciso atuar com mais firmeza para regular e fiscalizar as relações entre trabalhadores e patrões.
Na Itália, o decreto conhecido como Cura Itália determina um aporte de 25 bilhões de euros para superar a crise e o apoio a empresas e trabalhadores entrou com força na pauta do governo. Demissões foram congeladas e durante nove meses e o Estado garante empréstimos para investimentos e reestruturação de dívidas. São 10 bilhões para o pacote de emprego e trabalho “O capítulo sobre medidas para apoiar empresas e trabalhadores é o mais substancial” , analisa Giles.
Já o governo francês anunciou 300 bilhões de euros para as empresas e informou que os pagamentos de créditos bancários contratados serão assumidos pelo Estado. Além disso, aluguéis, impostos e contas de eletricidade, gás e água estão suspensos.
As medidas na França também colocam em cheque a insistência do ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, que insiste em defender aprovação de reformas. No país europeu, elas foram deixadas de lado enquanto durar a crise.
Trabalhadores contam com proteção mais rígida do governo também em Portugal. Foi definido suporte em dinheiro correspondente a 66% da remuneração base. Metade fica a cargo dos patrões e a outra metade está na conta da seguridade social. Os autônomos vão receber um terço da remuneração e terão o pagamento de contribuições adiados. Quem ficar em casa por causa da suspensão de aulas e não puder fazer trabalho remoto, tem faltas justificadas.
O poder público português estabeleceu linhas de crédito para apoiar as finanças das empresas, prorrogação de prazos para impostos e apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho.
Na Espanha foi anunciado o maior montante de recursos públicos já mobilizados: 200 bilhões de euros. Para cooperativas e empresas mais vulneráveis são 17 bilhões. Seiscentos milhões de euros estão reservados para pagamentos de alugueis e parcelas de hipotecas da população em situação mais precária.
As grandes empresas do país foram blindadas, para evitar que sejam compradas por estrangeiros, frente a queda no valor das companhias.
Segundo a análise de Giles Azevedo, o governo espanhol não atua para estimular a economia, mas sim para evitar o colapso. “O espírito que move o pacote de medidas espanhol é dar uma resposta ao enorme golpe sofrido, de forma repentina e evitar ao máximo que haja destruição de empregos e da cadeia produtiva.”
O espírito que move o pacote de medidas espanhol é dar uma resposta ao enorme golpe sofrido, de forma repentina e evitar ao máximo que haja destruição de empregos e da cadeia produtiva.
O caminho é exatamente oposto ao defendido por Bolsonaro e Paulo Guedes. “Se tivéssemos um presidente, a situação já seria extremamente grave. Com Bolsonaro a crise ganha contornos de tragédia.” , conclui o autor.
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Edição: Rodrigo Chagas