Embora o governo Jair Bolsonaro (sem partido) tenha suspendido na tarde desta segunda-feira (23), o artigo da Medida Provisória (MP) 927 que permitia que as empresas cortassem o contrato de trabalhadores sem salário por até quatro meses, os outros 31 artigos continuam valendo.
Para o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a MP joga para “a conta do trabalhador” a crise do novo coronavírus. A análise foi divulgada em nota técnica na noite desta segunda-feira (23), que aponta que as medidas “não asseguram a manutenção do emprego, tampouco a remuneração dos trabalhadores.”
O documento se debruça em todos os pontos, que poderão ser adotados pelas empresas para o enfrentamento da atual conjuntura, entre eles os que regulam a duração e a execução da jornada, da concessão de férias, da organização de turnos de revezamento e da vigência de acordos e convenções coletivas.
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“Medidas anunciadas até o momento (o governo afirma que complementará) só atenderam o setor empresarial e se baseiam unicamente na redução das prerrogativas dos trabalhadores”, pontua a nota.
O instituto alerta ainda que esses instrumentos normativos terão preponderância sobre os demais em vigor, tais como acordos coletivos, convenções coletivas e a legislação infraconstitucional - qualquer lei que não esteja incluída na norma constitucional, e esteja disposta em um nível inferior à Constituição Federal -, enquanto perdurar o estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020.
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As medidas são contraditórias aos direitos previstos na legislação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da própria Constituição, como a redução salarial sem redução da jornada condicionada por lei à negociação coletiva e o pagamento parcial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pela empresa durante o período de calamidade. Somam-se a isso ações que visam à interrupção da fiscalização do trabalho.
Sem proteção, o trabalhador ficará a mercê dos empregadores, uma vez que o Dieese destaca também que a MP 927 corta a participação dos sindicatos nas ações das empresas e fragiliza ainda mais uma possível negociação entre patrão e empregado, relação esta que já é desequilibrada e pode aumentar num momento de crise e desemprego.
A análise conclui com a denúncia de que há um descaso com as condições de vida e de segurança do trabalhador, visto que “não são propostas quaisquer medidas econômicas ou sanitárias nesse sentido”, e acrescenta,“[A MP] Não fala da garantia dos empregos e da manutenção da renda dos trabalhadores, sejam eles formais ou mesmo informais. Com isso, o governo segue na contramão das medidas que vêm sendo adotadas por inúmeros países e recomendadas pelos organismos internacionais", diz o texto.
Edição: Leandro Melito