A pandemia já chegou à região, mas pouco está sendo feito pelas indústrias de Chapecó (SC)
Todos os dias, 5,5 mil trabalhadores se movimentam em torno do maior frigorífico brasileiro de abates de suínos, a unidade 1 do Frigorífico Aurora, localizada em Chapecó, principal cidade da região Oeste de Santa Catarina.
Trabalhadores chegam em grandes grupos, oriundos dos bairros periféricos e de 20 pequenos municípios da região. São transportados por dezenas de ônibus, sempre lotados, sempre com pressa, de olho no relógio, nas metas e nos prazos.
Nas linhas de abate, corte e embalagem de carnes, homens e mulheres seguem suas rotinas, suas vidas. É preciso garantir que os alimentos cheguem aos lares brasileiros e a diversos países ao redor do mundo.
A rotina é extenuante e arriscada, envolve equipamentos de corte, materiais sensíveis, regras de segurança. Sempre foi assim, estão acostumados. Mas agora há um novo componente: o tic tac invisível de uma bomba relógio prestes a estourar. Aqui, do jeito que estão trabalhando, é impossível implantar protocolos de segurança que garantam a proteção contra o coronavírus.
A pandemia já chegou a essa região. Mas pouco está sendo feito pelas indústrias. O coronavírus dissemina medo e angústia entre os trabalhadores, que imploram pela redução do ritmo e por medidas de proteção. Sob o risco de contaminação generalizada, os trabalhadores acusam a empresa de se preocupar apenas em manter a produção.
Descaso das empresas
Conversei com trabalhadoras das linhas de produção e de outras áreas da empresa. Recebi áudios, fotos, vídeos, cenas que chocam pelo descaso por parte da empresa: pessoas aglomeradas sem nenhum tipo de cuidado. Pessoas aglomeradas em espaços muito pequenos, sem nenhum cuidado. Não apenas na Aurora, mas também na BR Foods (BRF), outra grande empresa do setor que opera na região, dona da Sadia e da Perdigão.
Chapecó é um dos mais importantes centros de produção de proteína animal do mundo. As indústrias simplesmente não estão seguindo os protocolos determinados para conter o avanço da pandemia. Não estão evitando aglomerações e estão transportando, para os frigoríficos, trabalhadores de diversas cidades, também de forma aglomerada, em direção a espaços confinados e sem medidas de proteção.
Ambulatórios lotados
Uma trabalhadora da Aurora disse que estava gripada e foi procurar o ambulatório. Lá chegando, em uma sala de espera cheia de pessoas com sintomas, foi atendida por enfermeiras, medicada e liberada para voltar ao trabalho. Em nenhum momento houve contato com médicos. “Estão mandando pra casa apenas quem tem febre, o restante é medicado e enviado de volta, inclusive na linha de embalagem de alimentos”, disse ela.
Uma outra trabalhadora, que tem um filho em casa isolado, porque é do grupo de risco, não foi liberada e é obrigada a trabalhar todos os dias. “Eu estou desesperada, não sei o que fazer. Eu tenho medo de contaminar meu filho”, relata ela. São inúmeros os depoimentos de trabalhadores em situação de desespero.
“Precisa diminuir o ritmo de produção”
Conversei com Alzumir Rossari, militante sindical e ativista social em Chapecó. Ele disse que é preciso cortar ao menos 70% da produção, diminuir o fluxo de trabalhadores, manter apenas a produção para o mercado interno e interromper o que é exportado. “Se não diminuir de forma coordenada, vai parar tudo por calamidade. São 20 mil trabalhadores na agroindústria de Chapecó e cidades vizinhas”, alerta ele.
Sobre o fluxo de trabalhadores de diferentes cidades, Rossari diz que os frigoríficos estão na iminência de se tornarem disseminadores do coronavírus para pequenas localidades. “Ao não proteger os trabalhadores, eles podem ser contaminados e levar a doença para esses lugares”. Cidades menores que não têm estrutura médica para atender situações de pandemia.
O cenário é de caos iminente, caso algo não seja feito com urgência.
O que dizem as empresas
A Aurora distribuiu um áudio dizendo que segue as recomendações do Ministério da Saúde e está desinfectando ônibus e locais de trabalho, além de verificar a temperatura dos trabalhadores. Recomenda que os funcionários não se aglomerem e mantenham distância de um metro entre si.
O problema é que a própria empresa está aglomerando pessoas sem máscaras de proteção e a menos de um metro de distância, conforme mostram as imagens do vídeo deste texto, captadas por trabalhadores no dia 23 de março de 2020, após o próprio comunicado da empresa.
A BRF distribuiu um vídeo apresentado por diversos diretores da empresa, com falas do tipo: “Você que é nosso colaborador, nosso muito obrigado”; “O seu trabalho é tão importante quanto serviços de saúde e outros que não podem parar”; “Seguir com dedicação”; “O time BRF não para e a cada um de vocês nosso muito obrigado”; “Vocês são fantásticos”.
A empresa não dedica nenhuma frase para falar de saúde e segurança ou medidas de proteção.
Ações urgentes precisam ser tomadas em Santa Catarina. Os frigoríficos estão se tornando potenciais multiplicadores da pandemia. Distribuir vídeos agradecendo o empenho, sem dar a contrapartida, é jogar trabalhadores na fogueira, em nome do lucro. Não há nenhum motivo, econômico ou social, que justifique tal coisa.
Os frigoríficos vão ser tornar cúmplices de mortes pelo coronavírus, se nada for feito.
Edição: Rodrigo Chagas