O empoderamento das mulheres no mundo do futebol já é um fato no Brasil. Diferente de décadas atrás, quando a prática do esporte era proibida por lei para elas e poucas frequentavam os estádios, hoje, além do futebol feminino estar ganhando espaço no imaginário dos brasileiros, as torcedoras lotam as arquibancadas.
A prática da sororidade tem se constituído como uma importante ferramenta dentro desse universo, historicamente marcado por machismo, assédios, intolerâncias e racismos. O Brasil de Fato foi conhecer duas experiências nascidas das torcedoras do Grêmio e do Internacional, a dupla GreNal, maior rivalidade do futebol de Porto Alegre (RS).
A história do INTERfeminista
Um grupo de coloradas criou, em março de 2016, o coletivo INTERfeminista, motivadas pela fala machista de um comentarista esportivo. “Somos feministas interseccionais e somos do Inter. Já nos conhecíamos de frequentar o Beira-Rio e de redes sociais. Daí foi um abraço. A luta sempre foi contra a objetificação da mulher nos espaços do esporte”, afirma Najla Diniz, integrante do coletivo.
A colorada conta que, a partir das reivindicações do coletivo, vieram importantes conquistas institucionais: “O fim das líderes de torcida à beira do campo com roupas provocativas e diminutas; a volta da diretoria feminina na gestão; a estruturação do futebol feminino em todas as categorias; as mudanças nos critérios avaliativos para a escolha da musa do clube, que finalmente foram implementadas esse ano; e um canal de denúncia contra possíveis assédios dentro do estádio, o Estaremos Contigo!”.
Najla destaca ainda que o coletivo conseguiu um lugar no primeiro escalão da direção do Inter. “Hoje sou a responsável pela diretoria de inclusão social do relacionamento social do clube.”
As gremistas do Coletivo Elis Vive homenageiam a cantora gaúcha
A fim de discutir pautas no contexto de uma torcida de mulheres, feministas e antifascistas, gremistas integrantes do coletivo antifascista Tribuna 77 criaram, em novembro de 2018, o Coletivo Elis Vive. “A formalização trouxe mais força e objetividade para nossa luta, já que a partir de nossa existência muitas mulheres passaram a nos procurar para estarem juntas conosco”, conta Patrícia Ferreira, que faz parte do grupo.
O nome faz referência a Elis Regina, que em 1962, aos 17 anos, tornou-se sócia do Grêmio. Patrícia conta que Elis foi homenageada pelo clube, quando já era famosa, em 1968. “Com sua música e sua mania rebelde, ela não poupava esforços para defender os direitos, a democracia, as liberdades e o direito das mulheres serem donas de si, de seus corpos e de suas vidas. Por conta de toda essa história e por trabalharmos a questão do reconhecimento de nossos ídolos, Elis se tornou nossa maior inspiração”, explica.
A luta dentro e fora dos estádios
Os trapos (faixas) são marca das torcidas nos estádios. Os coletivos feministas da dupla GreNal costumam se manifestar sobre temas que dizem respeito ao combate ao preconceito. E as ações são replicadas nas redes sociais, atingindo muito mais pessoas.
Patrícia Ferreira destaca que o Elis Vive tem um grande número de seguidores que não possuem o hábito de ir ao estádio, “mas que enxergam no coletivo uma representação”. As torcedoras também realizam campanhas específicas, como a construção do Machistômetro, material de combate ao machismo nos estádios, produzido no 8 de Março de 2019.
Outro aspecto trabalhado por ambas as torcidas é o assédio às jornalistas mulheres que trabalham nos estádios. “Temos vozes poderosas, ocupando cargos executivos e legislativos do país que legitimam a objetificação e a misoginia. Por isso, no começo do campeonato de 2020, a diretoria de inclusão fez um acolhimento às jornalistas mulheres”, conta Najla, explicando que o canal de denúncias da torcida colorada serve também e elas.
Esporte feminino
“Além de pouca visibilidade, o futebol de mulheres tem pouco investimento e esse é um tema muito importante pra nós”, afirma Patrícia, destacando, além da discriminação, a precarização das condições de trabalho. Ainda assim, o Coletivo Elis Vive está em todas as partidas. “Apoiamos as meninas dentro e fora de campo, organizamos caravanas para ir até Gravataí, na casa das Gurias Gremistas, ver os jogos e cantar muito”.
Najla conta que a criação do futebol feminino em todas as categorias foi uma bandeira muito cara para a INTERfeminista. “Defendemos a modalidade, vibramos com suas conquistas e acompanhamos os jogos. Achamos que ainda há um longo caminho a percorrer, como a própria utilização do Beira-Rio, e que falta mais visibilidade por parte da imprensa. Mas estamos no caminho e isso nos enche de orgulho”.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko