O presidente argentino deve enviar aos parlamentares um novo projeto de legalização do aborto dentro de dez dias. O anúncio feito por Alberto Fernández (Partido Justicialista) durante o pronunciamento de abertura do ano legislativo do país, neste domingo (1), foi amplamente aplaudido por políticos dentro da Câmara dos Deputados; e por manifestantes, do lado de fora.
“No século 21, toda sociedade precisa respeitar a decisão individual de seus membros de dispor livremente de seus corpos", afirmou o presidente ao defender a medida.
O chefe do Executivo argentino também deve enviar ao Congresso Nacional o “Plano dos 1000 dias”, cuja ideia é que nenhuma mulher recorra ao aborto por não ter condições financeiras.
O projeto prevê o cuidado integral da vida e saúde de mulheres grávidas e de seus filhos no primeiro ano de vida. Fernandéz também deve enviar um programa de educação sexual “contundente” para prevenir gravidez indesejada.
“A situação das gestantes na Argentina apresenta diversos aspectos. Diferentes são os aspectos enfrentados pela mulher que deseja ter um filho e aquelas que decidem interromper a gravidez. Um Estado que cuida deve acompanhar todas as mulheres nos processos que são desenvolvidos acessando totalmente o sistema de saúde", defendeu Fernández.
Em um discurso que durou cerca de 80 minutos, o presidente argentino caracterizou a legislação atual que versa sobre o tema, de 1921, como “ineficaz”.
A norma “condenou muitas mulheres, geralmente de recursos limitados, a incorrer em práticas de aborto em segredo absoluto, colocando sua saúde e, às vezes, suas vidas em risco", afirmou.
O posicionamento do presidente peronista é um fato histórico para a Argentina: é a primeira vez que um chefe do Executivo envia um projeto dessa natureza ao Congresso Nacional. Governistas analisam que, na Câmara dos Deputados, há votos suficientes a favor da proposta. No Senado, no entanto, a votação é incerta.
O texto da proposta, que já está pronto e aguarda somente a assinatura de Fernández, foi elaborado por Vilma Ibarra, secretária Legal e Técnica de Presidência da Nação Argentina, e funcionários dos ministérios da Saúde e da Mulher, Gênero e Diversidade.
Mobilização popular pelo aborto
O projeto, que deve garantir a interrupção de gravidez gratuita e em hospitais públicos, será discutido no parlamento ao lado da proposta de “Interrupção Voluntária da Gravidez” (IVE), da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito da Argentina.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a integrante da campanha Laura Salomé afirmou que, a princípio, os integrantes da Campanha esperam "que o projeto que o presidente irá apresentar respeite a garanta os direitos que nós, como movimento feminista e como uma articulação de mais de 700 organizações, debatemos que se garantisse”.
Para ela, o projeto do Executivo têm de respeitar o projeto da Campanha. “Faz dois anos, em 2018, que estávamos exigindo o debate e a sanção. E hoje o que estamos disputando são os detalhes do texto. Então isso significa que avançamos muitíssimo”, afirma Salomé.
Legalização do aborto na Argentina
Em junho de 2018, a Câmara dos Deputados argentina chegou a aprovar o IVE até a 14ª semana de gestação, por 129 votos a favor e 125 contra. No Senado, entretanto, a medida foi rejeitada.
Foi a primeira vez que o projeto entrou em discussão na agenda do parlamento, desde o início da mobilização popular em torno do tema há 14 anos. Com a derrota de 2018, um novo projeto foi apresentado em março de 2019 e segue em discussão no legislativo.
Nesse último projeto, o oitavo apresentado pela Campanha ao Congresso, foi incluído o tema da educação sexual ao lado da legalização do aborto e do acesso a métodos contraceptivos, assim como está sendo defendido por Fernández na proposta presidencial.
O projeto popular também prevê que a interrupção da gravidez pode ser realizada até a 14ª semana ou acima deste período nos casos de risco de vida ou saúde da mulher, assim como nos casos de estupro, no sistema público e privado de saúde.
O presidente argentino não comentou o período de interrupção durante o pronunciamento, mas a expectativa é a de que ele deve seguir a mesma linha. O projeto também versa sobre a despenalização dos profissionais de saúde que realizarem o procedimento, com o consentimento da paciente.
De acordo com a Campanha Nacional Pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, aproximadamente 600 mil mulheres abortam todo ano no país. Segundo o Ministério da Saúde, são 100 mulheres que morrem anualmente em decorrência de abortos inseguros, sem contar a sub-notificação.
No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, as mobilizações organizadas pela campanha serão fundamentais para a aprovação do projeto presidencial entre os parlamentares.
Durante meses, a Campanha promoveu uma série de mobilizações, conhecidas como "maré verde" que ficaram marcadas pelo símbolo de um lenço triangular verde, que diversas militantes usam para marcar sua luta. A última grande mobilização aconteceu no dia 19 de fevereiro em frente ao Congresso Nacional argentino.
Edição: Leandro Melito