Na próxima quarta-feira, 19, será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553/DF com o objetivo de derrubar os benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos.
Na ação ajuizada pelo PSOL, o partido questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.
O relatório inédito da Abrasco mostra que R$ 10 bilhões são concedidos anualmente para empresas que produzem e comercializam agrotóxicos. Com o desmonte da saúde pública – sistema que atende às doenças resultantes da exposição ao agrotóxico – é fundamental questionar o motivo pelo qual o Estado brasileiro adota medidas que favorecem a alta exposição e consumo de venenos, em oposição ao estímulo de um modelo sem agrotóxicos, como a Agroecologia.
A realidade da sociedade nos convida a refletir sobre nossa existência a partir de distintas dimensões: condições de trabalho, condições de moradia, saúde, educação, lazer e acesso à alimentação.
Essas dimensões, que tratam do “viver bem”, do “estar bem”, do “fazer o bem”, assumem um significado especial. Assumem o papel de protagonista em meio a uma série de situações reais que elevam seus sujeitos políticos a um patamar de destaque: a Agroecologia.
Ainda na década de 1980 o pesquisador Miguel Altieri (1989) definiu a Agroecologia como sendo uma ciência que resgata o conhecimento agrícola tradicional desprezado pela agricultura moderna – que por sua vez extrapola no uso de venenos (agrotóxicos como herbicidas, fungicidas, dessecantes entre outros) -, e procurou sistematizar tais conhecimentos (re)aplicados em novas bases (científicas).
Para outros estudiosos e estudiosas do tema - especialmente no Brasil - a Agroecologia se apresenta como uma forma de resistência contra a devastadora onda de “modernização” da agricultura e, também, contra a expropriação completa dos agricultores e agricultoras, povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais.
Écomida: a caminho da comida, é o caminho da vida
O ato de se alimentar e alimentar os seus/suas carrega consigo uma infinidade de interpretações, ainda que de forma implícita (não explícita). Sobre isso, o sociólogo francês Michel Poulain lembra que por detrás dos debates em torno da alimentação (e sobre ela), são as questões da sociedade que estão em jogo, já que "comer" se constitui em uma prática comum a todos os indivíduos e diz respeito à sociedade em seu conjunto.
Para Flávio Valente, um defensor da alimentação como um direito humano básico (p. 103, 2002) “...o ato de alimentar-se, e de alimentar seus familiares e aos outros é um dos que mais profundamente reflete a riqueza e a complexidade da vida humana na sociedade”.
Segundo Renato Maluf (2002), os alimentos sofreram um processo de grande transformação nos últimos 50 anos, de modo que o segmento da indústria de alimentos, especialmente, as grandes corporações, tem alterado e vem alterando perigosamente suas características, comprometendo, igualmente, sua qualidade.
Tais alterações vão desde a produção – como o uso de tecnologias que desconsideram o princípio da precaução, tal como a transgenia e as novas biotecnologias – até o processamento destes alimentos, usando também técnicas e processos que forjam e simulam seus produtos finais como sendo alimentos, mas que, na verdade, são apenas “produtos comestíveis”, os já conhecidos ultraprocessados.
Precisamos, enquanto sociedade, tomar consciência da necessidade de compreendermos a relação entre produzir-comer-ter saúde- e, por consequência termos qualidade de vida. Compreender que a decisão de não utilizar agrotóxicos tem relação direta com o poder que estas substâncias possuem de destruir a saúde humana e do ambiente, contaminado nossa comida, nossa água e, atrelado a isso, aos outros danos socioambientais, como desmatamento, por exemplo.
Não há como dissociar o plantar do colher, do comer, do nutrir e do ter saúde. Estes são processos que caminham juntos. Nesse contexto, a Agroecologia é prática. É real. É possível. Os efeitos das práticas agroecológicas na produção de alimentos – por parte de quem produz - ganham proporções bastante significativas a contar pela própria capacidade de refletir sobre o seu papel na família e na sociedade.
Assim a percepção de risco sobre a saúde quanto ao uso de agrotóxicos deixa cada vez mais evidente de que: NÃO PRECISAMOS DE AGROTÓXICOS! PRECISAMOS FORTALECER A AGROECOLOGIA.
Para termos uma “alimentação saudável e variada” é necessário termos a autonomia para decidir, com base no que nos disponibiliza a natureza.
Somente a natureza é capaz de suprir a variedade alimentar que nosso organismo precisa, por isso, é possível afirmar que a Agroecologia e sua relação com a saúde determina as escolhas alimentares no dia a dia das pessoas. O contrário do que prega o modelo hegemônico, no qual predomina o uso de agrotóxicos.
A composição de uma dieta considerada adequada deve apresentar na sua composição, fundamentalmente, carboidratos – de preferência complexos –, proteínas, sais minerais, vitaminas, fibras e água.
Uma produção agroecológica, em geral, se apresenta bastante diversificada, o suficiente para garantir autonomia em relação ao autoconsumo. Esta constatação ratifica a prática da policultura – que por sua vez se traduz em práticas tradicionais de produção e consumo de alimentos catalisados pelo movimento da Agroecologia.
Portanto, os benefícios fiscais concedidos à indústria de agrotóxicos, além de inconstitucionais, representam uma violência direta contra o povo brasileiro. Ao contrário, devemos lutar para que alimentos agroecológicos produzidos por agricultores e agricultoras familiares, por quilombolas, povos indígenas e populações tradicionais sim, sejam isentos.
Agrotóxicos não são essenciais. Agroecologia sim.
*Islândia Bezerra é Professora Associada do Departamento de Nutrição/UFPR e Presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia/ABA. Lizely Borges é jornalista da Terra de Direitos e mestre em comunicação. Murilo Souza é Professor da Universidade Estadual de Goiás/UEG e Vice-Presidente Centro-Oeste da Associação Brasileira de Agroecologia/ABA
REFERÊNCIAS
ALTIERI, M. A. Agroecologia - As bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA-FASE, 1989. 237 p.
BEZERRA, Islandia. Nesta terra, em se plantando, tudo dá? Política de segurança alimentar e nutricional no meio rural paranaense, o caso do PAA. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal: UFRN, 2010.
BEZERRA, Islandia. SCHNEIDER, Sergio. Produção e Consumo de alimentos: o papel das políticas públicas na relação entre o plantar e comer. Revista Faz Ciência. Vol. 15, nº 20, 2012. p.35-61
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Tradução de: PROENÇA, R. P. C. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004.
Edição: Leandro Melito